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Adaptando FUNDAÇÃO, o clássico de Isaac Asimov

Sempre foi um mistério para mim como obras clássicas da literatura de ficção científica, como Duna ou O Guia do Mochileiro das Galáxias, receberam mais de uma adaptação para filmes e séries, enquanto Fundação, que é um dos pilares do gênero, e inspiração para os dois que mencionei, nunca foi traduzido para essas mídias.

Fundação só saiu do papel quando o streaming da Apple, o Apple TV+, assumiu o controle e investiu pesado na produção, colocando Josh Friedman e David S. Goyer como responsáveis. Mas valeu a pena? Nessa crítica da primeira temporada vamos debater os conceitos, teorias e o que faltou para a série alcançar seu potencial máximo.

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MEGALÓPOLIS | Um épico frágil e equivocado

Megalópolis é um dos projetos mais ambiciosos da carreira de Francis Ford Coppola. Um filme interessado em debater o declínio do império estadunidense e da indústria Hollywoodiana utilizando como paralelo a história do império romano, assim como algumas de suas figuras mais conhecidas. Megalópolis acompanha a jornada de César Catalina (Adam Driver), um inventor genial que percebe como sua civilização está à beira do colapso. Assim ele pretende reconstruir a cidade de Nova Roma usando um material transformador chamado megalon. Mas para que consiga atingir sua utopia tecnológica, precisa ir contra a elite, os políticos e a mídia, tudo isso com a ajuda de Júlia (Nathalie Emmanuel), a filha do prefeito Cícero (Giancarlo Esposito), que obviamente odeia essa ideia. 

Considerando todos os obstáculos que Coppola teve pra fazer esse filme, o debate sobre a importância de imaginar uma utopia se faz pertinente por conta da situação atual do sistema estadunidense, uma conversa que o diretor estende para a indústria de cinema e a forma como o lucro costuma estar acima da criatividade por conta de um monopólio de estúdios conservadores que prezam por repetição de fórmulas e a falta de interesse em assumir riscos.

O conceito de utopia é sempre frágil porque a maioria de suas interpretações costuma imaginar um mundo no qual conflitos são inexistentes, algo que já foi erroneamente atribuído a narrativas como Jornada nas Estrelas, onde há uma sociedade mais igualitária que abandonou alguns conceitos individualistas do passado, porém ainda há bastante conflito social, político e econômico, já que eles precisam de um sistema funcional. A única diferença é que os conflitos são resolvidos muitas vezes através de diálogos, deixando a força bruta como último recurso, algo que obviamente varia de acordo com a versão de Jornada nas Estrelas que estamos explorando.

Falo isso porque Coppola parece ser o tipo de pessoa que cresceu acreditando nesse ideal de sociedade que ele considera utópica, mas nunca parou para realmente questionar os contextos dessa sociedade, sejam eles políticos, econômicos ou religiosos. Existe esse conceito de tratar a utopia como um método de vida, não como algo que se atinge de verdade, e o filme menciona algo parecido com isso quando temos a cena do Cesar respondendo perguntas e dizendo que a utopia está em desejar um futuro melhor, ela está nesse cenário de discussão e debate produtivo. O diretor entende essa ideia, mas também fica cego pela própria visão otimista, mas bastante inocente e equivocada, de que para atingirmos essa utopia bastam apenas discursos bonitos e uma vontade de mudança que seria capaz de resolver todos os problemas do mundo. Isso fica visível na forma como constroi seu Megalópolis, um filme cheio de boas intenções e muitos pontos positivos, mas que no geral se perde na essência do que ele mesmo considera um futuro melhor. Isso é algo que vou abordar novamente daqui a pouco.

Todo o apelo visual, que tem sido um dos aspectos mais elogiados do longa, é algo que eu gostei na superfície, mas tenho minhas ressalvas quanto ao uso dele dentro da narrativa geral. Não dá pra negar que Coppola fez um esforço descomunal para conseguir construir algumas das composições desse filme, com a quantidade de técnicas de transição e colagens que são belíssimas, ou quando usa split screens para representar essa profusão de ideias na mente visionária do protagonista, com a tela se dividindo em três partes ou mais em uma apresentação de imagens em alta velocidade, o que dá essa sensação de que os pensamentos do protagonista são difíceis de acompanhar.

Ainda que seja lindo de ver e a fotografia conte bastante quando é considerada isoladamente, nem todas as ideias se conectam para criar uma coesão temática, com exceção de algumas tomadas mais estáticas que casam bem com o drama de alguma personagem, como quando mostram o prefeito Cícero sendo engolido pelas areias do tempo, quase como um Ozymandias vendo seus feitos se esvaindo para dar lugar a outra figura mais poderosa. Esse tipo de representação visual é constante, e Coppola não é nada sutil ou econômico na quantidade de referências e alusões à figuras histórias – obviamente o foco maior são nos paralelos com o império romano, desde a cidade de Nova Roma sendo utilizada no lugar de Nova York, o nome da maioria das personagens principais e alguns pontos da trama que envolvem muita traição e conflitos de poder.

Nathalie Emmanuel em megalópolis

Admito não me incomodar com a falta de sutileza nesses casos que mencionei, acho até que o filme abraça bem o absurdo e ridículo, como quando faz sua crítica exibindo símbolos de um discurso neofascista, muito deles através da personagem de Shia LaBeouf, que está bem confortável em um papel mais excêntrico, do jeito que ele gosta. Também há toda a sequência em que Júlia segue o carro de César para descobrir seus segredos, e no caminho temos uma das minhas cenas favoritas, com as estátuas em ruínas representando a decadência do sistema e símbolos estadunidenses de justiça e moral.

Normalmente gosto desse tipo de comentário mais explícito, ainda mais quando vem representado com visuais tão impactantes, mas tem horas que Megalópolis precisar “pegar na mão do espectador” de forma didática ao ponto de incomodar; seja com os vários interlúdios com frases esculpidas em mármore ou a narração da personagem de Lawrence Fishburne. Quando você tira a camada de metáfora, não sobra muito para se aproveitar do enredo, mas pelo menos os visuais e as personagens mantêm essa proposta teatral de Coppola, com diálogos artificiais e atuações mais caricatas.

Aqui funciona pra mim, como acontece com os trejeitos farsescos do protagonista interpretado pelo Adam Driver, um ator que tem feito parte de outros projetos ambiciosos de outros grandes diretores, com o Ferrari, de Michael Mann; Silêncio, de Scorsese e O Homem que Matou Dom Quixote, de Terry Gilliam. Por vezes carismático, outras intimidador, a personalidade do César de Adam Driver que se espelha muito no próprio Coppola, o que ao mesmo tempo traz essa metalinguagem interessante, mas também é um nível de vaidade absurda considerando o quanto ele trata esse protagonista como um gênio incompreendido, e as coisas pioram quando debatemos as intenções da personagem. 

O elenco tem nomes grandes em papeis coadjuvantes, como Jon Voight e Dustin Hoffman, mas o que importa mesmo é assistir Aubrey Plaza se divertindo como uma repórter sensacionalista procurando causar o caos em cada cena que aparece. O maior desperdício da história está no potencial da personagem de Julia Cícero, a filha do prefeito, interpretada por Nathalie Emmanuel. Sua relação com César recebe bastante espaço, e eles possuem uma boa dinâmica, mas não parece ter o mesmo peso que outros núcleos dramáticos, sem contar a forma como Julia precisa representar uma figura de enorme importância para César, mas quando isso precisa ser colocado à prova, é difícil acreditar nessa mudança na dinâmica entre eles. No começo, a conexão entre Júlia e Caesar é algo pragmático e temos que acreditar que há peso nessa relação.

Aubrey Plaza em Megalópolis

Abri esse texto lembrando como esse filme é ambicioso, e Coppola tem essa fama de investir nos seus projetos e arriscar, independente de um resultado desastroso de bilheteria ou uma experiência ruim de filmagem. Se você assistir os bastidores caóticos de Apocalypse Now ou como ele tentou revolucionar a indústria com O Fundo do Coração, um dos meus filmes favoritos, sabe que ele vai fazer o impossível para conseguir passar sua visão para o projeto. E no fim eu gosto de Megalópolis como uma ideia do que é possível ser feito no cinema, uma expressão crua e genuína de um diretor entregando tudo que ele acredita, como se fosse seu manifesto sobre a importância de se colocar a arte como uma necessidade humana. Coppola imagina o futuro com um otimismo inabalável, mas meu maior problema com Megalópoles, e porque considero ele um épico equivocado, está na forma como ele esconde nessa camada de idealismo uma ideologia bem mais conservadora e individualista através de seu protagonista.

Infelizmente, vou me repetir falando de Matrix Resurrections por aqui, mas são dois filmes com ideias e até apelo visual similares, ambos debatendo esse conceito de arte e indústria. A utopia de Coppola se faz pela destruição do antigo e reconstrução total, ao contrário dos ideais de diretoras como as Wachowski, que veem uma necessidade na restauração do antigo e uma construção do novo que funcione para todos, não apenas um grande gênio com todas as respostas. Por vezes a visão de Megalópolis parece cínica e mais limitadora na sua forma de expressar essa necessidade por mudança, que ele vê como algo que deve ser respondido por um indivíduo excepcional, enquanto Matrix Resurrections vê a salvação do mundo em declínio como um esforço coletivo, com esperança nas pessoas que conseguem se unir, ainda que oprimidas por um sistema mais poderoso que elas.

Muito dessa visão de Coppola fica clara no texto que fecha o longa. Não chega a ser um grande spoiler, mas é o tipo de coisa que se espera de alguém que vende um conceito subjetivo como liberdade de expressão e criatividade, mas que ainda vê a resposta para uma civilização avançada por uma ótica estadunidense, chegando ao ponto de terminar a obra com uma mensagem que serve para representar o futuro da humanidade, mas é basicamente uma releitura do juramento à bandeira dos Estados Unidos. Mesmo com todos os meus problemas com o enredo e o debate mal aproveitado do filme, Megalópolis é uma experiência que não se vê todos os dias e eu valorizo o risco que o diretor tomou. Eu respeito a proposta geral que Coppola tentou trazer com seu projeto de paixão, assim como o elenco e os visuais que já fazem valer a pena assistir o filme outra vez no futuro, mas não respeito a forma como ele executa algumas de suas ideias.

Crítica em vídeo:

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River | (Mais) dois minutos além do infinito

Em 2020 tivemos o lançamento de Dois minutos além do infinito, uma pérola da ficção científica independente que chamou atenção em festivais e depois conseguiu uma visibilidade maior no Brasil quando chegou no catálogo do streaming Max (finada HBO Max). Primeiro longa do diretor Junta Yamaguchi, o filme conta a história de um grupo de amigos tentando entender como uma TV passou a exibir imagens do futuro, especificamente dos próximos dois minutos. É uma obra de apenas uma hora e dez minutos, mas bem esperta no formato, brincando com a câmera que está constantemente flutuando no ambiente como o ponto de vista do espectador confuso que vai descobrindo as informações junto das personagens, e -quase- tudo realizado em plano sequência, um chamariz que geralmente não me impressiona, mas nesse filme se destaca por conta da complexidade da cadeia de eventos, então filmar um filme de anomalia temporal em um formato que ignora as convenções da edição cinematográfica é algo bem criativo.

Para seu segundo filme, Yamaguchi mantém a temática de viagem no tempo, repetindo alguns elementos para criar um tipo de conexão entre as obras. Enquanto Dois minutos além do infinito se passa no pequeno restaurante do protagonista, River (lançado em 2023, mas ainda sem título ou data de lançamento no Brasil) é ambientado numa típica pousada ryokan chamada Fujiya, em Kyoto. Assistimos a atendente Mikoto (Riko Fujitani) interagindo com os seus colegas de trabalho e hóspedes do hotel; tudo parece um dia normal, porém ela tem a sensação de um déjà vu quando se vê repetindo uma mesma conversa com seu patrão.

River novo filme do diretor de dois minutos além do infinito
Munenori Nagano e Riko Fujitani debatem sobre os eventos temporais da pousada

Logo o que era estranho fica pior quando Mikoto se vê constantemente voltando dois minutos no passado, a partir do mesmo ponto, na frente do rio Kibune, paralelo ao estabelecimento. Para piorar a situação, outros funcionários e hóspedes passam a relatar eventos bizarros, como uma bebida quente que nunca atinge a temperatura certa ou um mingau que não termina mesmo que você coma o prato inteiro. Todos estão presos no mesmo loop temporal, e a cada dois minutos o tempo volta para o mesmo ponto de partida, felizmente com suas memórias intactas, sendo essa a única vantagem que as pessoas têm para bolar um plano e sair dessa prisão temporal.

Yamaguchi estrutura o longa de uma forma similar ao seu filme anterior, dessa vez tendo um ambiente diferente e mais exploração do espaço, que além de maior em escala é bem mais complexo por conta da quantidade de escadas, corredores e cômodos nos quais a câmera precisa transitar para estabelecer a posição de cada personagem dentro do loop temporal. O que ajuda bastante é a evolução das ferramentas do diretor, que fez o filme anterior em seu smartphone, mas aqui ele tem uma câmera digital e um orçamento maior, então há mais possibilidades e um trabalho melhor no tratamento visual, ainda que o tratamento de cores não seja perfeito e em alguns momentos o branco fica mais estourado, mas é coisa pequena considerando que o foco do longa está nessa noção de movimento.

Por conta da natureza da narrativa de loop temporal o filme consegue escapar até de possíveis erros de continuidade, principalmente aqueles envolvendo a neve em volta da pousada, que está sempre mudando de forma, mas com cada nova instância de linha temporal reiniciada o clima é tratado como uma personagem na trama principal. Por falar nisso, enquanto o primeiro longa do diretor estava mais focado na cadeia de eventos, sem muito desenvolvimento das personagens, aqui temos personagens com dramas mais claros e melhor desenvolvidos, principalmente o da protagonista, Mikoto, que está em sua própria batalha interna contra o tempo e sua inevitabilidade. Além da atriz Riko Fujitani, quase todo o elenco de Dois minutos além do infinito retorna para River, como Gôta Ishida, Masashi Suwa e Munenori Nagano.

Gôta Ishida e Masashi Suwa surpresos com a comida que nunca acaba

O filme é quase inteiramente formado por planos sequências que se limitam à regra de dois minutos, assim retornando para o ponto inicial com um corte seco. O mais divertido é assistir as personagens passando pelos mesmos eventos ou procurando maneiras diferentes de alterar sua realidade. O mais impressionante é ver como Yamaguchi consegue cronometrar a duração das tomadas com a distribuição das personagens no cenário e o enquadramento da câmera. Se você já assistiu o filme anterior do diretor, em alguns momentos é esperado que sinta como se estivesse assistindo uma versão em maior escala da mesma história, muito mais por conta das batidas da trama do que a história em si, o que não atrapalha e até cria uma conexão temática entre as obras – talvez indício de que teremos mais um filme pra formar a trilogia de anomalia temporal?

Se Dois minutos além do infinito revelou Junta Yamaguchi como um nome para se prestar atenção quando falamos de narrativas de ficção científica envolvendo viagem temporal, em River ele consegue se superar na escala e construção de suas personagens, com mais um filme divertido e criativo sobre a iminência do tempo e a importância da memória.

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Pobres Criaturas (2023) | Crítica – O cinema dissonante de Yorgos Lanthimos

Costumo defender bastante o cinema de Yorgos Lanthimos, um diretor singular que tem recebido cada vez mais popularidade desde que começou a produzir seus longas na língua inglesa, com o ótimo O Lagosta (2015), e passou a chamar cada vez mais atenção com obras como O Sacrifício do Cervo Sagrado (2017) e o excelente A Favorita (2018). Ainda assim, nem todos gostam da sua abordagem específica, de humor seco, interrompido por momentos de comédia pastelão ou quando faz piada com barreiras de linguagem e comunicação entre suas personagens. Com o lançamento de Pobres Criaturas, Lanthimos parece tentar equilibrar isso com uma crítica social mais escancarada, sem tanta ambiguidade quanto seus longas anteriores, o que funciona até certo ponto.

Adaptação do romance homônimo de Alasdair Gray, Pobres Criaturas é – na superfície – uma das incontáveis releituras de outro romance essencial para a ficção científica, o influente Frankenstein, de Mary Shelley. Em Pobres Criaturas, o cientista é o próprio monstro, o Dr. Godwin Baxter (Williem Dafoe), genial ao ponto de conseguir trazer de volta à vida a jovem Bella Baxter (Emma Stone), que pulou de uma ponte e deixou para trás um passado misterioso, porém ruim o suficiente para que a fizesse abandoná-lo. Por conta de seu procedimento heterodoxo, o cérebro e corpo de Bella não estão sincronizados da forma correta, isso faz com que ela seja seu experimento mais desafiador, e ao mesmo tempo que a jovem tenta compreender o básico das interações humanas, também passa a lidar com as ameaças da sociedade civilizada e suas regras, o que não a impede de explorar tudo que deseja, desde os prazeres da comida e do conhecimento à libertação sexual.

Mark Ruffalo em Pobres Criaturas Crítica

Os roteiros costumam ser o elemento do cinema de Lanthimos que chamam mais a atenção, principalmente em premiações, mas ele parece ter percebido com seu filme anterior, A Favorita, que o seu triunfo está em combinar enredos peculiares com um elenco de qualidade. Ao entregar um material cheio de personagens extravagantes para um bom ator, é difícil desviar o olhar de suas caricaturas envolventes, como o dramático personagem Duncan Wedderburn, de um Mark Ruffalo que sabe alternar entre um bobalhão cômico e um homem intimidador sem deixar um dos dois de lado. Enquanto isso, Willem Dafoe está na sua zona de conforto, sendo um cientista excêntrico de ações questionáveis, mas se todo ator fosse tão bom em seu feijão com arroz quanto Dafoe, o mundo seria melhor.

Portanto, não há chances de Pobres Criaturas funcionar sem Emma Stone e sua Bella, seguindo o clássico tropo do “peixe fora da água”, mas não deixando sua personagem se limitar a reagir ao mundo à sua volta, ela também interage e molda sua própria realidade através de sua incapacidade de assimilar os costumes conservadores da época. A ambientação vitoriana com toques de anacronismo e segmentos com visuais mais oníricos e vibrantes são uma decisão estética inteligente, sem contar a música original de Jerskin Fendrix, um espetáculo à parte que colabora para a sensação geral do cinema de Lanthimos, com uma harmonia dissonante construída através do som de órgão de tubos, gaitas e vozes alteradas no sintetizador – é o tipo de trilha sonora que se destaca, mas nunca rouba a atenção do filme, contribui para a atmosfera geral.

Contudo, todos os elementos assumem uma identidade ainda maior em contraste com a personalidade da protagonista e a interpretação de Emma Stone, que sempre foi uma atriz carismática, mas teve um ano marcante com a constrangedora e genial série The Curse e se estabeleceu como a melhor parceria possível para os filmes de Lanthimos, o que tem dado certo desde A Favorita.

Emma Stone em Pobres Criaturas Crítica

Ao mesmo tempo que Pobres Criaturas parece ser o ápice das idiossincrasias de Lanthimos, o que normalmente seria o tipo de exagero suficiente para me conquistar, o filme também sofre por tentar cobrir mais território do que seria capaz. Há muitos temas levantados que o enredo deixa de lado ou decide ignorar por tratar como uma piada, como acontece com os segmentos em que a protagonista passa a se interessar por certo assunto, mas nunca a vemos desenvolver esse tipo de interesse além do que foi mencionado. Em certo ponto a protagonista diz estar em uma conversa com um “teor circulatório”, e não há descrição melhor para a trama, que segue uma proposta similar à de outro filme do diretor, O Sacrifício do Cervo Sagrado, ambos sobre histórias morais, ao ponto de lembrar uma fábula na sua estrutura; mas enquanto Cervo Sagrado se entende melhor com o material e mantém seu mistério em uma narrativa concisa, Pobres Criaturas dá repetidas voltas para alcançar um ponto que já tinha alcançado anteriormente, o que fica mais evidente no terceiro ato, criado quase puramente para “explicar” o que já estava claro considerando os atos de Bella e os embates com seus parceiros românticos.

A experiência de Pobres Criaturas torna-se completa por conta das decisões estilísticas do diretor combinadas com grandes atuações, como as de Emma Stone e William Defoe, que se entregam ao personagem ao ponto de parecerem intrinsecamente parte do cinema de Lanthimos. Ainda que tenha seus tropeços, nada anula o nosso fascínio em assistir Bella Baxter em sua incansável jornada de descoberta sexual e existencial.

Poor Things – USA, Reino Unido, Irlanda, Hundria 2023
Direção de Yorgos Lanthimos
Roteiro de Tony McNamara, adaptado do livro de Alasdair Gray
Atuações de Emma Stone, Willem Dafoe, Mark Ruffalo, Ramy Youssef…
Música de Jerskin Fendrix
2h e 21 minutos

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Cinema

Landscape with Invisible Hand – Crítica | A ideologia que veio do espaço

Quando Mark Fisher disse que “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”, talvez não imaginasse que a essa ideia fosse chegar ao ponto de ser interpretada através de uma ficção científica sobre invasão alienígena. Ainda que essa seja a proposta na superfície, os debates sobre manipulação midiática e a arte como mercadoria são alguns dos que melhor representam a ideia de Fisher sobre a ideologia imperialista e o capitalismo tardio. Assistimos em Landscape With Invisible Hand uma tentativa de representar a figura da elite burguesa através de uma raça alienígena chamada Vuvv, e que ideia melhor do que desapossá-los de sua humanidade (se é que possuem alguma).

Anos no futuro, os humanos ainda estão se ajustando à nova ordem mundial imposta por alienígenas que pretendem “livrar as pessoas de suas atitudes barbáricas” através de seu controle. Com tecnologia avançada, os invasores tomam conta de toda a esfera política e econômica do planeta, fazendo com que os humanos não tenham mais trabalhos e precisem se adaptar ao estilo de vida alienígena. Um jovem artista, Adam Campbell, decide ganhar algum dinheiro com transmissões ao vivo para os alienígenas, que são fascinados pela cultura humana, principalmente o conceito de “amor”, o que faz com que Adam passe a divulgar cada momento do seu namoro com Chloe, recebendo vários seguidores. Mas quando a relação dos dois passa a esfriar, o casal precisa lidar com a reação dos seus fãs extraterrestres.

Embora Landscape With Invisible Hand chame a atenção pelo apelo técnico, desde a mixagem de som criativa que desenvolve a linguagem física dos aliens, até um design de produção e de personagens bastante incomuns, o que mais se destaca é o debate no centro de todos os principais eventos da trama. Há um paralelo óbvio, porém bem construído entre a dominação alienígena e os processos ideológicos que lentamente (por vezes, nem tão lento assim) tomam conta de um grupo ou sociedade geral, no caso o planeta inteiro. A grande crítica anticapitalista é trabalhada através de temas próprios da narrativa do longa, como a incapacidade dos aliens em “amar”, ou o estabelecimento de um sistema predatório e competitivo entre os humanos, que mesmo sem trabalhos regulares, precisam pagar as contas de algum jeito. Isso faz com que o paralelo com a nossa realidade se torne um pouco mais previsível à primeira vista, mas não deixa de ser eficaz.

Outros temas essenciais da obra envolvem a hiper vigilância pelas redes sociais e o a propaganda ideológica da indústria cultural de países como os Estados Unidos. Há um ponto da história em que um dos alienígenas passa a replicar um comportamento “assimilado” por uma série de TV com alto teor fundamentalista, ou seja, tudo que aprendem dos humanos vêm da propaganda, assim nos tornamos reféns do nosso próprio sistema (mais uma vez). E aqui entra o eterno debate sobre a “importância da arte” e a identidade humana, que o filme também desenvolve muito bem, mesmo sendo um pouco óbvia a intenção, o que não atrapalha a experiência de forma geral.

A interação dos atores com os efeitos especiais dos alienígenas também é um obstáculo a ser superado, e por conta da decisão que representa os seres extraterrestres de forma mais foto realista, a imagem é mais grotesca em movimento, com um visual pegajoso, tentáculos barulhentos e uma cavidade bucal que mais se assemelha com nádegas do que qualquer outra coisa. Esse absurdo cômico pode ser encontrado no longa anterior do diretor Cory Finley, o excêntrico drama Puro-Sangue (Thoroughbreds, 2017), e agora a comédia permanece, mas dá mais espaço para a ficção científica no comando da trama geral.

Asante Blackk e Kylie Rogers podem ter a química necessária para o pontapé narrativo, mas a dupla de atores não consegue se sustentar com a mesma força quando a história exige que sigam subtramas distintas. Blackk ainda tem momentos de destaque, mas a personagem de Kylie e seu núcleo dramático nunca deixa de ser coadjuvante, como uma ideia reserva caso a principal não funcione. Graças ao enredo e montagem delicada, a dupla de atores nunca chega a virar um problema, e mesmo assim há uma enorme compensação no elenco com a presença da interpretação mais contida de Josh Hamilton e a excelente Tiffany Haddish, que está um nível acima, não só pela personagem mais envolvente, mas também a carisma da atriz.

Landscape With Invisible Hand pode passar despercebido por grande parte do público, a não ser que seja distribuído no país por algum serviço de streaming capaz de popularizá-lo, ainda assim é uma narrativa inventiva com paralelos entre uma invasão alienígena e o atual estado da super vigilância por monopólios sem supervisão, a forma como o capitalismo transforma a arte em pura mercadoria e a comoditização da nossa própria humanidade.

Landscape with Invisible Hand – USA, 2023
Direção de Cory Finley
Roteiro de Cory Finley e M. T. Anderson
Atuações de Tiffany Haddish, Asante Blackk, Kylie Rogers e Josh Hamilton
Música de Michael Abels
1h e 45 minutos

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O Hotel do Alpinista Morto | O único SCIFI da Estônia (Vídeo)

Os irmãos Strugatsky são uma dupla de autores soviéticos que podem não ser tão populares na ficção científica quanto um Asimov ou Philip K Dick, mas tem grande influência no gênero, não só pela narrativa de seus livros, mas pelas adaptações que eles já renderam pra TV e cinema. Talvez a obra mais conhecida deles seja a novela Piquenique na Estrada, que se transformou no filme Stalker, um clássico do diretor Andrei Tarkovski. Outras traduções pro cinema que se destacam são filmes como Os Dias de Eclipse, que foi dirigido pelo Aleksandr Sokurov e traz muita experimentação dele, também tivemos a distopia É Difícil ser um Deus, que chegou a ser adaptado mais de uma vez. Todos possuem algum elemento de ficção científica, seja alteração da realidade por um acidente espacial, ou um mundo que os alienígenas invadiram, mas logo abandonaram. Já o longa Hotel do Alpinista Morto é uma obra que traz, além do scifi, o mistério de uma narrativa investigativa, com uma atmosfera absurda e única que pode agradar qualquer fã de Twin Peaks ou Arquivo X.

O cinema da União Soviética era gigante, a maioria vindo do lado russo, mas pouco se fala sobre as produções que saíram da Estônia, ainda mais quando prestamos atenção na ficção científica. A maioria dos filmes do gênero eram curtas, e por isso Hotel do Alpinista Morto se destaca como – provavelmente – o único longa de ficção científica do país. Mesmo sendo único, o filme consegue ser uma obra-prima que compensa essa ausência e representa muito bem o potencial do cinema soviético, e por isso virou um clássico do leste europeu.

Como já mencionei, o filme é baseado em uma obra homônima da dupla Arkady e Boris Strugatsky, mas ao contrário de outros livros mais populares deles, que eram mais voltados pra ficção científica filosófica e introspectiva, Hotel do Alpinista Morto carrega um mistério mais voltado para o thriller policial, ainda que continue sendo, em essência, um scifi mais cabeça.

Hotel do Alpinista Morto Filme SciFi Ficção Científica

A trama acompanha o oficial Glebsky, que parte em uma missão urgente envolvendo um resort isolado entre montanhas congeladas chamado hotel do alpinista morto, que levou esse nome exatamente por conta de um acidente com um aventureiro que morreu ao cair de um penhasco, uma memória sempre presente por conta do enorme quadro na entrada do hotel, representando o homem morto. Quando chega no local, o oficial percebe eventos e pessoas estranhas, mas não faz ideia de qual crime deve solucionar. Antes que pudesse ir embora e desistir do caso, Glebsky fica preso no local por conta de uma avalanche que corta as conexões do lugar com o resto do mundo, e é nesse cenário que a investigação começa de verdade, quando vítimas surgem e eventos misteriosos passam a acontecer, fazendo com que todos os hospedes virem suspeitos.

E você pode estar se perguntando onde entra a ficção científica nisso tudo!?

Parte da surpresa do filme envolve exatamente o elemento scifi, o que pode dar uma dica do que está por vir. Costumo evitar entregar spoilers muito grandes da trama, a não ser que seja necessário. Aqui é difícil estragar a experiência revelando detalhes da história porque esse filme é muito mais sobre a própria jornada do que a conclusão. Ainda assim, ele tem uma baita conclusão, do tipo que deixa uma certa ambiguidade em elementos estabelecidos no começo, mas deixa outros aspectos bem claros para o espectador, incluindo uma cena de quebra da quarta parede que explica muita coisa e deixa ainda mais interessante essa experimentação do diretor.

Então, o filme tecnicamente entrega muito do que está por vir logo no começo, e foi uma boa decisão, porque com certeza muita gente poderia assistir esse filme e chegar na parte que ele abraça total a ficção científica e dizer algo do tipo: “Nossa, mas isso veio do nada”. Felizmente, isso é bem executado e quando o grande mistério é revelado, já não parece mais tão aleatório introduzir conceitos mais inesperados.

Hotel do Alpinista Morto Filme SciFi Ficção Científica

Enquanto Stalker é dirigido por Tarkovsky e se apoia mais em um debate existencialista, aqui temos a direção de Grigori Kromanov, e ele procura uma abordagem com comentários mais voltados para questões sociais e políticas. Claro que os dois filmes têm uma mistura de tudo isso, mas o diferencial do filme de Kromanov é a mescla de gêneros, experimentação na técnica e o excelente trabalho de fotografia, figurino e som.

O longa carrega muito da estética que viria a ser mais popular nos anos 80, principalmente no figurino e cenário, com cores contrastantes e aquela pegada psicodélica que deixa tudo mais bizarro, em combinação com a fotografia obscura do hotel, com muitas sombras e o uso de espelhos pra criar mais confusão nessa atmosfera misteriosa – uma técnica que vimos ser bastante utilizada em outra indicação aqui do canal, o pouco conhecido, mas bastante influente, Mundo Por um Fio.

Tão importante quanto o trabalho de direção de arte é a música. A trilha sonora de Sven Grünberg também tem bastante presença, carregada de sintetizadores que lembram algo no nível das melhores bandas de música eletrônica, sem contar um pouco das composição que bandas como a Goblin fez para os filmes do Dario Argento.

Grande parte da magia desse filme está nessa parte técnica, como a edição fragmentada de algumas sequencias que deixa uma montagem mais confusa, com a intenção de enganar o espectador e fazer você se perguntar sobre o que acabou de ver. Por isso esse é o tipo de longa que vale a pena assistir mais de uma vez, mas não só pela estética, também por todos os temas que ele levanta, principalmente considerando o período em que foi lançado, mesmo que a ambientação também seja um pequeno mistério. Através do protagonista temos muitos debates sobre as contradições da justiça e os limites da lei, com um personagem que acredita estar fazendo o certo em seguir as regras, mas não avalia suas próprias questões morais sobre os eventos bizarros do hotel.

Esse pode ser uma das poucas referências do cinema de gênero da Estônia, mas consegue ser um clássico da ficção científica, que pode ser um pouco difícil de encontrar pra assistir, mas é uma experiência que merece imersão total e uma tela grande com a direção de arte belíssima e o som estalando com a trilha do Grünberg no talo. Uma inesquecível pérola scifi que não pode ser ignorada.


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Como Arquivo X Influenciou Breaking Bad

Não existe uma pessoa que não tenha pelo menos ouvido falar em Breaking Bad. É um fenômeno da TV, sucesso em streaming e continua conquistando novos fãs. Breaking Bad é um marco cultural, isso não tem como negar. Mas eu queria lembrar vocês de outra série essencial para a história da TV, e que tem mais a ver com Breaking Bad do que alguns imaginam. Talvez, ao lado de Twin Peaks, essa seja a série que melhor definiu os anos 90, e como você já sabe desde o título desse vídeo, estou falando de Arquivo X.

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Cinema

Asteroid City (2023, Crítica) | Wes Anderson explora a natureza da narrativa

Não tente entender a história. Apenas continue contando-a.

O cinema de Wes Anderson tem algumas marcas registradas tão evidentes que já chegaram a viralizar ou virar piada até entre quem nunca assistiu um filme do diretor.  Muitas pessoas resumem a linguagem dele em personagens excêntricos e uma fotografia colorida com bastante atenção em uma composição simétrica, até mesmo a tipografia das legendas dos seus filmes viraram referência para trends das redes sociais. Por mais que muito disso seja engraçado e real, e ele use mesmo essas técnicas, essa é uma leitura mais limitada de todos os seus aspectos técnicos, já que ele tem um ritmo cômico mais específico, e a direção dos atores envolve mais humor corporal do que lembram.

Nos seus últimos filmes, Wes Anderson parece estar cada vez mais confortável com essa linguagem, dando muito mais atenção para precisão técnica, ao ponto de ignorar qualquer tipo de naturalismo em seu cinema para abraçar completamente o meta-comentário, que ele tem trabalhado por anos, e tem ficado mais forte desde O Grande Hotel Budapeste, e com seu novo filme isso tem se mostrado um elemento ainda mais importante para ele.

Asteroid City é ambientada em uma versão retro futurista dos anos 1950, e conta duas histórias paralelas, uma delas sendo a encenação de uma peça sobre eventos bizarros em uma convenção de ciências na fictícia Asteroid City, a outra sobre os bastidores da criação dessa mesma peça. A peça nos apresenta o protagonista Augie Steenbeck, um fotógrafo de guerra levando seu filho para a convenção de ciências. Nos bastidores, assistimos o ator que interpreta Augie tento dúvidas sobre sua personagem e os rumos da produção.

Scarlett Johansson e Jason Schwartzman em Asteroid City Novo Filme de Wes Anderson
Scarlett Johansson e Jason Schwartzman

Trazendo muito do que já é esperado de Anderson, o filme tem um grande triunfo na exploração do conceito de estrutura narrativa, e a brincadeira do diretor em estar constantemente movendo a câmera para reenquadrar um plano é sempre divertido, assim como quando provoca o espectador com as mudanças na razão de aspecto, alternando a tela widescreen e colorida que representa a peça entre o preto e branco e a configuração do tamanho das telas das TVs da década.

Asteroid City está rodeado de boas propostas, com temas que podem ir desde alegorias à pandemia, até comentários mais sarcásticos sobre o papel dos Estados Unidos nas guerras e a exploração atômica. Contudo, a decisão de Anderson em abandonar o seu lado mais realista e se entregar ao surreal pode arriscar um pouco a efetividade de um possível arco dramático para as personagens, assim como o enredo, que está cheio de boas ideias, mas não parece saber conectá-las de uma forma mais coesa. Criativo, com certeza, mas os testes do diretor com o conceito de narrativa correm o risco de comprometer o lado mais emocional por uma virtuosidade na sua própria linguagem que é admirável, mas não parece estar completamente refinada.

Ainda falta algum elemento em Asteroid City para que ele pareça menos artificial em sua apresentação, e com certeza essa experimentação narrativa de Anderson tem todo seu mérito e merece atenção do mesmo jeito, principalmente o uso de técnicas diferentes, incluindo animação em stop motion (em uma das melhores sequencias do longa) ou adesão aos conceitos de outras mídias, mas não consigo deixar de imaginar o quão poderoso poderia ser esse filme se ele também fosse um pouco mais delicado com alguns núcleos dramáticos e tramas que poderiam render grandes momentos de reflexão, e por isso as melhores cenas acabam sendo as de pequenas interações entre esses “atores” sobre suas vidas e como enxergam seus personagens.

Jason Schwartzman

Em certo ponto do filme é reforçada a ideia de que “Não tente entender a história. Apenas continue contando-a”, o que seria um ótimo conselho direto do diretor para o espectador, se a história não se empenhasse tanto para passar essa ideia, ao invés de simplesmente tentar contar uma história mais simples.

Asteroid City (2023)
Direção de Wes Anderson
Roteiro de Wes Anderson e Roman Coppola
Atuações de Scarlett Johansson, Jason Schwartzman, Tom Hanks, Bryan Cranston, Jeffrey Wright, Edward Norton, Maya Hawke, Sophia Lillis…
1h 45 min.

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Mrs. Davis | Jesus vs Inteligência Artificial, Ciência vs Religião

“Redirecionando, 1042… Redirecionando, 1042, Sandy Springs…”

Em uma era de remakes e adaptações, uma obra original é sempre bem-vinda. Mrs. Davis”, nova minissérie original do streaming Peacock (o mesmo que tentou emplacar aquela adaptação de Admirável Mundo Novo), chegou sem fazer muito barulho, com uma proposta muito mais do que original e um tanto inusitada: que tal misturar religião cristã e ficção científica?

Tornando-se uma das adições para TV mais cativantes dos últimos meses, a série criada por Tara Hernandez (The Big Bang Theory) e Damon Lindelof (The Leftovers, Lost, Watchmen) tem conquistado o público. Estrelada por Betty Gilpin (Glow), que trabalhou com Lindelof em A Caçada (The Hunt, 2020), a minissérie Mrs. Davis aborda diversos assuntos, mas tentarei fazer um resumo muito breve da premissa.

Em um mundo comandado pela inteligência artificial denominada Mrs. Davis, a freira Simone (interpretada por Betty Gilpin), tenta viver desconectada em um convento afastado da modernidade, desfrutando de seu dom único: a capacidade de visitar Jesus Cristo (interpretado por Andy McQueen) em um restaurante no plano celestial. Simone culpa Mrs. Davis pela morte de seu pai, um famoso mágico, e tem uma relação pra lá de complicada com sua mãe, interpretada magnificamente por Elizabeth Marvel (Manifesto). Assim, Simone evita qualquer contato com a tecnologia que supostamente é a fonte de todas as suas dores.

No entanto, após várias tentativas frustradas, Davis alcança Simone e negocia sua autodestruição em troca de que ela embarque em uma missão para encontrar um objeto mítico, ao qual apenas ela poderia ter acesso. A partir daí, Simone precisa se juntar a um antigo conhecido, Wiley (interpretado por John McDorman), em uma missão cheia de absurdos, em que religião e ciência se misturam de forma super criativa.

A minissérie não tem medo de explorar alguns terrenos “polêmicos” enquanto faz comentários pertinentes, sem se limitar aos temas iniciais, trazendo arcos muito interessantes sobre a relação entre pais e filhos, o uso descontrolado das inteligências artificiais no nosso dia a dia e qual papel a religião ocupa no mundo moderno. Os primeiros episódios jogam o espectador nesse mundo sem muitas explicações, deixando para eles a tarefa de entender como as engrenagens da narrativa funcionam. Essa é uma das marcas de Lindelof, algo que fez com maestria em Watchmen e The Leftovers.

Outra peça fundamental de Mrs. Davis é a escolha do elenco, pela qual eu tenho que dar meus parabéns, são escolhas fantásticas. O grande destaque aqui realmente fica para Betty Gilpin, que não economiza em lágrimas e expressões, mas todo o elenco também está muito bem. Dando a impressão de que é apenas mais uma obra descompromissada, a minissérie tem momentos emotivos marcantes, principalmente quando se aproxima de sua reta final, como uma cena esplêndida no último episódio entre as personagens de Andy McQueen e Betty Gilpin. E ainda conta com a agradável aparição surpresa de Shohreh Aghdashloo, a eterna Chrisjen Avasarala de The Expanse, em um papel um tanto inesperado.

Divertida, irreverente e inteligente, Mrs. Davis é uma pérola e, com certeza, merece atenção. Planejada como uma série limitada, a obra se fecha satisfatoriamente em seu oitavo e último episódio. Infelizmente, a série ainda não conseguiu distribuição no Brasil, mas deve chegar em breve devido à boa repercussão dos episódios finais.

Mrs Davis (2023) – Minissérie
Peacock, 8 Episódios de aprox. 40 – 50 Min.
Criada por Tara Hernandez e Damon Lindelof
Com Betty Gilpin, Jake McDorman, Andy McQueen, Chris Diamantopoulos, Katja Herbers, Elizabeth Marvel e outros.

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Olá, Amanhã! | Crítica da Primeira Temporada

Se você balançar uma árvore de séries de ficção científica, são grandes as chances de cair alguma produção com a estética cyberpunk ou uma ópera espacial estilo Battlestar Galactica ou The Expanse (que eu adoro, à propósito), mas não é todo dia que cai algo com uma ambientação retrofuturista. Claro que há exemplos, como o clássico Os Jetsons ou algo mais recente em Loki, que trouxe muito desse subgênero capaz de imaginar um possível futuro ambientado em um possível passado, principalmente nas sequências do protagonista nas instalações da agência TVA, que mesmo controlando toda a linha temporal do universo, é administrada através de muita papelada e modelos de computadores comuns do século passado.

Com muito do seu apelo envolvendo uma mescla do estilo art déco com a nostalgia pela estética das décadas de 1950 e 60, há temas que podem ser explorados em narrativas retrofuturistas que vão além da ficção científica das máquinas alimentadas por energia nuclear ou a tecnologia retrô, com máquinas de escrever, aquelas tvs de tubo gigantes, telefones de disco, e outras imagens que as futuras gerações vão precisar pesquisar para visualizar o que estou escrevendo.

O retrofuturismo também pode ser uma forte ferramenta de crítica política e social, principalmente considerando o contraste entre a cultura do século passado e o que vivemos – ou está por vir -, fazendo comentários sobre os costumes conservadores da época, como o “papel” da mulher nas relações sociais, o que pode render uma narrativa complexa sobre sexismo e abuso doméstico, se for bem trabalhado e não cair em um território insensível ou sensacionalista. O retrofuturismo costuma explorar os conceitos de burocracia, corrupção corporativa e a manipulação da mídia através da propaganda, temas bem trabalhados em obras como Brazil, de Terry Gilliam. 

Considerando o cenário atual de crise econômica, ascensão de ideologias fascistas, violência contra minorias e desastres ambientais, uma série ambientada em um mundo retrofuturista tem todas as oportunidades para ser combustível tanto de nostalgia, quanto de crítica social. Assim, a série Olá, Amanhã!, distribuída pelo serviço de streaming Apple+, tinha potencial para ser uma grande obra de ficção científica, com apoio de um bom orçamento e ótimo elenco.

No mundo retrofuturista de Olá, Amanhã!, acompanhamos o cotidiano de Jack Billings (Billy Crudup), um carismático vendedor que lidera uma equipe profissional na missão de realizar os sonhos de seus clientes através de uma nova vida, convencendo-os a comprar uma residência na lua. A proposta é grande, mas a lábia de Jack e seus parceiros é maior, ao ponto de negociarem o impossível. Entre promessas absurdas, dívidas de jogos, familiares ausentes e uma cidade cheia de habitantes excêntricos, é apenas questão de tempo para algum desastre acontecer.

Levando em conta os elementos mencionados anteriormente, a série tem de tudo para construir um bom enredo e personagens envolventes, mas adianto que esse não é o forte da série. Há um excelente trabalho de ambientação por conta dos departamentos de figurino e fotografia, além do design de produção, com a arquitetura da cidade e os automóveis clássicos. É uma pena a série fazer tão pouco com essa ambientação, que é ótima, mas não parece afetar tanto a construção de mundo e a narrativa geral, em alguns episódios parece ser apenas um véu de apelo estético bem feito, mas de pouca interação com as personagens.

Billy Crudup em Hello Tomorrow

Outra oportunidade desperdiçada é o elenco de qualidade, que foi limitado a personagens sem muita dimensão, resumidos em alguma característica ou chamariz que tem graça nos primeiros minutos, mas logo se esgota. Billy Crudup e Haneefah Wood são os que recebem mais atenção do roteiro e possuem personagens mais envolventes, com tramas, subtramas e dramas pessoais bem estabelecidos. Embora seja ótimo assistir os dois – e algumas das melhores cenas dessa primeira temporada envolvem alguns embates e trocas de diálogo entre a dupla -, a série se apoia demais na sua muleta de “cidade cheia de habitantes excêntricos”, o que faz com que quase todo o resto do elenco seja obrigado a representar personagens que não vão além da sua caricatura, deixando atores e atrizes mais que competentes, como Hank Azaria e Alison Pill, representando papéis tão limitados que seus arcos se repetem mais de uma vez ao longo de dez episódios de apenas meia hora, e a sensação é de que o ritmo lento da série não ajuda.

Geralmente, adoro séries com um ritmo mais vagaroso, como acontece com Outer Range ou Invasão, mas Olá, Amanhã! parece confusa com suas próprias intenções, e por vezes parece emular a construção de tensão e a atmosfera misteriosa de produções como Ruptura (Severance), que também é da Apple+, mas trabalha com sucesso seus personagens caricatos (no bom sentido: eles são uma caricatura na superfície, mas muito melhor trabalhados). Talvez minha maior decepção com as personagens foi a presença de Matthew Maher, um ator tão engraçado e carismático que tentou ao máximo trazer algum charme e identidade para seu papel, mas ainda sofreu com o enredo repetitivo e caracterização preguiçosa.

Olá, Amanhã! tinha tudo para ser a próxima grande série de ficção científica da Apple+, mas não consegue construir bem seu mistério e personagens da mesma forma que as concorrentes do seu próprio serviço de streaming. Bem ambientado, ótimo apelo visual e um elenco de primeira, mas nenhum desses elementos consegue atingir seu potencial em uma história tão repetitiva que cansa.

Dewshane Williams, Hank Azaria e Haneefah Wood em Hello Tomorrow

Olá, Amanhã! / Hello, Tomorrow (2023) – Primeira Temporada
Apple, 10 Episódios de aprox. 30 Min.
Criada por Amit Bhalla e Lucas Jansen
Com Billy Crudup, Haneefah Wood, ALison Pill, Nicholas Podany, Dewshane Williams, Hank Azaria, Matthew Maher e outros.

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Duna: Parte 2 | Analisando o Trailer – Referências e Teorias

Finalmente, está entre nós o primeiro trailer oficial de Duna: Parte 2, a aguardada continuação dirigida por Denis Villeneuve. Nessa LIVE, Daniel Milano (Portal Farcaster) e Roberto Honorato comentam as referências, easter eggs e teorias que podemos encontrar nesse trailer.

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