Vamos voltar um pouco.
Depois de ter feito uma lista de mesmo nome para os anos 2010, ficou claro que outra sobre a década anterior seria feita — é só ver a quantidade de bons filmes lançados nessa época. Então, sem muita enrolação, vamos começar. A década de 2000 trouxe algumas coisas que receberam uma reação bem negativa da crítica, como o criminoso remake de Solaris (2002), estrelado por George Clooney, ou o deplorável A Reconquista (2000), que redefiniu tudo que conhecemos sobre John Travolta ou ângulo holandês.
Falando assim nem parece que foi a mesma década que teve ótimas obras como Sunshine: Alerta Solar (2007), de Danny Boyle; ou a adaptação dos quadrinhos de Alan Moore (que o próprio não aprova, mas foi um sucesso de público), a distopia V de Vingança (2005). Até mesmo Michael Bay decidiu diminuir um pouco sua paixão por filmes espalhafatosos e dirigiu A Ilha(2005), uma ficção científica bem intrigante que surpreendeu alguns. Tudo bem que na segunda metade do filme as coisas começam a realmente parecer um filme do Michael Bay que todos conhecemos, mas ninguém é perfeito. Bem, talvez a exceção seja Filhos da Esperança (2006), que é considerado por muitos o melhor da época e uma das melhores obras já lançadas para o gênero no cinema.
Em um futuro onde as mulheres não podem mais ter filhos e a última pessoa a nascer acabou de morrer, Theo Faron (interpretado por Clive Owen) recebe a missão de tomar conta e transportar uma jovem grávida que corre incontáveis riscos em um mundo em caos. Com um excelente enredo, atores comprometidos e a ambiciosa direção de Alfonso Cuarón, Filhos da Esperança é uma obra indispensável que dialoga com temas impactantes de maneira honesta e inteligente.
Os anos 2000 foram bons para pequenas produções. Mesmo sem o orçamento dos filmes mencionados anteriormente conseguiram certa notoriedade e respeito entre a crítica e o público, como o melancólico e desesperador A Estrada (2009) ou o claustrofóbico Lunar (2009). Mas se tem um filme que conseguiu aclamação em quase todo festival que foi e agora é considerado um cult do gênero, temos que reconhecer Primer (2004).
Dirigido por Shane Carruth, Primer é provavelmente o filme mais complexo da lista. E quando digo isso não quero desmerecer a narrativa ou decisão estética de qualquer outro (ainda mais por Primer não ter um apelo visual impressionante), a verdade é que esse filme foi escrito da maneira mais crua possível, os termos técnicos não são explicados em ponto algum, a ciência é contada por quem entende para quem entende e nós ficamos ali tentando entender o que eles estão falando. Mas essa é a parte fácil,depois de um tempo você consegue entender a premissa, mas aí entra a trama envolvendo viagem temporal, traição e conspiração. É nessa hora que se deve prestar toda a atenção que você tiver em sua mente. Eu nem me atrevo tentar falar demais do enredo (assisti o filme há quase dez anos pela primeira vez e toda vez que assisto acho que entendi apenas metade), mas saiba apenas que é uma jornada de um grupo de amigos engenheiros que se arrisca em um projeto e acabam criando uma máquina do tempo. Alguns podem achar que é apenas um filme-conceito, mas há um drama pessoal bem desenvolvido, mesmo que não seja o foco.
Carruth viria a dirigir novamente mais de uma década depois, com Upstream Color (2013), mas quem esperava que ele fosse deixar as coisas mais mastigadas para atrair um público maior acabou se enganando.
nota: aproveitei esse espaço para mencionar o filme já que esqueci de inseri-lo na lista de melhores dos anos 2010 ¯\_(ツ)_/¯
Já que estamos nessa de baixo orçamento, vale lembrar dos found-footage, a técnica que virou mania entre estúdios que querem lucrar em cima de um formato que economiza bastante no orçamento graças ao uso “amador” da câmera (maldito seja, Bruxa de Blair, a culpa é sua!). Dois grandes sucessos saíram desse formato: Cloverfield (2008) e Distrito 9 (2009). Enquanto Cloverfield mescla elementos de terror e cinema catástrofe e rendeu uma ótima continuação (pena que houve mais uma que não deve ser mencionada), quem merece um destaque aqui é Distrito 9, não apenas por ser uma ficção científica inteligente com comentários políticos bem inseridos e efeitos especiais de qualidade, mas por ter lançado a carreira de Neill Blomkamp, que depois trouxe longas como Elysium (2013) e Chappie (2015) — não que estes estejam sequer no mesmo nível de seu primeiro filme, mas todos tem a mesma estética futurista.
Em Distrito 9 uma nave pousa na África do Sul e uma raça alienígena é recebida pela população. Anos depois, as pessoas estão cada vez menos seguras do que os visitantes podem estar fazendo, então o que antes era um campo de refugiados agora serve como uma instalação militar intitulada Distrito 9. No meio de tudo isso, um funcionário do governo é mandado para lá com o intuito de expulsar os visitantes, mas como é de se esperar, as coisas não dão certo. Adorado por muitos, esse filme marcou a década passada e agradou até aqueles que não gostam de ficção científica.
Enquanto anotava os filmes para a lista notei que a década passada fez muito bem também para Steven Spielberg, que teve três obras sci-fi bem recebidas, elas são Minority Report: A Nova Lei (2002), Guerra dos Mundos (2005) e o controverso A.I. Inteligência Artificial (2001), que eu vou defender agora e depois vou defender um pouco mais em um artigo dedicado ao filme.
Inteligência Artificial seria o próximo projeto de Stanley Kubrick, sobre um sintético em forma de garoto que deseja se tornar um menino de verdade (é basicamente Pinocchio, só que mais triste). Kubrick esteve em conversas com Spielberg e fez o pedido para que o Steven terminasse o filme caso a tecnologia ainda não estivesse do jeito que ele quer. Perfeccionista como sempre, Kubrick nunca esteve feliz o suficiente e depois foi tarde demais para poder fazer algo. Depois de sua morte, Spielberg partiu na missão de realizar o filme. Reuniu um ótimo elenco, efeitos especiais muito bons para a época e deu seu próprio toque no roteiro, o que considero uma boa decisão. Kubrick, sendo meticuloso, queria que seus filmes tivessem o visual mais impecável possível, mas Spielberg tinha uma atenção para os personagens que poucos tem até hoje. Para ele há uma necessidade em criar algo cativante, não apenas belo para os olhos, mas para o coração.
Essa mistura de Kubrick com Spielberg é uma boa ideia e mesmo que alguém possa considerar os estilos conflitantes, ainda é um filme cheio de momentos emocionantes. Tem uma cena envolvendo um sintético do Chris Rock sendo lançado por um canhão? Sim! Mas isso dura alguns segundos e não atrapalha em forma alguma a narrativa. E você provavelmente deve estar pensando no final, envolvendo alienígenas que leem mentes… ou no verdadeiro final, onde na verdade não são alienígenas e sim outros sintéticos mais evoluídos que conseguiram ler a base de dados do protagonista. Falaremos sobre isso com mais detalhes no futuro.
Eu sei que essa última colocação provavelmente irritou alguém, por isso vamos para as animações, que são várias. Tendo isso em mente, vai ficar difícil escolher apenas uma opção para representar essa categoria, isso porque tivemos obras memoráveis como Wall-E (2008), Planeta do Tesouro (2002) e Atlantis (2001), todos da Disney/Pixar. Mas do outro lado do oceano surgiram animes excelentes como A Garota que Conquistou o Tempo ( Toki o kakeru shôjo, 2006) e o brilhante Paprika ( Papurika, 2006), que inspirou filmes como A Origem, de Christopher Nolan (sério, tem muios paralelos e referências visuais diretas), e foi o último longa do gênio Satoshi Kon, antes de morrer por conta de um câncer. Ele tem outro que poderiam entrar nessa lista, Millennium Actress ( Sennen joy, û2001), mas como ele e Paprika tem uma proposta similar, fiquei com o mais impressionante.
Paprika envolve o roubo de uma máquina que permite que seu usuário entre nos sonhos alheios. Com a ajuda da terapeuta Chiba Atsuko, um detetive pode evitar que um plano desastroso tome conta do mundo real ao atravessar a barreira dos sonhos. E eu paro por aqui sem dar mais detalhes porque vale a pena descobrir cada pedaço desse mundo e ficar fascinado com os visuais e a montagem incrível de Satoshi Kon.
Indo para algo mais leve, sem muita intriga política ou conceitos complexos, tivemos alguns filmes bem divertidos, como a primeira adaptação cinematográfica de O Guia do Mochileiro das Galáxias (2005), baseado na obra de Douglas Adams e estrelado por Martin Freeman; ou MIB: Homens de Preto II (2002), um tremendo sucesso, assim como o primeiro. Mas o que eu vou usar como exemplo aqui é uma comédia “infantil” bastante criativa e com efeitos especiais muito bons: Zathura (2005).
Dirigido por um Jon Favreau pré-Homem de Ferro (Favreau foi o responsável por abrir as portas do MCU), a história é basicamente um Jumanji (1995) no espaço, mas consegue ter personalidade o suficiente para de diferenciar. Walter e Danny são mandados ao espaço por conta de um jogo de tabuleiro mágico e tem que descobrir como sobreviver a todas as ameaças dele.
Esqueça seu preconceito com a Kristen Stewart e eu esqueço o meu com o Dax Shepard, porque esse é um daqueles filmes família com um robô gigante que quer matar duas crianças inocentes, então ele merece um pouco mais de amor e eu estou dando. Toma, Zathura!
Assim como na lista anterior, vou deixar um filme mais dramático onde as relações humanas são mais fortes que todo o conceito sci-fi em volta. Não é todo dia que temos uma obra do gênero que fale sobre relacionamentos com tanta força quanto Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças (2004). A direção de Michel Gondry e roteiro de Charlie Kaufman já deveriam ser o suficiente para entender o quão bom é esse filme. Kaufman desenvolve uma das suas melhores narrativas com Brilho Eterno, com uma história sensível e inteligente.
Joel não aguenta mais lembrar do passado depois de terminar seu relacionamento com Clementine, para resolver isso decide passar por um procedimento experimental que promete apagar literalmente todas as memórias que Joel tiver dela. O longa tem o roteiro metalinguístico e absurdo de Kaufman ao lado dos visuais surreais de Gondry, isso combinado com um elenco certeiro encabeçado por Jim Carrey e Kate Winslet. A ficção científica está no filme inteiro, não apenas nas representações mentais do protagonista ou na tecnologia, é a relação de Joel e Clementine o conceito mais complexo da obra. Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças permanece por dias com quem assiste e melhora com cada revisitada.
E aí, anotou todos? Devo ter indicado aqui uns vinte filmes, e independente de ter mais ação, drama ou comédia, acredito que todos merecem ser assistidos. Deixe nos comentários algum que deveria estar aqui e diga quais você viu e quais quer ver. Vai ter mais listas de onde essa veio, então não esqueça de seguir o Primeiro Contato.