Eu sou do time que adora o filme Tropas Estelares (1997), de Paul Verhoeven. Completamente exagerado e ridículo em abordagem, e com aquela crítica escancarada sobre a abordagem militar como pano de fundo. O filme é bem diferente do material original que rendeu a adaptação cinematográfica, o livro homônimo de Robert A. Heinlein, que trata tudo com mais seriedade. Com isso em mente, dá pra ver que Guerra do Velho, de John Scalzi, é uma obra literária cheia de paralelos com a escrita de Heinlein, mas com um tom que lembra muito mais a adaptação cinematográfica de Verhoeven.
Em um futuro onde a humanidade conquistou o espaço com suas naves e viagens interestelares, tudo que precisam conquistar agora é território, ou seja, planetas que já são habitados por raças alienígenas. Temos a tecnologia, temos a vontade e a verba, mas precisamos de soldados, e não é qualquer soldado. Para se alistar você deve ter no mínimo 75 anos. Isso vem como uma boa notícia para John Perry, que não tem mais a companhia de sua esposa, então decide comemorar seu aniversário se alistando.
“No meu aniversário de 75 anos fiz duas coisas: visitei o túmulo da minha esposa, depois entrei para o exército.
Visitar o túmulo de Kathy foi a menos dramática das duas”.
Essa é minha primeira leitura de qualquer obra de Scalzi, e pelo que vi, foi seu primeiro romance publicado. Isso pode explicar um pouco alguns problemas do livro que são justificados pelo “amadorismo” do autor. O excesso de conveniências ou situações com pouco peso dramático e honestidade são um incômodo, mas pequenos comparados ao que o livro tem de bom em sua proposta. Deixando logo o negativo no ar, posso seguir para o que faz de Guerra do Velho um bom trabalho.
De começo, destaco o protagonista. Carismático e complacente, John Perry é o principal motivo para esse primeiro livro funcionar do início ao fim. Independente da quantidade de missões que recebe e a forma simplista com as quais alguns conflitos são resolvidos, não se deve desconsiderar o personagem, que tem atitude sem soar arrogante e é engraçado sem ser ácido demais. Isso me leva a outro ponto positivo da obra, os diálogos ágeis e ótimas quebras de expectativa. Logo na primeira interação do livro, entre Perry e a recepcionista das Forças Coloniais de Defesa (FCD), temos uma amostra do que está por vir, em uma situação cheia de tiradas rápidas, desentendimentos e piadas bem construídas.
Não falta ação para Perry e os outros recrutas, o livro é uma mina de sangue espirrando para todos os lados e criaturas com lâminas nos braços. O texto de Scalzi não é minucioso como muitos do gênero, preocupados em desenvolver com precisão cada elemento do ambiente, por exemplo, mas ele detalha o suficiente para situar o leitor e deixar claro quem é quem, onde estão e como estão. Um problema nessa abordagem mais objetiva do autor surge quando entram as já mencionadas conveniências ou quando características do próprio protagonista parecem não possuir relevância narrativa, como o fato dele ter sido um escritor antes de se alistar. Traços de personalidade são essenciais na construção de um personagem, mas criá-los sem que isso seja aproveitado pode ser um desperdício de oportunidade, e acontece aqui em alguns momentos.
A trama é bem intrigante, é o típico livro onde fica difícil largar um capítulo no meio sem saber no que vai dar. Reviravoltas são esperadas, e felizmente aqui são todas úteis para a narrativa, não apenas um jeito de surpreender o leitor. Uma delas pode dividir opiniões de primeira, mas quando você descobre para onde as coisas estão indo e o debate filosófico que isso rende, dando mais peso dramático, talvez considere uma boa decisão.
Guerra do Velho é um dos lançamentos mais divertidos da editora Aleph, responsável também por um ótimo acabamento gráfico e uma das melhores artes de capa que eu já vi. Scalzi entrega uma obra leve e sem muita pretensão, mais interessada em criar um laço forte entre o leitor e o protagonista. É uma estratégia sensata, mas não se deve esquecer que no meio de todos os diálogos bem pensados e personagens carismáticos, precisamos de um argumento mais consistente e menos conveniente, com riscos e drama mais realistas, sem que afete o já acertado tom bem humorado e absurdo da obra.
Ainda assim, vale a pena a leitura, e estou doido para ler a continuação, AsBrigadas Fantasma.
“Guerra do Velho”,
de John Scalzi
Editora Aleph, 2016
368 páginas
Tradução de Petê Rissatti
Capa de Pedro Inoue
Ilustração de Sparth