A China é o segundo maior mercado do mundo quando falamos em cinema. É normal vermos alguns filmes do ocidente que não estavam indo muito bem na bilheteria ter uma recuperação surpreendente ao chegar no oriente. The Wandering Earth é uma ficção científica adaptada do conto literário de mesmo nome do autor chinês Cixin Liu, que ficou conhecido por ter sido o primeiro de seu continente a receber o prêmio de Melhor Romance no Hugo Awards (com o seu “O Problema dos Três Corpos”). O filme foi feito com aproximadamente $50 milhões e tornou-se um sucesso rendendo quase $350 milhões de bilheteria apenas em seu país de origem. Com tudo isso, é óbvio que a curiosidade do público ocidental aumentou, e aqui no Brasil o filme foi distribuído pelo serviço de streaming da Netflix, com o título traduzido para Terra Á Deriva.
O filme muda alguns elementos do material original para inserir mais ação, mas justifica a mudança com um drama bem construído. A premissa do filme é promissora: o desespero da humanidade aumenta quando o sol se expande em uma velocidade inesperada. Para evitar a destruição iminente, um plano para tirar a Terra do sistema solar é colocado em prática, e com a ajuda de imensos propulsores e todos os engenheiros que o planeta precisar, assistimos as últimas tentativas da raça humana.
Por ser uma empreitada que exige séculos de execução, cada geração tem seu papel. O astronauta Liu Peiqiang (Wu Jing) precisa deixar seu filho Liu Qi (Qu Chuxiao) na Terra, para que possa seguir sua missão na estação espacial que auxiliará a Terra na viagem para um lugar seguro. Anos depois, quando Peiqiang completa seu trabalho e pode voltar para seu planeta, descobre que um Liu Qi já adulto está em sua própria missão depois de ser pego roubando um caminhão e forjando documentação para comemorar o ano novo chinês com sua irmã adotiva, Han Duoduo (Jaho Jinmai).
Frant Gwo assina a direção. Mesmo com poucos filmes no currículo, faz um excelente trabalho aqui. Além de encontrar um ótimo elenco (incluindo Mike Sui, que interpreta Tim e serve de alívio cômico. Felizmente, bem encaixado) e desenvolver alguns visuais impressionantes, Terra Á Deriva é o tipo de obra que consegue construir drama envolvente no meio da ação incessante. Há a culpa de Peiqiang em deixar seu filho para trás com o sogro, Han Ziang (Ng Man-tat). O longa abre com o monólogo do pai sobre a importância do que está prestes a fazer e uma excelente linha de diálogo envolvendo uma estrela, que retorna no roteiro da maneira mais satisfatória possível. A relação deles é a base do filme, e Gwo sabe quando repetir uma cena através de flashback ou inserir emoção sem soar forçado. A inteligencia da direção e da montagem em estender as cenas de tensão ao limite sem perder o impacto é outro ponto alto.
O filme apresenta três núcleos narrativos diferentes: a estação espacial, a superfície da Terra e o seu subterrâneo, onde a maior parte da população tem vivido por conta do frio extremo da superfície. Como mencionei antes, o roteiro é um destaque. É curioso ver como a obra carrega cinco roteiristas e ainda assim não é um desastre (geralmente, muitas mãos no mesmo roteiro gera uma bagunça na produção); pelo contrário, o enredo dessa história é extremamente consistente e aproveita cada elemento apresentado, até mesmo em seus primeiros minutos, onde introduz temas e obstáculos importantes para futuras resoluções.
Com um roteiro sólido e um diretor capaz de executar visuais impressionantes (alguns eu poderia emoldurar facilmente), fica a responsabilidade do departamento de efeitos especiais em manter a qualidade. Mesmo que não seja perfeito e tenha aquele clássico problema de textura quando envolve o maquinário pesado das grandes estruturas de metal, há espaço para vários elogios ao trabalho da equipe em desenvolver os propulsores e os equipamentos militares da Terra. Não só fizeram um bom trabalho junto da direção de arte com uma identidade visual distinta, mas pelo uso de objetos obtidos através da impressão 3D, bastante convincentes.
Terra Á Deriva já está disponível na Netflix brasileira e indico fortemente que assista antes que saia do catálogo. É um excelente trabalho que funciona em todos os níveis, com sequencias de ação angustiantes na superfície e debates sobre culpa e arrependimento nos minutos derradeiros da humanidade.
Ficha Técnica
Título Original: Liu lang di qiu
Direção de Frant Gwo
Roteiro de Gong Geer, Junce Ye, Yan Dongxu, Frant Gwo, Yang Zhixue
Duração: 2h 5min