Assim como a maioria das obras de Terry Gilliam, Brazil se destaca com seu design de produção incrivelmente criativo, com todos os elementos que poderiam se passar por poluição visual facilmente, mas são transformados aqui em algo bem mais estiloso, mas não menos incômodo para os personagens, que precisam passar pelas piores situações por conta de um futuro onde nada parece ter avançado como deveria. Ver o encanamento de um estabelecimento passando pelo chão, por cima das mesas de jantar e de nossas cabeças, seria um inferno na vida de qualquer um, mas aqui é uma brincadeira com nossa aceitação de tudo como nos é apresentado. Quando toda a fiação da casa do protagonista parece uma parte viva da residência, talvez tenhamos ido longe demais.
Gilliam, que começou sua carreira ao lado do grupo cômico Monty Python, está acostumado com exageros, absurdidade e humor inesperado. O futuro distópico, quase orwelliano, tem suas figuras de autoridade totalitária, mas perde seu peso dramático e dá lugar ao ridículo por conta de toda a apatia da sociedade com o seu cotidiano, e não por um tipo de desânimo ou opressão, que também estão presentes, mas por um tipo de preguiça ou desinteresse em tudo que está acontecendo em volta. Tudo se converteu em uma vida de procedimentos desnecessários, uma perda de tempo (os pessimistas diriam que é a parte menos fictícia do filme).
É um debate bem claro que Gilliam traz para a mesa, a alienação e a ignorância são uma tragédia bem atual, com o excesso de divulgação de informação equivocada com o qual lidamos quase diariamente nas redes sociais, por exemplo. Seria fácil dizer apenas que é um filme relevante até hoje, mas uma das características mais intrigantes da ficção científica é como o gênero possui a habilidade de estudar o comportamento humano de um jeito único, e Brazil é um daqueles filmes que acerta em cheio em quase tudo que se propõe — o “quase” aí foi deliberado.
Sam Lowry (Jonathan Pryce) está cansado de tanta burocracia e vive fantasiando uma realidade onde pode criar asas e sair voando para longe de tudo. Em sua fantasia, ele não está sozinho, Sam tem a mulher perfeita, um tipo de musa para inspira-lo, e ela existe no mundo real, se chama Jill Layton (Kim Greist), mas ela não faz a menor ideia de quem ele seja.
Como se a própria existência naquele mundo já não fosse um enorme incômodo, por conta de um equívoco em sua papelada de trabalho, Sam passa a ser perseguido por agentes do governo sem qualquer interesse em conversar.
Os visuais do longa são o maior destaque, desde a cidade e todos os temas retro-futuristas até o enorme samurai prateado que invade suas fantasias. Mas o elenco também merece atenção, muito mais por quem está nele, como Robert DeNiro e o Python veterano, Michael Palin. Isso não quer dizer que as atuação não são boas, mas sim que elas não conseguem brilhar tanto quanto deveriam, e o mundo de Brazil os engole um pouco, assim como faz com seus personagens, então talvez fique devendo nesse departamento (“retire mais um formulário na fila ao lado, obrigado”).
Outra coisa que não parece mais tão interessante é a necessidade em transformar uma das poucas figuras femininas do filme em um tipo de troféu para o protagonista. Ele é o herói, luta contra o samurai, consegue a garota e você já sabe o resto. É um conceito inocente, aparentemente, mas que toma uma parte do filme que parece tão desnecessária quanto as papeladas do trabalho de Sam. Jill é apresentada como alguém cheia de atitude e uma motivação própria, mas isso começa a desaparecer aos poucos e a personagem é comprometida por conta da narrativa do protagonista, que não traz muitas surpresas.
Brazil é um filme grande, um pouco lento, mas com visuais incríveis e o lugar perfeito para encontrar uma sátira política envolvente. Pode não ser perfeito, tem elementos que roubam o brilho de outros facilmente, mas ainda assim é indispensável para todo fã de ficção científica. Cirurgias plásticas e atendimento domiciliar jamais serão os mesmos depois de assistir esse filme.