The I-Land é uma das piores séries que eu já assisti.
Essa afirmação pode parecer hiperbólica, mas em apenas alguns episódios podemos ver como a nova série da Netflix não apenas possui uma total falta de noção na execução da narrativa, como sequer se deu ao trabalho de procurar por uma premissa original. Neste texto pretendo falar um pouco sobre essa série desastrosa e alguns outros lançamentos “originais” do serviço de streaming para o público amante de ficção científica. A maioria desses, no mínimo, decepcionante.
Em The I-Land (o título desnecessariamente estilizado já é um indício do que podemos esperar), um grupo se encontra perdido e sem memória em uma ilha misteriosa, eles não lembram seus próprios nomes mas precisam se unir para descobrir uma maneira de voltar para casa. Se você já ouviu essa premissa antes é porque provavelmente assistiu Lost, mas não se engane, ao contrário da aclamada série produzida por J.J. Abrams, Jeffrey Lieber e Damon Lindelof, The I-Land tem um enorme diferencial: pouquíssimos dos elementos apresentado funcionam de verdade.
Não faltam produções com propostas similares, e ter um conceito batido não seria ruim se a série ao mesmos soubesse executá-lo. Nos primeiros minutos há uma clara falta de organização, talvez culpa de um roteiro mal elaborado, o que poderia ser salvo pela direção, mas tirando as tomadas competentes que estabelecem o ambiente, e o CGI bem feito, o que The I-Land tenta fazer na maior parte do tempo é fornecer cenários cada vez mais forçados para tentar instalar tensão e desenvolver o drama entre os personagens.
Em vários momentos eles se deparam com alguma pista claramente colocada em seu campo de visão propositalmente, mas o grupo ignora cada uma delas e se prontifica a retornar para suas intrigas mal elaboradas. Isso, somado ao péssimo desempenho dos atores, travados e sem dimensão alguma (por vezes caracterizados por apenas um traço de personalidade, já que tudo o que precisam ser é apenas uma máquina de informação conveniente), deixa a experiência de assistir essa série uma das mais desconfortáveis desse ano.
Voltando ao roteiro e as formas óbvias na qual se manifesta, preciso falar da estrutura narrativa, o que realmente me deixou incomodado (até o momento, achava essa série apenas uma piada). O uso de números espalhado pela ilha para criar paranoia, a corporação misteriosa e os flashbacks que revelam, aos poucos, o passado dos personagens, são traços da história claramente influenciados por Lost. A falta de interesse da série em ao menos se distanciar disso revela como The I-Land é preguiçosa.
Além disso, os esforços para se apoiar no núcleo dramático dos personagens é uma aula de como não escrever um roteiro. Se há uma placa no meio da ilha que claramente os alerta de que algo maior está acontecendo, o que eles fazem é começar um debate sem sentido, o que na cabeça do roteirista talvez seja considerado “desenvolvimento de personagem”, mas o resultado é vergonhoso. Não há uma cena onde um diálogo acontece sem que algum tipo de intriga ou desentendimento aconteça, tirando da série qualquer respiro do enredo, isso faz com que o fascínio pelo lugar e o envolvimento do público com a história seja comprometido.
Infelizmente, esses problemas são só alguns dos que vem me incomodado bastante em algumas produções “originais” da Netflix — para deixar claro, eu sempre coloco assim porque a maior parte do conteúdo que o streaming considera original, ele apenas distribui. Se focarmos apenas nas produções de ficção científica, temos esses mesmos pontos negativos em séries como Outra Vida (estrelada por uma Katee Sackhoff em modo de piloto automático), onde temos igualmente um grupo que vive se desentendendo, sem mencionar algumas reviravoltas similares como a morte de um membro que causa comoção e animosidade entre a protagonista e o resto dos personagens.
Agora, se formos para o lado dos filmes, a realidade é ainda mais triste, com várias produções superficiais e estereotipadas, como IO, Extinção, Próxima Parada: Apocalipse, O Silêncio, Tau, Spectral ou ARQ, para mencionar alguns, que utilizam elementos batidos de subgêneros FC mas não sabem o que fazer com eles, vide The I-Land. É claro que há exceções, por exemplo, o filme I am Mother ou a excelente série The OA, sem contar os não-originais da Netflix, tais como Riqueza Tóxica ou Terra à Deriva.
Com a ascensão de serviços de streaming como Prime Video, HBO GO e Hulu (esse último apenas nos EUA), sem contar a poderosa Disney+, cada vez mais próxima, a Netflix produz e compra paulatinamente mais conteúdo para manter uma programação própria, mas ela tem um sério problema na hora de escolher esse conteúdo, muitas vezes pegando uma enxurrada de produtos mais baratos e de qualidade “duvidosa”, sem contar sua forma quase desleixada de divulgar novos filmes e séries, dando atenção apenas ao que já é aclamado, sem tentativa alguma de prestigiar material relevante para os próprios assinantes, no caso, os fãs de ficção científica que muitas vezes recebem por outras fontes a notícia de que filmes como Terra à Deriva estavam no catálogo.
Eu sei que o streaming não tem obrigação alguma em divulgar o que não interessa a ele, mas assim algumas oportunidades acabam sendo perdidas e a sua credibilidade com uma parcela do público pode ser afetada. Continuando com Terra à Deriva como exemplo, esse foi um filme que marcou a história do cinema chinês e do mercado cinematográfico asiático, batendo recordes de bilheteria que superaram até filmes da Disney / Marvel (eu falo mais sobre isso na minha crítica do filme), então seria mais do que justo utilizar informações como essa para instigar o público, muitas vezes parado por horas na frente da TV sem saber o que escolher para assistir.
É uma pena ver mais uma série Sci-Fi chegando na netflix e ter um resultado tão negativo, mas esse parece ser o caminho que a Netflix decidiu seguir quando se trata de produções do gênero. Espero que seja passageiro e as coisas melhores, até lá continuamos caçando coisas boas no catálogo.