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Paprika | A porta entre sonho e realidade

Responsável por longas animados como Perfect Blue (Pâfekuto Burû, 1997)Tokyo Godfathers (Tôkyô Goddofâzâzu, 2003) e Millennium Actress (Sennen Joyû, 2001), Satoshi Kon é o meu diretor favorito quando se fala de animação japonesa.

É fundamental ressaltar a relevância de alguém como Hayao Miyazaki para a indústria, principalmente pela forma como popularizou o estúdio Ghibli, mas quando comecei a me interessar de verdade por cinema, o de Kon sempre falou mais comigo, considerando as premissas que envolvem temas complexos e absurdos, experimentando o formato de maneira única. O seu filme que melhor representa isso é Paprika (Papurika, 2006), o último longa que dirigiu, considerado por muitos a sua obra máxima.

Adaptado da obra literária homônima, lançada originalmente em 1993 por Yasutaka Tsutsui, Paprika é um filme cheio de conceitos instigantes, utilizando thriller, ação e ficção científica para contar a história da psicóloga Atsuko Chiba (dublada por Megumi Hayashibara), tentando ajudar seus pacientes, mesmo que ilegalmente, com uma máquina capaz de adentrar os seus sonhos. Para não ser reconhecida, Chiba cria um alter-ego chamado Paprika, uma figura capaz de caminhar pelo mundo subconsciente sem problema.

Paprika

Um de seus pacientes é o detetive Toshimi Konakawa (Akio Ôtsuka), que sofre de um pesadelo recorrente sobre um caso não resolvido. Realidade e sonho entram em colapso enquanto Chiba, Konakawa e o doutor Kohsaku Tokita (Tôru Furuya), parceiro de pesquisa de Atsuko, tentam deter uma recente ameaça cada vez mais poderosa.

Se a premissa parece familiar, é porque você provavelmente já assistiu A Origem (2010), de Christopher Nolan, com um conceito bem similar ao de Paprika, tendo até algumas sequências inspiradas no longa animado. Proposital ou não, podemos ver o excelente trabalho de Satoshi Kon na representação visual dos sonhos, e esse é apenas um dos aspectos que faz desse filme tão bom.

Paprika Quebrando Vidro

Como já foi salientado pelo finado (porém maravilhoso) canal do YoutubeEvery Frame a Painting, Kon é um mestre na edição, aproveitando o formato animado para executar cenas impossíveis em live action, com uma montagem dinâmica onde nossas concepções sobre a realidade são constantemente questionadas, seja pela experimentação com a perspectiva, a composição ou simplesmente nas representações mais oníricas do filme.

No ano de seu lançamento, Paprika recebeu mais elogios da crítica por seu apelo estético, mas há espaço para um bom desenvolvimento de personagens, revelando suas intimidades e maiores medos, o que podemos ver na “amizade” de Chiba com Tokita, ou na ansiedade do detetive Konakawa. É curioso ver como Chiba também interage com Paprika, por vezes parecendo que o alter ego adquiriu consciência própria, o que cria um questionamento sobre a verdadeira natureza de sua relação. Essa parte da obra chega perto de algo que Philip K Dick faria, o que faz sentido considerando que Satoshi Kon era um grande fã do escritor.

Outra coisa interessante, mais voltada para a animação em si, é a atenção aos detalhes de Kon, atribuindo pequenos maneirismos em seus personagens, como as expressões de Paprika e o jeito como Konakawa imita o diretor Akira Kurosawa enquanto conversa com a protagonista em uma sala de cinema — essa parte é uma das minhas favoritas.

Eu estava constantemente tentando me aprofundar no meu subconsciente, o que é bem difícil quando você está completamente consciente (Satoshi Kon)

Paprika

Além de todos os elogios ao trabalho visual de Kon, não posso deixar de mencionar a belíssima composição musical pop e techno de Susumu Hirasawa, que combina muito bem com a explosão de cores e elementos inseridos na tela (em certo ponto, temos eletrodomésticos e brinquedos antropomórficos desfilando no meio da rua enquanto executivos engravatados saltam de prédios com um sorriso no rosto e a protagonista sobrevoa observando tudo isso de sua nuvem — parece bizarro, e é).

O roteiro pode não se destacar por seus debates políticos e sociais, que estão lá na superfície mas nunca chegam a ser parte essencial da trama (obviamente, o roteiro não tinha essa obrigação ou intenção), talvez por estar mais envolvido em inserir elementos misteriosos para que o público possa interpretar assistindo o filme mais de uma vez, como as borboletas azuis presentes ao longo da obra.

Paprika é, acima de tudo, uma experiência espetacular, de impacto visual como poucos filmes conseguem, e mesmo que seu enredo não seja tão claro em alguns aspectos, assistir a jornada de Chiba e sua equipe é algo que todo fã de cinema e animação precisa fazer. Muitos cineastas já tentaram interpretar o real e o sonho em sua própria maneira, como David Lynch, Christopher Nolan ou Terry Gilliam, mas nenhum deles parece ter se divertido tanto com as possibilidades da sétima arte como Satoshi Kon, que se foi aos 48 anos, em 2010, com uma filmografia pequena, mas inesquecível.

Paprika

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