Frank Herbert provou seu poder narrativo com o épico Duna, um relato fictício sobre o planeta Arrakis e seus habitantes, explorando seu cotidiano, religião e economia. Para a continuação ele aproveita a liberdade de poder construir uma nova obra sem depender do formato mensal (originalmente, Duna foi distribuído em partes na revista Analog), mas ao invés de extrapolar nas páginas, desenvolve o livro mais “curto” da série, Messias de Duna.
A quantidade reduzida de página não diminui a importância do texto, que aborda os temas de forma mais densa, mas não os deixa de lado, isso porque há uma atenção maior ao desenrolar dos eventos que colocaram Paul Atreides no poder e as suas consequências, lembrando a grande crítica de Herbert aos líderes carismáticos e a crença cega de seus seguidores.
Mais de uma década se passou desde que Muad’Dib, Paul Atreides, ascendeu ao poder de Arrakis, sendo assim um nome respeitado e temido pelo império galáctico, comandando a distribuição de melange, a especiaria mais cobiçada do universo. O livro abre a oportunidade para debates políticos sobre o impacto do governo de Paul, e também observa os diversos pontos de vista de outras guildas e sociedades, como a organização Bene Tleilax, proeminente no enredo, introduzindo novas tramas e personagens intrigantes, como o Dançarino Facial Scytale.
“Como todos os sacerdotes, vocês logo aprenderam a chamar a verdade de heresia”.
Além de todos os questionamentos políticos, Herbert examina a família Atreides com um olhar mais íntimo, com um Paul mais preocupado com seu legado e o futuro do planeta; e Alia, sua irmã, agora uma jovem inteligente e bela. Aqui podemos ter uma versão mais frágil dos dois, o que traz mais emoção para a obra, acusada por alguns de ser muito fria no seu primeiro volume quando se trata da interação entre os personagens.
Com a expansão do universo de Duna, começamos a nos familiarizar com o passado, aprendendo mais sobre “A Idade de Ouro da Terra”, e alguns conceitos mais arriscados, como a criação dos gholas, o que resulta no retorno de um personagem importante do livro original. É difícil construir um mundo tão grande como esse e ao mesmo tempo desenvolver o drama dos personagens de maneira espontânea, mas Herbert não é qualquer escritor.
É claro que a quantidade de páginas acaba reduzindo alguns elementos importantes da obra, e isoladamente Messias de Duna não teria esse problema, mas como uma continuação direta de Duna, a falta de mais sequências envolvendo os fremen (habitantes naturais de Arrakis) e os vermes gigantes, ou até a ausência total de Lady Jessica, a mãe de Paul, aqui mencionada apenas através de diálogos, acabam sendo um ponto desconfortável na leitura, que pode ser afetada ao abandonar elementos tão essenciais para o sucesso da saga.
Faz sentido termos uma concentração maior no avanço do império Atreides, mas terminamos com mais perguntas que respostas; e considerando que o livro seguinte, Filhos de Duna, volta a um formato de mais páginas, talvez fosse melhor transformar essas duas obras em uma só (o que aconteceu em alguns casos nos EUA, onde o segundo e terceiro volume foram lançados como um).
Messias de Duna pode ser um livro pequeno, porém ainda carrega um universo gigantesco com questionamentos que poucos autores têm a coragem de trazer, comprometendo seu próprio protagonista, reforçando um líder imperfeito e tomando decisões impossíveis e arriscadas. Isso faz com que o próprio leitor encare com ceticismo a figura que Herbert criou, e assim somos deixados com uma crise de fé e sem saber em quem podemos confiar daqui para frente.
Ficha Técnica:
Título Original: Dune Messiah (EUA, 1969)
Editora Aleph, 2012
Tradução de Maria do Carmo Zanini
216 Páginas.