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O Colonizador (G. G. Diniz) | O pesadelo de dias ruins

Com a proposta de explorar a evolução da ficção científica nacional, a editora Plutão decidiu criar a série Ziguezague, onde apresenta três “ondas” capazes de construir um panorama da literatura especulativa no Brasil, resgatando autores e obras que contribuíram para a formação do gênero no país, assim como difundindo nomes promissores. Portanto, tivemos autores pioneiros da “primeira onda”, como Jeronymo Monteiro (com seu Três Meses no Século 81); e logo chegamos aos grandes historiadores e divulgadores do gênero, como Finisia Fideli (O Ovo do Tempo), na “segunda onda”. Para a “terceira onda”, a editora traz alguns autores que representam a atual literatura FC, com a sua rica diversidade e uma forte identidade.

Da “terceira onda”, o nome que mais me chamou a atenção foi Gabriele Diniz (mais conhecida por G.G.Diniz), alguém que eu já sigo há um bom tempo, não só pelas obras literárias, mas pelo ótimo canal no Youtube, intitulado Usina de Universos, onde faz suas resenhas e analisa o cenário do mercado editorial brasileiro (quando não decide simplesmente sentar em sua rede e divagar sobre temas problemáticos de suas leituras).

Autora fortalezense, Diniz também criou, ao lado de Alec Silva e Alan de Sá, o movimento literário Sertãopunk, uma resposta direta ao chamado Cyberagreste, que infelizmente caiu em território de apropriação cultural ao ter autores não-nordestinos escrevendo sobre algo que não faz parte de sua realidade. Assim, o Sertãopunk realmente se beneficia do enorme diferencial de lugar de fala e vivência. Para saber mais sobre o assunto, leia o artigo do próprio Alan de Sá: Por que fazer o Nordeste Sertãopunk?.

Em sua primeira colaboração com a editora Plutão, G.G. Diniz acaba de publicar O Colonizador, uma noveleta “curta”, ainda assim um de seus trabalhos mais envolventes, não só pela premissa com elementos de ficção científica, mas a execução inteligente de temas delicados, como violência e abuso.

Jandira é recém-formada e acabou de ser aceita em uma vaga para exobiologia, auxiliando o renomado dr. Costa. Ela está animada com as possibilidades do projeto, que envolve estudar um “fungo alienígena” capaz de entregar mais informações sobre uma civilização extinta. Mas o sonho de Jandira, assim como o projeto, podem ser comprometidos por um laboratório em péssimas condições e as atitudes inapropriadas de seu supervisor, que além de incompetente, está cada vez mais difícil de suportar por conta de seus avanços indesejados.

Gabriele Diniz do canal Usina de Universos

A narrativa de Diniz tem êxito quando procura construir uma atmosfera de incerteza e tensão entre os personagens. Cada diálogo é revelador, sem tornar o texto desnecessariamente expositivo, ainda mais considerando como a autora precisa conciliar o drama da protagonista com o desenvolvimento da ficção científica.

Entre os comentários repulsivos do dr. Costa e o dilema de Jurema, sem saber como lidar com o assédio de seu supervisor, também há espaço para introduzir e estabelecer bem personagens coadjuvantes, a maioria com características e personalidade bem definida, o que não é essencial para a quantidade de páginas de noveleta, mas importa para a narrativa mais sensível de Diniz.

Ainda que a subtrama envolvendo um “fungo extraterrestre” seja relevante para o enredo, o que realmente chama a atenção em O Colonizador é a abordagem inteligente e delicada para um necessário debate sobre assédio e violência sexual. Além disso, não faltam críticas à falta de recursos para o setor de pesquisas científicas no Brasil.

O que pode ser um incômodo para alguns é a mudança em tom quando a história se aproxima dos capítulos finais, trazendo uma abordagem mais voltada para a ação, o que compromete o drama por uma tentativa de aumentar a escala do núcleo especulativo. Esse desvio narrativo acaba se mostrando um pouco impaciente ao executar sequências que lembram outros thriller FC, como os filmes Alien ou O Enigma de Outro Mundo.

Há um outro tropeço na revisão do texto, principalmente na perspectiva do narrador. A obra é apresentada por um ponto de vista em primeira pessoa, mas por algum motivo, um dos capítulos tem uma mudança inesperada para a terceira pessoa. Pode ser uma decisão da autora, mas pareceu confuso e sem propósito, por isso imagino que seja algo que passou despercebido pela revisão. Felizmente, nada que atrapalhe a experiência geral. 

O Colonizador é mais um grande acerto da editora Plutão, que dessa vez trouxe uma das vozes mais fascinantes da ficção científica nacional contemporânea. Gabriele Diniz traz uma narrativa provocante, sem esquecer que uma das características mais fortes da ficção especulativa é aproveitar o universo fictício para comentar uma realidade que precisa ser encarada.