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MEGALÓPOLIS | Um épico frágil e equivocado

Megalópolis é um dos projetos mais ambiciosos da carreira de Francis Ford Coppola. Um filme interessado em debater o declínio do império estadunidense e da indústria Hollywoodiana utilizando como paralelo a história do império romano, assim como algumas de suas figuras mais conhecidas. Megalópolis acompanha a jornada de César Catalina (Adam Driver), um inventor genial que percebe como sua civilização está à beira do colapso. Assim ele pretende reconstruir a cidade de Nova Roma usando um material transformador chamado megalon. Mas para que consiga atingir sua utopia tecnológica, precisa ir contra a elite, os políticos e a mídia, tudo isso com a ajuda de Júlia (Nathalie Emmanuel), a filha do prefeito Cícero (Giancarlo Esposito), que obviamente odeia essa ideia. 

Considerando todos os obstáculos que Coppola teve pra fazer esse filme, o debate sobre a importância de imaginar uma utopia se faz pertinente por conta da situação atual do sistema estadunidense, uma conversa que o diretor estende para a indústria de cinema e a forma como o lucro costuma estar acima da criatividade por conta de um monopólio de estúdios conservadores que prezam por repetição de fórmulas e a falta de interesse em assumir riscos.

O conceito de utopia é sempre frágil porque a maioria de suas interpretações costuma imaginar um mundo no qual conflitos são inexistentes, algo que já foi erroneamente atribuído a narrativas como Jornada nas Estrelas, onde há uma sociedade mais igualitária que abandonou alguns conceitos individualistas do passado, porém ainda há bastante conflito social, político e econômico, já que eles precisam de um sistema funcional. A única diferença é que os conflitos são resolvidos muitas vezes através de diálogos, deixando a força bruta como último recurso, algo que obviamente varia de acordo com a versão de Jornada nas Estrelas que estamos explorando.

Falo isso porque Coppola parece ser o tipo de pessoa que cresceu acreditando nesse ideal de sociedade que ele considera utópica, mas nunca parou para realmente questionar os contextos dessa sociedade, sejam eles políticos, econômicos ou religiosos. Existe esse conceito de tratar a utopia como um método de vida, não como algo que se atinge de verdade, e o filme menciona algo parecido com isso quando temos a cena do Cesar respondendo perguntas e dizendo que a utopia está em desejar um futuro melhor, ela está nesse cenário de discussão e debate produtivo. O diretor entende essa ideia, mas também fica cego pela própria visão otimista, mas bastante inocente e equivocada, de que para atingirmos essa utopia bastam apenas discursos bonitos e uma vontade de mudança que seria capaz de resolver todos os problemas do mundo. Isso fica visível na forma como constroi seu Megalópolis, um filme cheio de boas intenções e muitos pontos positivos, mas que no geral se perde na essência do que ele mesmo considera um futuro melhor. Isso é algo que vou abordar novamente daqui a pouco.

Todo o apelo visual, que tem sido um dos aspectos mais elogiados do longa, é algo que eu gostei na superfície, mas tenho minhas ressalvas quanto ao uso dele dentro da narrativa geral. Não dá pra negar que Coppola fez um esforço descomunal para conseguir construir algumas das composições desse filme, com a quantidade de técnicas de transição e colagens que são belíssimas, ou quando usa split screens para representar essa profusão de ideias na mente visionária do protagonista, com a tela se dividindo em três partes ou mais em uma apresentação de imagens em alta velocidade, o que dá essa sensação de que os pensamentos do protagonista são difíceis de acompanhar.

Ainda que seja lindo de ver e a fotografia conte bastante quando é considerada isoladamente, nem todas as ideias se conectam para criar uma coesão temática, com exceção de algumas tomadas mais estáticas que casam bem com o drama de alguma personagem, como quando mostram o prefeito Cícero sendo engolido pelas areias do tempo, quase como um Ozymandias vendo seus feitos se esvaindo para dar lugar a outra figura mais poderosa. Esse tipo de representação visual é constante, e Coppola não é nada sutil ou econômico na quantidade de referências e alusões à figuras histórias – obviamente o foco maior são nos paralelos com o império romano, desde a cidade de Nova Roma sendo utilizada no lugar de Nova York, o nome da maioria das personagens principais e alguns pontos da trama que envolvem muita traição e conflitos de poder.

Nathalie Emmanuel em megalópolis

Admito não me incomodar com a falta de sutileza nesses casos que mencionei, acho até que o filme abraça bem o absurdo e ridículo, como quando faz sua crítica exibindo símbolos de um discurso neofascista, muito deles através da personagem de Shia LaBeouf, que está bem confortável em um papel mais excêntrico, do jeito que ele gosta. Também há toda a sequência em que Júlia segue o carro de César para descobrir seus segredos, e no caminho temos uma das minhas cenas favoritas, com as estátuas em ruínas representando a decadência do sistema e símbolos estadunidenses de justiça e moral.

Normalmente gosto desse tipo de comentário mais explícito, ainda mais quando vem representado com visuais tão impactantes, mas tem horas que Megalópolis precisar “pegar na mão do espectador” de forma didática ao ponto de incomodar; seja com os vários interlúdios com frases esculpidas em mármore ou a narração da personagem de Lawrence Fishburne. Quando você tira a camada de metáfora, não sobra muito para se aproveitar do enredo, mas pelo menos os visuais e as personagens mantêm essa proposta teatral de Coppola, com diálogos artificiais e atuações mais caricatas.

Aqui funciona pra mim, como acontece com os trejeitos farsescos do protagonista interpretado pelo Adam Driver, um ator que tem feito parte de outros projetos ambiciosos de outros grandes diretores, com o Ferrari, de Michael Mann; Silêncio, de Scorsese e O Homem que Matou Dom Quixote, de Terry Gilliam. Por vezes carismático, outras intimidador, a personalidade do César de Adam Driver que se espelha muito no próprio Coppola, o que ao mesmo tempo traz essa metalinguagem interessante, mas também é um nível de vaidade absurda considerando o quanto ele trata esse protagonista como um gênio incompreendido, e as coisas pioram quando debatemos as intenções da personagem. 

O elenco tem nomes grandes em papeis coadjuvantes, como Jon Voight e Dustin Hoffman, mas o que importa mesmo é assistir Aubrey Plaza se divertindo como uma repórter sensacionalista procurando causar o caos em cada cena que aparece. O maior desperdício da história está no potencial da personagem de Julia Cícero, a filha do prefeito, interpretada por Nathalie Emmanuel. Sua relação com César recebe bastante espaço, e eles possuem uma boa dinâmica, mas não parece ter o mesmo peso que outros núcleos dramáticos, sem contar a forma como Julia precisa representar uma figura de enorme importância para César, mas quando isso precisa ser colocado à prova, é difícil acreditar nessa mudança na dinâmica entre eles. No começo, a conexão entre Júlia e Caesar é algo pragmático e temos que acreditar que há peso nessa relação.

Aubrey Plaza em Megalópolis

Abri esse texto lembrando como esse filme é ambicioso, e Coppola tem essa fama de investir nos seus projetos e arriscar, independente de um resultado desastroso de bilheteria ou uma experiência ruim de filmagem. Se você assistir os bastidores caóticos de Apocalypse Now ou como ele tentou revolucionar a indústria com O Fundo do Coração, um dos meus filmes favoritos, sabe que ele vai fazer o impossível para conseguir passar sua visão para o projeto. E no fim eu gosto de Megalópolis como uma ideia do que é possível ser feito no cinema, uma expressão crua e genuína de um diretor entregando tudo que ele acredita, como se fosse seu manifesto sobre a importância de se colocar a arte como uma necessidade humana. Coppola imagina o futuro com um otimismo inabalável, mas meu maior problema com Megalópoles, e porque considero ele um épico equivocado, está na forma como ele esconde nessa camada de idealismo uma ideologia bem mais conservadora e individualista através de seu protagonista.

Infelizmente, vou me repetir falando de Matrix Resurrections por aqui, mas são dois filmes com ideias e até apelo visual similares, ambos debatendo esse conceito de arte e indústria. A utopia de Coppola se faz pela destruição do antigo e reconstrução total, ao contrário dos ideais de diretoras como as Wachowski, que veem uma necessidade na restauração do antigo e uma construção do novo que funcione para todos, não apenas um grande gênio com todas as respostas. Por vezes a visão de Megalópolis parece cínica e mais limitadora na sua forma de expressar essa necessidade por mudança, que ele vê como algo que deve ser respondido por um indivíduo excepcional, enquanto Matrix Resurrections vê a salvação do mundo em declínio como um esforço coletivo, com esperança nas pessoas que conseguem se unir, ainda que oprimidas por um sistema mais poderoso que elas.

Muito dessa visão de Coppola fica clara no texto que fecha o longa. Não chega a ser um grande spoiler, mas é o tipo de coisa que se espera de alguém que vende um conceito subjetivo como liberdade de expressão e criatividade, mas que ainda vê a resposta para uma civilização avançada por uma ótica estadunidense, chegando ao ponto de terminar a obra com uma mensagem que serve para representar o futuro da humanidade, mas é basicamente uma releitura do juramento à bandeira dos Estados Unidos. Mesmo com todos os meus problemas com o enredo e o debate mal aproveitado do filme, Megalópolis é uma experiência que não se vê todos os dias e eu valorizo o risco que o diretor tomou. Eu respeito a proposta geral que Coppola tentou trazer com seu projeto de paixão, assim como o elenco e os visuais que já fazem valer a pena assistir o filme outra vez no futuro, mas não respeito a forma como ele executa algumas de suas ideias.

Crítica em vídeo: