Independente do que ache sobre a filmografia de Robert Rodrigues, não podemos negar que ele tenta se reinventar algumas vezes. Eu comecei a seguir o diretor há muito tempo, quando ainda era criança e morava em frente à locadora da rua. Ao lado de Sam Raimi e Quentin Tarantino, ele estava na capa da maioria das fitas que eu alugava. O Mariachi, seu primeiro filme, é um sólido começo com uma história divertida e uma identidade forte. Não demorou muito para ele começar sua amizade com Tarantino e desenvolver o ótimo longa sanguinário Um Drink No Inferno, em 1996.
Rodrigues nunca chegou a ser um dos meus diretores favoritos, mas era aquele nome que eu seguia por instinto, como se fosse um hábito involuntário. E se você notar, provavelmente já assistiu algumas obras dele, mesmo sem saber. Depois de sua fase trash pistoleira, Rodrigues seguiu um rumo completamente diferente e dirigiu o longa infantil Pequenos Espiões, em 2001. Foi a primeira vez que o diretor atingiu um público maior, obviamente por conta de ter feito um filme mais acessível para toda a família (que rendeu mais três continuações em sua mão).
Ele passou por uma fase morna, sem grandes lançamentos, focando em curtas e documentários. Mas em 2005, comandou Sin City: A Cidade do Pecado, uma adaptação cinematográfica da HQ de Frank Miller bastante fiel à atmosfera e o estilo narrativo do quadrinista. Rodrigues mais uma vez envolvia-se com um projeto original e seu nome voltou a ser lembrado. O longa foi bem recebido pela crítica e recebeu vários elogios sobre sua abordagem com uma fotografia estilizada de preto e branco que parece ter saído direto das páginas do quadrinho noir.
Com Sin City, Rodrigues lentamente voltava ao seu mundo de sujeira e crime, mas o retorno foi real apenas quando, ao lado de Tarantino, desenvolveu Grindhouse, uma homenagem dos diretores ao movimento da década de 60/70, no qual dois filmes eram exibidos em sequencia durante as sessões, geralmente de obras trash com um pouco de gore. Grindhouse consistia de À Prova de Morte (de Tarantino)e Planeta Terror (de Rodrigues). Depois disso, o diretor fez dois longas para Machete e uma continuação para Sin City, mas nada que tenha impressionado.Finalmente, em 2019 tivemos Alita: Anjo de Combate, um projeto que esteve em desenvolvimento há mais de uma década nas mãos de outro diretor: James Cameron; mas sabemos como ele acabou ficando ocupado por conta de Avatar, então confiou em Rodrigues para seguir com o filme. Cameron continuou como produtor e assina como um dos roteiristas, ao lado de Laeta Kalogridis.
Baseado no mangá Gunnm, de Yukito Kishiro, Alita é a jornada de uma ciborgue à procura de sua identidade perdida. É uma premissa conhecida, mas há elementos o suficiente para fazer dessa história algo próprio. É uma premissa que envolve batalhas entre outras máquinas e ao mesmo tempo deve desenvolver uma protagonista carismática capaz de carregar uma possível franquia. Por esse motivo entendo a decisão de chamarem Rodrigues para comandar o projeto. Ele já provou conseguir criar boas sequencias de ação “cartunesca” com seus Sin City e Machete, mas também sabe apelar para o lado mais infantil, o que ajudou no desenvolvimento de Alita, uma guerreira de personalidade forte, mas com o entusiasmo de uma criança para coisas novas.
O maior desafio do filme foi manter a promessa de deixar Alita visualmente parecia com a figura que saiu de um mangá, com os olhos gigantes e tudo. Felizmente, Cameron é um gênio quando se fala de efeitos visuais, então mais uma vez conseguiu arranjar uma maneira de executar sua ideia. A captura de movimentos da personagem, através da atriz Rosa Salazar, foi um sucesso e impressiona como deu certo quando poderia facilmente ter caído em território de vale da estranheza. É claro que nem toda colaboração de Cameron é necessária, como sua presença nos roteiros, que são a parte mais fraca do longa. Toda a trama de Alita é divertida e traz bons momentos de personagens, mas alguns diálogos podem beirar o cliché (há instâncias onde não só beira, como se joga completamente neles) e a segunda metade do filme já chega com o conflito interno principal da protagonista resolvido, então perdemos um pouco do interesse no drama dos personagens.
Ao lado de Salazar, o elenco conta com Christoph Waltz (que já trabalhou com Tarantino e provavelmente foi uma indicação), Jennifer Connelly, Mahershala Ali, Ed Skrein e Keean Johnson. Waltz e Johnson tem a maior presença e servem, respectivamente, como uma figura paterna e um interesse amoroso. Connelly e Ali estão pagando a reforma da cozinha, mas ainda assim se dedicam, mesmo com a atuação caricata necessária para seus papéis antagônicos. Skrein, como sempre, parece se divertir independente do orçamento do filme.
Outra contribuição de Cameron foi o 3D. Particularmente, tenho uma raiva do uso excessivo de 3D em filmes, e é óbvio que a técnica é usada até hoje para aumentar o preço dos ingressos no cinema, mas aqui ele é bem atribuído. Sequencias de ação, como as do torneiro de Motorball, e algumas batalhas entre Alita e outros ciborgues se beneficiaram da técnica, utilizando profundidade nos personagens para criar um senso de espaço melhor. Essa noção de espaço é também um ponto positivo para um filme onde batalhas de CGI acontecem constantemente. Pode-se perceber a dimensão da cidade onde o filme se passa, e a importância dada aos espaços que introduz. Há um bar onde os caçadores de recompensa se encontram para beber e se gabar de seus feitos, nesta sequencia temos a introdução de alguns conceitos e personagens que mostram como aquele mundo pode ser explorado no futuro.
Alita: Anjo de Combate se despede confiante, com um gancho para uma possível sequencia. Até o momento, o filme se pagou na bilheteria, mas não foi nada estrondoso. Ainda que tenha seus problemas, Alita encontrou as pessoas certas para sua adaptação, que talvez seja a primeira competente envolvendo a de um anime feito pelos norte-americanos. Até mesmo os olhos grandes tiveram uma explicação mais plausível e aceitável que as modificações de outra adaptação estrelada por um ciborgue, o decepcionante live action de Ghost in the Shell, de 2017.
Robert Rodrigues se encontra mais uma vez no holofote, com um filme que mescla seu olhar para ação e desenvolve o início para o que pode ser uma franquia divertida e despretensiosa, mas carregada de conceitos e efeitos visuais que funcionam muito bem e tem a chance de continuar experimentando sem medo, talvez com um roteiro melhor e uma ameaça mais original.
Ficha Técnica
Título Original: Alitta: Battle Angel (2019)
Direção: Robert Rodrigues
Roteiro: James Cameron e Laeta Kalogridis
Baseado na obra de Yukito Kishiro
Elenco: Rosa Salazar, Christoph Waltz, Jennifer Connelly, Mahershala Ali, Ed Skrein, Keean Johnson