Sion Sono tem me surpreendido bastante nos últimos anos. Além de aparentemente estar correndo atrás do título de diretor mais laborioso do mercado japonês (ainda falta muito para derrotar um peso pesado como Takashi Miike, mas é só não desistir), Sono tem entregado obras cada vez mais conceituais, como a sua ficção científica, The Whispering Star.
Ao contrário de seus trabalhos mais conhecidos, como Suicide Club (Jisatsu Sâkuru, 2001) ou o “peculiar” Riaru Onigokko (2015), também chamado de “Tag”, que rodou pela internet por conta de uma cena envolvendo um ônibus sendo cortado ao meio, um bando de adolescentes decapitados e vacas ao vento (eu não estou mentindo), The Whispering Star é um caminho diferente dos longas cheios de violência e ação frenética da qual está habituado. Aqui temos uma criação mais introspectiva e Sono se aproveita mais do silêncio do que a histeria coletiva de algumas produções do passado.
The Whispering Star é estrelado por Megumi Kagurazaka, que interpreta Yoko, uma androide com a tarefa de fazer entregas em pontos distintos da galáxia. Em sua jornada, encontra novos lugares, rostos e reflexões sobre a vida, o universo e tudo mais — esse tipo de coisa. Na contramão de filmes que seguem essa linha mais contemplativa, Sono não entrega grandes descobertas e reviravoltas, o filme parece mostrar a angústia da protagonista como algo do passado, talvez ela esteja acostumada com o isolamento e por ser um personagem desprovido de emoções em sua concepção, a sensação de ambiguidade permeia o filme.
Yoko registra seu histórico de viagem e passa a maior parte do tempo em sua nave, uma das peculiaridades visuais do filme, já que o interior do veículo é constituído de móveis e utensílios típicos de uma cozinha tradicional, é como se ela estivesse viajando no espaço com sua própria casa. Essa intenção de confundir a percepção de tempo e espaço é comum no cinema de Sono, e só depois de passarmos os primeiros minutos observando uma cozinha que temos o movimento da câmera revelando um painel de controle e um vidro que separa o “cômodo” das estrelas do lado de fora.
O longa também tem espaço para alguns momentos de graça, como a forma que manifesta a passagem de tempo, fazendo piada com a situação da protagonista e o absurdo de esperar quase um ano para fazer um chá porque preferiu esperar o gotejar da torneira. Essas decisões e o ritmo mais lento traçam algumas comparações com clássicos como 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), mas os minutos de meditação da personagem e o encontro esporádico com personagens solitários em pontos distintos do espaço deixam tudo com uma atmosfera que lembra mais algo que Andrei Tarkovsky faria em Solaris (1972).
The Whispering Star pode ser um pouco difícil de digerir, ainda mais se estiver acostumado com algo mais imediato e cheio de “ação”. É abstrato em sua abordagem e fala pouco com palavras, mas se você fica na jornada e se sentir confortável, encontra algumas belíssimas composições e conceitos visuais que revelam muita coisa e podem dar pistas do que aconteceu com o resto das pessoas. Um homem com uma lata de alumínio como calçado faz várias conexões, mas com um jogo de sombras bem simples, o filme cria uma cena poderosa que entrega uma das melhores ideias de Sono até hoje.
Pode ser um filme pouco conhecido, na verdade eu nem vejo alguém falando sobre ele, mas para os amantes da ficção científica, como eu, que adora algo mais melancólico e reflexivo, The Whispering Star é indispensável.
Ah, e se você também segue a filmografia do Sono, não se preocupe; Ele não abandona seu estilo por conta desse filme e um ano depois está de volta com Anchiporuno (2016), e esse tem toda a loucura que você poderia pedir, além de ser um ótimo filme, o que não costuma ser surpresa no caso de um diretor habilidoso como ele.