Cary Joji Fukunaga impressionou o público e fez seu nome ao dirigir os episódios da primeira temporada da excelente série antológica True Detective(2014 — ). Com todo o crédito que recebeu, decidiu dirigir o longa Beasts of No Nation um ano depois, que foi distribuído pela Netflix. Em Maniac, ele reprisa sua parceria com o serviço de streaming, dessa vez ao lado de Patrick Sommerville (da série The Leftovers), e tem tudo para dar certo com um elenco premiado e grande orçamento.
A premissa não desrespeita o título da série. Uma companhia farmacêutica promete resolver os problemas das pessoas no futuro de uma vez por todas, mas por enquanto ainda precisa realizar alguns testes. Owen Milgrim (Jonah Hill) e Annie Landsberg (Emma Stone) fazem parte de um dos grupos inscritos no experimento. A dupla, que nunca se conheceu antes, agora está mais conectada do que imagina… e isso é o máximo que posso dizer sem entrar em detalhes.
Ao contrário dos protagonistas da série, Hill e Stone já são conhecidos de longa data, desde a comédia de 2007, Superbad: É Hoje, então dá para notar a química entre os dois. Sua relação é um dos pontos altos da série. Owen é um personagem contido, carrega uma tristeza no olhar, e mesmo que não seja a sua melhor performance, Jonah Hill ainda assim convence quando precisa passar a sensação de uma pessoa letárgica e desmotivada (tenho lido comentários sobre ele estar atuando mal e sem “vontade”, mas discordo desse ponto. Acredito que ele entrega exatamente o que seu personagem pede, só não chega a fazer algo excepcional como Stone, que costuma se jogar de cabeça nos seus papéis). Por seu histórico com comédias, as cenas que envolvem quebra de tensão ou apenas um pouco de humor mesmo, são onde ele brilha. Mas é Emma Stone quem realmente rouba a cena com sua atitude insubordinada. Sua personagem, Annie, é mais impulsiva e impaciente, e Stone exibe isso perfeitamente com sua atuação expressiva, quase caricata em alguns momentos, mas de um bom jeito. Explicarei isso mais à frente.
Além da dupla, o elenco também é bom e há alguns personagens que acabam se destacando, por bem ou por mal. Sally Field e Justin Theroux são os nomes mais veteranos. Theroux é o clássico estereótipo do cientista louco crente no modelo de que os fins justificam os meios. Field não tem o espaço que merece, mas o pouco que faz já é o suficiente. Os dois se envolvem em um arco que infelizmente não é envolvente. Há uma subtrama que lembra algo saído de uma obra de Douglas Adams, envolvendo um computador depressivo, mas as circunstâncias e a execução não convencem porque a série nunca admite sua faceta cômica, apenas flerta com ela em algumas instâncias.
O enredo de Maniac é instigante, assim como seus temas, mas a série também tem suas conveniências e um problema no estabelecimento de tom, pelo menos nos primeiros episódios. De começo somos apresentados ao mundo da série, uma ambientação charmosa com a estética “futurista” (aspas porque não é exatamente o futuro, é mais como uma versão do presente, mas mais estilizada) de uma década de 1990 alternativa à nossa. Podemos ver pequenos robôs espalhados pelas ruas fazendo o serviço sanitário, um amigo de Annie joga xadrez com um coala de pelúcia (o amigo perde) e um serviço de anúncios ambulante é uma boa saída para ganhar uma grana extra. É claro que estamos lidando com uma série de ficção científica, mas os elementos encontrados aqui são incorporados de forma natural, sem alarde, como se não estivesse chamando atenção para o fato de que esta é uma narrativa do gênero.
Talvez essa timidez em apresentar suas partes mais “bizarras”, deixando mais para frente na temporada, seja o que atrapalhou um pouco o ritmo dos primeiros episódios. Primeiro focamos no drama pessoal dos protagonistas, depois somos apresentados aos cientistas e só depois entramos de verdade na trama principal. Essa montagem linear seria bem recebida se a série soubesse administrar melhor todas as suas subtramas. Temos tantas séries recentes com linhas temporais fragmentadas, como Westworld (2016 — ), Legion (2017 — ) ou Twin Peaks: The Return (2017), então já estamos acostumados com o formato, não custa arriscar um pouco.
Apesar desses pequenos deslizes, a experiência de assistir Maniac é original. A direção de arte é belíssima e rica em detalhes e referências divertidas, como a logo da companhia farmacêutica que tem uma fonte parecida com a da empresa de informática IBM. Além disso, a série traz uma alusão ao filme Um Estranho no Ninho (1975) ao criar um termo para um tipo específico de paciente do experimento. Não é nada que chame muita atenção, mas é uma daquelas coisas que mostra como a série se esforça para inserir suas menções em uma maneira que sirva à trama e não apenas para que você aponte para a tela e fique feliz por ter pego uma referência.
Fukunaga surpreende mais uma vez. Sua lente anamórfica ajuda nas cenas exteriores, dando a sensação de espaço e profundidade que contribuem para um visual mais cinematográfico. As mudanças entre a nossa realidade e a mente dos personagens envolvem camadas cada vez menos realistas e mais parecidas com um filme de gênero (daí a atuação caricata que mencionei. Eu disse que ia explicar), então a decisão de Fukunaga apenas ajudou a série. Em um instante ele parece emular a tensão de filmes como A Origem (2010), de Christopher Nolan, mas em outro você é jogado no meio de um plano sequência cheio de ação. Essa última técnica já é quase uma marca registrada de Fukunaga, que orquestrou uma das melhores cenas da televisão da última década em True Detective.
Maniac começa devagar, mas o ritmo e a qualidade sobem gradativamente e você se pega cada vez mais curioso sobre a jornada de Owen e Annie. Nada é perfeito, claro, e a série pode não agradar todos por conta de seu tom inconsistente. Mas se você procura uma experiência quase cinematográfica, com ótimas atuações e uma trama atraente, acho que essa é pra você.