A ficção científica tem a vantagem de utilizar sua ambientação, aproveitando o vazio do espaço, para executar sequências de introspecção e/ou catarse emocional dos seus personagens. Em Ad Astra, seguimos o astronauta Roy McBride (Brad Pitt) em uma missão secreta envolvendo o desaparecimento de seu pai, H. Clifford McBride (Tommy Lee Jones), considerado um herói por seus projetos em busca de novas formas de vida em outros planetas.
Pouco pode ser dito sobre a proposta da obra sem entregar detalhes relevantes da trama, que apresenta sequências de ação impressionantes ao lado de um ritmo mais vagaroso. Isso pode soar como um contraste capaz de colocar a experiência do filme em risco, mas por conta da tensão e os obstáculos envolvendo as leis da física fora de nosso planeta, algo como um carro saindo do curso em uma atmosfera diferente ou um capacete quebrado podem ser o seu fim. É claro que há circunstâncias onde o diretor precisa brincar um pouco com as regras para que a trama siga um caminho mais envolvente, mas isso pode ser perdoado, já que esse é um filme sobre a procura de nossa própria humanidade, e James Gray, diretor do longa, também responsável por obras como Z: A Cidade Perdida, acerta em cheio na execução.
Seguindo uma trajetória diferente do que se espera de um filme grande como esse no atual contexto das salas de cinema, Ad Astra se distancia completamente de sucessos como Interestelar, de Christopher Nolan, e tem mais interesse em uma condução que ecoa melhor os longa-metragens de ficção científica do diretor russo Andrei Tarkovski, como Solaris ou Stalker, mas não nas tomadas que destacam a beleza da natureza (ainda que a fotografia mais transparente de Ad Astra seja belíssima, feita por Hoyte Van Hoytema – talvez a maior semelhança de Gray com Nolan, já que ambos trabalharam com Hoyte para capturar o visual de seus filmes), e sim em sua composição e temas, abordando a solidão e o vazio existencial do protagonista.
Esse debate existencial talvez seja a maior força do filme, onde até o que parece mais absurdo, como piratas espaciais ou uma sequência envolvendo primatas raivosos, funciona perfeitamente para contribuir com o desenvolvimento do protagonista, que começa a obra agindo de maneira fria e pouco expressiva (resultado de um rigoroso treinamento e avaliações psicológicas), mas aos poucos revela suas verdadeiras intenções, medos e arrependimentos.
O comportamento de Roy McBride, papel muito bem desempenhado por Pitt, um ator ótimo para personagens mais contidos, é um estudo sobre a nossa tendência em manter a distância dos outros. Em certo ponto do filme, assistimos um flashback do astronauta sendo deixado por sua esposa, interpretada por Liv Tyler, o que pode ser lido como uma simples entrega de informação desnecessária, mas aqui se transforma em uma das peças que contribui para um complexo quebra-cabeça sobre as nossas emoções, mais uma vez servindo mais a favor dos temas da obra do que apenas da trama.
Além de Tyler, o elenco conta com Donald Sutherland e Ruth Negga, dois atores de peso, infelizmente com pouco tempo em tela e papéis que, nesse caso, acabam tendo a responsabilidade de avançar a trama, que em momento algum promete focar em alguém além de Roy. Tommy Lee Jones retorna, depois de ter atuado em 2017 na péssima comédia Apenas o Começo; e mesmo que por vezes esteja presente em forma de gravações deixadas para trás pelo personagem, sua imagem é essencial para o crescimento do protagonista e o grande comentário final da obra.
Ainda que o roteiro possua alguns diálogos pouco impressionantes, considerando a importância da narração de Pitt ao longo do filme, a obra se destaca por seus temas, boas atuações, excelente direção e impecável música de Max Richter (compositor da magestral On The Nature Of Daylight). James Gray se arrisca questionando nossa história e introduzindo alguns elementos bastante pontuais sobre religião que representam um pouco do possível futuro no qual nos encontraremos e na relação do ser humano com seus ídolos, seja ele a imagem de Deus ou um pai ausente, aproximando o divino e o paterno.
Ad Astra é uma experiência diferente, a jornada solitária de um homem com um dilema universal. Aqui podemos ver como a humanidade conquistou a lua e até Marte, mas continua olhando para o céu na esperança de nova vida, esquecendo a que já possui.