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Brazil (1985) | Entre na Fila!

Assim como a maioria das obras de Terry Gilliam, Brazil se destaca com seu design de produção incrivelmente criativo, com todos os elementos que poderiam se passar por poluição visual facilmente, mas são transformados aqui em algo bem mais estiloso, mas não menos incômodo para os personagens, que precisam passar pelas piores situações por conta de um futuro onde nada parece ter avançado como deveria. Ver o encanamento de um estabelecimento passando pelo chão, por cima das mesas de jantar e de nossas cabeças, seria um inferno na vida de qualquer um, mas aqui é uma brincadeira com nossa aceitação de tudo como nos é apresentado. Quando toda a fiação da casa do protagonista parece uma parte viva da residência, talvez tenhamos ido longe demais.

Gilliam, que começou sua carreira ao lado do grupo cômico Monty Python, está acostumado com exageros, absurdidade e humor inesperado. O futuro distópico, quase orwelliano, tem suas figuras de autoridade totalitária, mas perde seu peso dramático e dá lugar ao ridículo por conta de toda a apatia da sociedade com o seu cotidiano, e não por um tipo de desânimo ou opressão, que também estão presentes, mas por um tipo de preguiça ou desinteresse em tudo que está acontecendo em volta. Tudo se converteu em uma vida de procedimentos desnecessários, uma perda de tempo (os pessimistas diriam que é a parte menos fictícia do filme).

É um debate bem claro que Gilliam traz para a mesa, a alienação e a ignorância são uma tragédia bem atual, com o excesso de divulgação de informação equivocada com o qual lidamos quase diariamente nas redes sociais, por exemplo. Seria fácil dizer apenas que é um filme relevante até hoje, mas uma das características mais intrigantes da ficção científica é como o gênero possui a habilidade de estudar o comportamento humano de um jeito único, e Brazil é um daqueles filmes que acerta em cheio em quase tudo que se propõe — o “quase” aí foi deliberado.

Sam Lowry

Sam Lowry (Jonathan Pryce) está cansado de tanta burocracia e vive fantasiando uma realidade onde pode criar asas e sair voando para longe de tudo. Em sua fantasia, ele não está sozinho, Sam tem a mulher perfeita, um tipo de musa para inspira-lo, e ela existe no mundo real, se chama Jill Layton (Kim Greist), mas ela não faz a menor ideia de quem ele seja.

Como se a própria existência naquele mundo já não fosse um enorme incômodo, por conta de um equívoco em sua papelada de trabalho, Sam passa a ser perseguido por agentes do governo sem qualquer interesse em conversar.

Brazil (1985) | Entre na Fila!

Os visuais do longa são o maior destaque, desde a cidade e todos os temas retro-futuristas até o enorme samurai prateado que invade suas fantasias. Mas o elenco também merece atenção, muito mais por quem está nele, como Robert DeNiro e o Python veterano, Michael Palin. Isso não quer dizer que as atuação não são boas, mas sim que elas não conseguem brilhar tanto quanto deveriam, e o mundo de Brazil os engole um pouco, assim como faz com seus personagens, então talvez fique devendo nesse departamento (“retire mais um formulário na fila ao lado, obrigado”).

Outra coisa que não parece mais tão interessante é a necessidade em transformar uma das poucas figuras femininas do filme em um tipo de troféu para o protagonista. Ele é o herói, luta contra o samurai, consegue a garota e você já sabe o resto. É um conceito inocente, aparentemente, mas que toma uma parte do filme que parece tão desnecessária quanto as papeladas do trabalho de Sam. Jill é apresentada como alguém cheia de atitude e uma motivação própria, mas isso começa a desaparecer aos poucos e a personagem é comprometida por conta da narrativa do protagonista, que não traz muitas surpresas.

Brazil é um filme grande, um pouco lento, mas com visuais incríveis e o lugar perfeito para encontrar uma sátira política envolvente. Pode não ser perfeito, tem elementos que roubam o brilho de outros facilmente, mas ainda assim é indispensável para todo fã de ficção científica. Cirurgias plásticas e atendimento domiciliar jamais serão os mesmos depois de assistir esse filme.

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A Grandiosidade de “Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros” (1993)

“A vida encontra um meio”.

Dirigido por um Spielberg já consolidado por conta de longas como E.T.Tubarão e Indiana JonesJurassic Park surpreende qualquer um que estivesse considerando uma perda de fôlego do diretor na época. Na verdade, é mais um atestado de sua enorme criatividade e competência por trás das câmeras, o que fica ainda mais evidente quando lembramos que no mesmo ano tivemos A Lista de Schindler, o primeiro passo de Spielberg em trabalhos mais maduros, mas não menos premiados e aclamados pelo público e crítica. Pessoalmente, considero Jurassic Park seu maior feito, e em uma filmografia tão diversa e adorada quanto a dele, isso é dizer bastante.

Baseado na obra literária homônima de Michael Chichton, o filme é um daqueles raros casos onde a adaptação é considerada melhor que o original. Mas também, com tudo que o longa tem, fica fácil pensar assim. A história tem uma premissa bem simples e uma narrativa objetiva, mas cheia de elementos únicos e tão bem aproveitados, que retornar ao filme é sempre uma experiência satisfatória. E eu preciso dizer que a maior parte se mantém muito bem, algumas bem até demais.

Seguimos um grupo de pesquisadores e cientistas em uma visita guiada e financiada por um magnata com a promessa de ter conseguido realizar um dos maiores feitos da humanidade: trazer de volta a vida animal dominante do período jurássico. A dupla de paleontólogos, Grant e Ellie, está obviamente ansiosa para ver tudo com seus próprios olhos. Com eles, está Malcolm, um matemático fascinado pela teoria do caos, e o mais preocupado com os riscos que essa descoberta pode trazer.

E aí já encontramos o primeiro grande triunfo do filme. O que fez Jurassic Park tão bom, e talvez o que faltou nas continuações (que nunca chegaram perto de se igualar ao original), são as interações entre os personagens. Spielberg é conhecido por criar figuras e construí-las com carisma e charme suficiente para sustentar a maior porção do filme apenas com bons diálogos. Essas conversas entre os cientistas antes mesmo de chegarem ao parque, já são envolventes e acredito ser a maior força desse filme, ao lado de toda a aventura e aquela sensação de maravilhamento — nossa e dos personagens — que traz um coração e alma impossível de replicar.

Esq. para direira: Martin Ferrero, Jeff Goldblum, Richard Attenborough, Laura Dern e Sam Neill.
Esq. para direira: Martin Ferrero, Jeff Goldblum, Richard Attenborough, Laura Dern e Sam Neill.

O elenco é impecável. Richard Attenborough é o magnata com sorriso acolhedor e entusiasmo de sobra, mesmo quando não merece nossa admiração, fica difícil ficar bravo com ele. A mesma coisa vale para Jeff Goldblum, que está interpretando ele mesmo (nada de novo aí) no papel de Malcolm, mas com uma dose extra de personalidade e confiança. Ele serve como a personificação de tudo que é legal nesse mundo, mesmo quando fica impossibilitado de entrar em ação por um bom tempo.

A adição de duas crianças, Tim e Lex, interpretados por Joseph Mazzello e Ariana Richards, respectivamente, não corre o risco de cair na armadilha de tantos filmes que vieram depois. Geralmente, os personagens infantis servem como um obstáculo para a jornada de alguém ou só um rosto fofo para alívio cômico, mas aqui eles tem um propósito narrativo ligado diretamente ao arco dramático de Grant e sua incerteza em criar uma família. Ademais, a dupla é divertida, inteligente e ajuda na missão.

Em uma das cenas principais, Grant (Sam Neill) começa a chorar e fica sem reação ao confirmar que os dinossauros se comportam do jeito que ele sempre imaginou, enquanto isso, Ellie (Laura Dern) o consola e vê um momento de vulnerabilidade no companheiro, que estava sendo o mais cético até o momento. A decisão de manter a câmera no rosto dos atores e em suas reações por mais tempo do que nos próprios dinossauros é uma das mais inteligentes de Spielberg. E isso não é para fugir de algum tipo de inconsistência nos efeitos especiais, porque esses continuam incríveis até hoje.

Não temos tantos dinossauros em tela quanto nos filmes seguintes da franquia, o que contribui para meu argumento anterior sobre eles não serem o motivo desse filme ser tão bom, ou pelo menos não serem o motivo principal. Mas já que estamos falando deles, aí vai mais uma vitória do filme: os efeitos práticos.

Jurrasic Park

O uso de animatrônicos para representar as criaturas acaba sendo a melhor saída. A técnica envelhece bem e não sofre tanto quanto o CGI, que torna-se obsoleto rapidamente se não for bem utilizado. A textura fica estranha sem um tratamento meticuloso do visual e um estudo da fisiologia animal do que está sendo representado com os “bonecos”. Felizmente, Jurassic Park não sofre disso. O triceratope doente encontrado pelos personagens é expressivo e realista, e quando o Dr. Grant o abraça, o mecanismo reproduz a respiração fraca do animal — uma particularidade que faz a diferença no resultado final.

Não que as partes em CGI sejam ruins. Algumas sequencias envolvendo modelagem digital para representar as imagens da tela de computador dos técnicos do parque talvez necessitem de uma atualização, mas outras, como o vídeo ensinando o funcionamento do DNA através de uma animação, tem um charme próprio. Claro que o destaque vai para as interações entre os dinossauros, principalmente em uma cena com a dupla de velociraptors e o T-Rex, que rende a minha composição favorita do filme e uma das melhores que já vi no cinema (não coloquei em destaque na matéria à toa).

Horror é um componente presente nas aventuras de Spielberg. Para ele, não importa se o tom do filme é leve e divertido, um susto aqui e ali é bem-vindo. Os dinossauros impressionam e encantam quem vê, você quer chegar perto e descobrir a sensação de encostar em um, mas são aterrorizantes ao mesmo tempo, feitos para criar a tensão constante depois que as coisas começam a dar errado no parque e as criaturas estão livres para devorar e pisotear quem quiserem.

O terceiro enorme diferencial (“triunfo”, para ser consistente) é a música de John Williams. O compositor é um dos mais aclamados da indústria cinematográfica e, assim como Spielberg, confirma novamente seu nome como um dos maiores que já existiu. Sua orquestra, conhecida pela harmonia que traz a magnitude capaz de celebrar o espetáculo visual do parque e suas criaturas.

Laura Dern, meu amor ❤
Laura Dern, meu amor ❤

Poucos filmes carregam a grandiosidade encontrada em Jurassic Park. O enredo é simples, mas você encontra algo novo em cada canto, os diálogos são memoráveis, a ação é mais ainda, o elenco é único, a música é perfeita e como já disseram uma vez: “Se você não viu Jurassic Park, você não viu coisa alguma”. *

*Jurassic Park é mencionado durante uma conversa no filme Swiss Army Man (2016).

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Nausicaä do Vale do Vento (1984) | Miyazaki mostrando seu potencial

Se tivesse esperado mais um ano para ser lançado, Nausicaä do Vale do Vento (Kaze no tani no Naushika) seria o primeiro longa oficial de Ghibli, o estúdio japonês de animação aclamado pela crítica e público (mesmo não sendo um sucesso de bilheteria no nível Disney), com produções como Meu Amigo Totoro (1998) e A Viagem de Chihiro (2001). Independente, Nausicaä foi responsável por atrair ainda mais atenção para o nome de Hayao Miyazaki, que depois se tornaria um dos diretores mais influentes do país.

Baseado no mangá de mesmo nome, de autoria do próprio Miyazaki, que basicamente lançou o material como uma forma de dar visibilidade para a produção do filme, Nausicaä do Vale do Vento é um anime com algumas características únicas que logo fariam parte do repertório do diretor, como os debates sobre natureza e críticas ao abuso de poder; sem esquecer sua decisão em manter uma personagem feminina (bem construída) como protagonista, uma prática que, mesmo não sendo uma exclusividade, acabou se tornando uma marca registrada.

Nosso mundo está poluído demais, corremos risco de todos os lados, seja a guerra entre os povos ou criaturas gigantescas, parasitas, capazes de destruir cidades inteiras em questão de segundos. No meio disso, temos a princesa Nauticaä, uma inteligente aventureira que gosta de ajudar todos da sua vila, sem discriminações, mas quando a vida de seus amigos passa a ser ameaçada, ela tem a experiência necessária para seguir em uma missão cheia de naves, explosões e inimigos. O filme tem um enredo bem simples, porém competente e charmoso, entregando talvez muita informação, mas esse é um detalhe que podemos relevar por conta dos personagens e a audaciosa jornada da protagonista, que fornece um mundo criativo e intrigante, com elementos que ficam melhores em uma segunda assistida.

Nausicaä do Vale do Vento

A direção de Miyazaki alcança resultados incríveis quando tem a intenção de criar um espetáculo visual, com suas batalhas, seja ela aérea ou com uma espada empunhada. Sua aptidão ao construir os elementos da cena é uma das razões deste filme funcionar, com mil coisas que podem ser ditas em uma plano estático, ou em um movimento rápido demais para nossos olhos. Os rasantes da protagonista insinuam momentos de introspecção, por isso a ação, quando se aproxima, tem um peso maior. Sequencias como esta são fundamentais para Miyazaki, e é compreensível sua raiva ao descobrir que parte importantes do filme foram cortadas e o longa foi exibido como uma versão editada para os EUA e Europa, que recebeu o título de “Warriors of the Wind”.

Como mencionado, o filme tem um problema com o excesso de informações. O argumento, por mais que seja compreensível e aceitável, não tem uma narrativa tão atraente quanto a visual, há componentes com pouco aproveitamento. A trama principal funciona e alguns diálogos fortalecem uma cena ou outra, como as interações entre Nausicaä e seus companheiros, alguns bem inusitados. E por falar em companheiros, em certo ponto da história, temos a introdução de um personagem que não contribui substancialmente para a jornada, com exceção de ser um pouco conveniente.

Nausicaä do Vale do Vento

Com bons personagens, debates pertinentes (por mais “batido” que seja) e animação de encher os olhos, Nausicaä do Vale do Vento é um enorme passo na carreira de Miyazaki, que um ano depois começa a moldar uma geração de pessoas apaixonadas pela sétima arte e a força de produções animadas, que você já deve saber, requer talento, muita criatividade e jamais deve ser subestimada.

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Cinema Quadrinhos

“I KILL GIANTS” e a importância de adaptar

Aviso: Possíveis spoilers (coisa leve).

Recentemente assisti a adaptação cinematográfica do quadrinho (AKA “gibi”) de Joe KellyI Kill Giants, e enquanto assistia não conseguia deixar de lado a sensação de que algo estava faltando, mesmo com o filme sendo bastante fiel em muitos pontos narrativos. Não sei se era questão de dinamismo durante as cenas de ação, de entrega dramática em momentos mais íntimos entre os personagens ou a direção pouco imaginativa… espera, era isso aí mesmo. Faltava imaginação, algo novo. É tudo bem parecido, o visual é bem atraente e a história segue basicamente cada capítulo na mesma ordem de acontecimentos, pelo menos a maior parte, diria que é bastante fiel ao enredo da HQ, e é aí que entra aquele meu problema com o longa.

Mas, vocês sabem, eu preciso contextualizar tudo e explicar ou refrescar a memória das pessoas sobre a premissa.

Lançada em 2008 pela editora Image Comics, I Kill Giants é desenvolvida por Joe Kelly e J. M. Ken Niimura, e é protagonizada por Barbara Thorson, uma menina com poucos amigos, mas que consegue reunir uma mesa de RPG para horas e horas jogando Dungeons and Dragons, onde ela geralmente cumpre o papel de “Mestre” (aquele que narra e conduz a aventura imaginária), mostrando seu lado mais criativo, lado este que está sempre presente, mas ela tem que tomar cuidado para não se desviar de seu verdadeiro objetivo: “encontrar gigantes, caçar gigantes e matá-los”. Sua obsessão pelas criaturas é tamanha que se acha na obrigação de alertar todos de um ataque iminente e devastador, e munida de seu poderoso martelo, Kovaleski, segue em sua missão.

Quadrinho I Kill Giants

A trama de Joe Kelly traz uma proposta divertida e promessa de muita ação, mas também é o drama de uma personagem lidando com temas complexos para alguém da sua idade, então a única coisa que pode fazer é recorrer à um mundo fantástico onde ela acredita ser o melhor caminho para continuar negando a realidade. E é só o que vou dizer sobre a trama porque eu não quero estragar a experiência já que a HQ é ótima e facilmente uma das melhores da última década. Mas como nada passa despercebido pelo olhar da indústria cinematográfica, era óbvio que uma adaptação estava chegando.

Devo deixar aqui uma observação sobre o filme Sete Minutos Depois da Meia-Noite (A Monster Calls, 2016), já que muita gente fez comparações com I Kill Giants, mesmo que erroneamente. A HQ original de Joe Kelly saiu antes do livro, lançado em 2011, então temos uns três anos de diferença aí.

Dirigido pelo estreante Anders Walter, o filme é uma adaptação bem fiel ao material original, ainda mais considerando que os próprios responsáveis pela HQ são creditamos como roteiristas. Então isso é tudo, caso encerrado, não precisamos de mais nada além disso, não é?

Então porque ainda fica aquela sensação de que algo está faltando?

Uma afirmação que todos estão fadados a bater de frente, principalmente dentro da “comunidade nerd” (por falta de uma denominação melhor) é a de que “uma adaptação só pode ser boa se for fiel ao material original em todos os aspectos”. E é uma consideração válida, nós queremos ver aquele livro ou quadrinho sendo respeitado, seguindo a exata visão de seus criadores em cada detalhe, sem que nada mude. A essência tem que estar lá. Mas por algum motivos algumas destas mesmas pessoas também não se incomodam com a visão de Christopher Nolan para sua trilogia sobre o Cavaleiro das Trevas.

Sim, alguns elementos podem ter sido pegos de uma fase ou outra, mas o próprio diretor não parecia um grande conhecedor do herói encapuzado, mas fez questão de manter em primeiro plano tudo o que os fãs consideravam importante para o personagem não sofrer inconsistências gritantes. Tirando isso, sua Gotham era muito mais voltada para aquela estabelecida por Tim Burton em 1989, que contribuiu para reformular muito do que conhecemos atualmente do universo de Batman, inserindo sua ambientação e arquitetura mais gótica e a atmosfera de clássicos noir. Pode parecer pouca coisa agora, mas na época foi um marco e continua ecoando até hoje no consciente coletivo de todos os fãs do morcego. E quem diria, grande parte disso foi uma liberdade criativa do diretor e por conta dessas liberdades tivemos ótimos filmes como Blade e Hellboy, ambos de um aficionado pela nona arte, Guilhermo Del Toro. Mas falaremos mais disso daqui a pouco.

Michael Keaton e o diretor Tim Burton no set de Batman (1989)
Michael Keaton e o diretor Tim Burton no set de Batman (1989)

Como Del Toro, temos casos onde o responsável pela adaptação é um apaixonado pelo material original. Sam Raimi dirigiu a primeira trilogia de Homem-Aranha (fiz alguns textos sobre a ameaça aracnídea, é só clicar), estrelada por Tobey Maguire. Mesmo com pequenas modificações na roupa e outra que pode não ter agradado alguns envolvendo os cartuchos de teia –culpe James Cameron por isso -, ainda assim fica evidente como Raimi mescla a comédia e as breguices típicas de quadrinhos do gênero, mas desenvolve seus personagens e nunca deixa de lado o drama pessoal de Peter Parker, o que ele considera o coração de todas as histórias clássicas de Stan Lee e Steve Ditko.

E aí fica uma grande razão para não dependermos demais apenas da fidelidade ao material original: No cinema temos a visão de um diretor mais interessado em criar um espetáculo visual e uma narrativa envolvente do que apenas referências e easter eggs para os fãs acharem, e isso pode parecer um comentário óbvio, mas ainda assim nos apegamos demais aos personagens e suas histórias que fica um pouco difícil aceitar uma interpretação divergente da nossa. Porém o formato é diferente e as necessidades são outras. Vamos usar de exemplo um querido do público, Clube da Luta. Um livro impactante com uma mensagem forte no centro, cheia de metalinguagem e ironia narrativa, coisas que as palavras conseguem revelar de uma forma completamente diferente do cinema. Se em um momento Tyler Durden está fazendo um discurso real demais para as páginas do livro, no filme essa sensação é extrapolada e executada de forma inusitada, com o enquadramento saindo do lugar, a câmera trêmula e o ator olhando diretamente para nós, como se o filme estivesse queimando e fugindo do projetor. Isso foi uma liberdade tomada pelo diretor David Fincher, que fez um trabalho excelente e acabou recebendo elogios do próprio autor do livro, Chuck Palahniuk, sobre como a obra conseguiu criar algo novo e diferente sem sair da proposta de seu trabalho original.

Mas e quando o próprio criador está envolvido na adaptação, assim como Frank Miller esteve em Sin City (2005), dirigido por Robert Rodrigues? Também é complicado, e é um caso bem parecido com o de I Kill Giants, só que em Sin City o responsável pelas decisões narrativas e a direção era Rodrigues, enquanto Miller ficava mais ocupado supervisionando tudo e, quando podia, até dirigia algumas cenas (isso o motivou a realizar seu próprio filme em 2008, uma versão Millerizada de Spirit, o que não deu muito certo). Um dos maiores feitos de Sin City foi manter a paleta monocromática da HQ sem que ficasse estranho, mas sim convidativo e intrigante. É este tipo de adaptação que não faz apenas um longa ser um bom filme baseado em quadrinhos, mas apenas um bom filme.

Com tudo isso não quero dizer que devemos dar uma de Jodorowsky e violar completamente o material original e a visão de seu criador, mas aceitar novas interpretações e formas diferentes de contar uma história podem ser uma experiência incrível. Podemos até ver uma mudança total em perspectiva, como Tropas Estelares, com um livro e um filme com o mesmo tema, mas o debate passa longe de ser o mesmo. A versão cinematográfica de Paul Verhoeven é bem mais leve e cômica (alguns diriam “boba”) em tom e aborda seu comentário político de maneira mais satírica e niilista, uma interpretação que diverge muito da escrita mais intelectual de Robert A. Heinlein(independente de sua opinião política, Heinlein traz questionamentos que vão além da superficialidade da qual o roteiro do filme sofre).

O que eu quero não é fidelidade, mas um compromisso com o material, um que não precise impedir a fidelidade. O que os cineastas deveriam se perguntar não é “Como posso trazer essa história para a tela sem perder coisa alguma” e sim “O que eu quero enfatizar deste material?” (Scott Tobias, do AV CLUB).

Com isso em mente, voltamos para I Kill Giants.

I Kill Giants

O filme pode ser bem fiel, mas também toma pequenas liberdades. Ah, e nessa parte eu tentarei o máximo para não ultrapassar o território de spoilers.

Como na HQ, Barbara interage com criaturas assustadoras e outras nem tanto, já no filme muito dessa manifestação criativa da protagonista é executada de uma forma que posso definir apenas como “genérica”. Não só transformam algo relevante do material original em um grupo de figuras assustadoras (algumas só presentes no filme) sem qualquer personalidade, como perdem a relevância narrativa. Se na HQ o comportamento de Barbara e seu mundo desenvolvem a trama, aqui parecem apenas pontos obrigatórios que o filme precisava riscar da lista para chegar logo no final. E não me entenda mal, eu gostei do filme, achei bem divertido e me entreteve na maior parte, mas mesmo se nunca tivesse lido o trabalho de Joe Kelly, ainda assim estaria com essa indiferença, ou talvez até achasse pior sem conhecer o original.

No fim, fica difícil simpatizar com alguns personagens, principalmente quando não ganham espaço no roteiro. Imaginei que talvez a mudança na bully que intimida Barbara pudesse ser uma boa ideia, mas a sua presença no filme e total falta de importância evidencia ainda mais o que falei sobre “riscar pontos da lista”. A irmã de Barbara e sua melhor amiga estão mais conectados aos dilemas e obstáculos da protagonista, no entanto aqui a atenção do filme é maior nas interações com a psicóloga da escola, a senhorita Mollé, e eu não consigo deixar de imaginar que isso é por conta dela ser interpretada pela Zoe Saldana, o nome mais famoso no elenco, mas eu não quero entrar em debate sobre a indústria cinematográfica agora, então vamos seguir em frente.

O cinema é uma arte visual e é sempre bom quando um filme consegue mostrar muito dizendo pouco (aquele famoso “show, don´t tell”). E mesmo em cenas com longos diálogos como os do roteirista Aaron Sorkin (A Rede SocialA Grande Jogada), eles servem a favor da narrativa e não mastigam informação desnecessária para o público. Mas os quadrinhos são uma mídia diferente e às vezes as partes mais interessantes podem acontecer entre os painéis, onde você é o diretor e sua mente preenche com a imaginação.

Um ótimo exemplo disso (no caso, de como não fazer) é a vergonhosa versão de Ang Lee para o gigante esmeralda em Hulk (2003), um filme cheio de transições e inserções para criar divisões na tela como se fossem os painéis do quadrinho. Sério, é uma das coisas mais feias que eu já vi na vida – e eu gosto do Ang Lee.

Todas as noções de tempo, ritmo e movimento variam de acordo com o formato, e é a mesma coisa quando comparamos o cinema com os quadrinhos.

Scott McCloud explica melhor do que eu:

Quadrinho I Kill Giants

“É por isso que acho um erro ver os quadrinhos apenas como um hibrido das artes gráficas e da prosa de ficção. O que acontece entre os painéis é uma coisa mágica que só os quadrinhos podem criar”.

Assistir I Kill Giants pode ter sido legal, mas não me prendeu como fã de cinema, não é memorável ou traz qualquer coisa nova, diferente ou arriscada, e olha que com uma premissa dessas o que não falta é oportunidade. O filme pode ser bem fiel, repete algumas falas da HQ, recria algumas cenas e faz várias referências, mas nunca tenta ser algo mais e se é para ver a mesma história, não é melhor ficar logo no quadrinho original?

Não sou daqueles que pensa que um filme PRECISA ter uma mensagem grandiosa ou crítica política para ser bom. Ser divertido já é o suficiente, todos gostam de assistir Curtindo a Vida Adoidado para passar um tempo com Ferris Bueller e seus amigos, mas para fazer com que o público continue voltando e se fascinando com o mesmo filme e os mesmos rostos, acredito que ele PRECISA acreditar no que está dizendo e ter coração, e isso não é coisa fácil, mas se você se esforçar, tem horas que sai um Homem-Aranha 2 ou Cavaleiro das Trevas. Tudo que precisa fazer é ser fiel aos princípios e os temas que fizeram o material original tão incrível, daí pra frente é só mostrar para todos o impacto que isso teve em você e compartilhar seu ponto de vista. Só assim podemos ter uma boa conversa.

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Um Lugar Silencioso (2018) e Sinais (2002)| Revelando Informação

Esta matéria foi publicada originalmente no site Rima Narrativa.

Esta semana pude assistir um filme que estava na minha lista de “mais aguardados”, Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, 2018), dirigido por John Krasinski (mas se você continuar chamando ele de Jim por causa de The Office, a gente entende). Durante a sessão, fiquei surpreso não só com o que estava vendo na tela como com a educação das pessoas na mesma sala de cinema, então posso dizer que estive investido completamente no longa (“that´s what she said”), que exige silêncio do público.

A premissa é bem simples. A trama segue a jornada de uma família tentando viver em um mundo que passou por uma invasão de criaturas que conseguem destruir as pessoas em questão de segundos. Para evitar este destino, alguns conseguiram se esconder, mas com uma condição, a de que não podem fazer qualquer barulho, já que as criaturas não podem ver e dependem exclusivamente de sua audição apuradíssima. Tarefa difícil para Lee Abbott (Krasinski) e sua família, que não só lida com a perda de um membro, mas deve pensar em um plano para trazer um novo, agora que sua esposa está grávida.

Além de dirigir e roteirizar (com Scott Beck e Bryan Woods), Krasinski também estrela o suspense distópico, ao lado de Emily Blunt, sua esposa dentro e fora do filme, e ambos entregam uma atuação carregada de nuances e complexidade. Vale arranjar um espaço para mencionar o talento de Millicent Simmonds, que tem apenas dois projetos em seu currículo, mas já promete bastante. Ah, e sim, a atriz realmente é muda, o que não era necessário para o papel mas deixou as coisas um pouco mais realistas e é perceptível como a personagem se destaca.

Desde seu lançamento, Um Lugar Silencioso tem recebido críticas positivas e um retorno financeiro (público) considerável, tendo em mente que a maior parte do filme não tem diálogos, ou qualquer som quando necessário, e recorre a legendas e língua de sinais. E se tem uma coisa que muita gente — infelizmente — não suporta é ter que ler ou fazer um esforço para prestar atenção no que está acontecendo na tela quando não tem uma explosão de dois em dois minutos. Além disso, comparações são óbvias e sempre surgem. O Homem nas Trevas (Don´t Breathe, 2016) tem o mesmo nível de tensão envolvendo o silêncio que seus personagens tem que fazer para não serem atacados por um Stephen Land armado e veterano de guerra, por exemplo, e é outra obra que você deveria estar vendo, indico fortemente. Outra comparação, esta sendo uma das mais mencionadas, é com um filme do maior (não falei melhor) “girador de tramas” do cinema, M. Night Shyamalan:Sinais (Signs, 2002).

SINAIS (2002): Rory Culkin, Joaquin Phoenix (meu homem) e a Pequena Miss Sunshine, Abigail Breslin

Sinais retrata a vida da família Hess, que começa a lidar com estranhos acontecimentos depois de encontrar marcas (os sinais do título) no milharal que cultivam. Seria uma mensagem? É isso que o Reverendo Graham Hess, interpretado por Mel Gibson vem questionando, ainda mais agora que passa por uma crise de fé após a morte de sua esposa em um acidente de carro. Mas as marcas tornam-se algo maior e são encontradas em outras partes do mundo, o que pode indicar algo maior e bem diferente do que a família Hess imaginava, talvez até de origem alienígena.

Mas por que a comparação? Talvez pela sensação de paranoia que Shyamalan gosta de passar em seus filmes ou seja pelos elementos na apresentação e ambientação dos dois (plantações, família vivendo em silêncio, criaturas “alienígenas”, drama que desenvolve a parte psicológica de seus personagens, e por aí vai). São várias comparações, então eu comecei a pensar nos dois filmes e lembrei que não gosto nem um pouco de Sinais. Esse longa representa o começou da mudança na imagem de Shyamalan, de diretor prodígio saindo em capas de revista como o “Novo Spielberg” para o diretor que ninguém respeita a ponto de ter seu nome desvinculado de qualquer material promocional do filme Depois da Terra (After Earth, 2013). Tem tudo que eu odeio em um roteiro, coisas como conveniências narrativas sem qualquer senso de ironia, arcos incompreensíveis ou desnecessários e filosofia barata que traz incontáveis temas e conceitos aparentemente excitantes, mas executados da forma mais superficial e egocêntrica possível. É só assistir A Dama na Água (Lady in the Water, 2006), onde Shyamalan está praticamente se declarando um gênio capaz de salvar o mundo com seus filmes através de um personagem que o próprio interpreta, o “autor”, destinado a escrever uma obra tão inspiradora que “mudará a vida de todos”.

Mas eu saí do assunto por um momento.

Mesmo com algumas similaridades, os dois filmes possuem um aspecto que os distingue facilmente, e você já deve ter percebido onde eu quero chegar. Enquanto Shyamalan enche seu universo de metáforas no primeiro plano, Krasinski constrói uma sequencia inteligente de eventos e compõe seu cenário do jeito que melhor contribui para a narrativa, estabelecendo todas as peças de seu filme (personagens, lugares, regras…) e as aproveita para inserir debates sobre família, solidão, perda e perdão. E se acha que estou sendo duro ou exagerando ao desvalorizar alguns esforços de Shyamalan, isso é porque o próprio fez o mesmo — A protagonista de A Dama na Água se chama “história” (Story), então me perdoe se eu acho isso um pouco preguiçoso.

Bryce Dallas Howard e Paul Giamatti em A Dama na Água (2006)
Bryce Dallas Howard e Paul Giamatti em A Dama na Água (2006)

Já falei antes sobre o conceito da “Arma de Chekov, então vou só dar uma recapitulada rápida para seguirmos em frente.

A “Arma de Chekhov” (traduzindo de forma literal) é um termo elaborado pelo escritor Anton Chekhov estabelecendo que “se [algo] não for essencial para a trama, nem inclua na história”. Este é um mecanismo narrativo bastante utilizado por alguns roteiristas para manipular a atenção e a expectativa do público.

Ou seja, se você vai mostrar uma arma no primeiro ato, ela tem que disparar no segundo ou terceiro. Claro que não precisa ser necessariamente uma arma, isso foi só a melhor forma que o dramaturgo russo encontrou para ilustrar seu exemplo.

Esse artifício pode ser encontrado em diversas obras e muitas vezes se confunde com o foreshadowing (um tipo de premonição narrativa, por vezes de forma abstrata, como o urso queimado pela metade na piscina em Breaking Bad que espelha o destino de um personagem bem importante na quarta temporada), mas neste caso a Arma de Chekhov envolve uma atitude mais objetiva, aquele elemento tem que estar diretamente ligado ao que vem no futuro.

Em Sinais, temos várias “armas”, sendo as duas mais óbvias o taco de beisebol de Merrill (Joaquin Phoenix), que ele não para de mencionar o quão triste está em não poder mais utilizá-lo por motivos pessoais, e os copos de água espalhados pela casa por conta de Bo (Abigail Breslin). Além destes componentes, ainda temos o tema do filme e o foco em fé e redenção, que tenta mostrar como todas as coisas estão conectadas e tem um propósito, ou seja, qualquer coisa pode ser uma “arma”, o que tira um pouco o peso do que realmente deveríamos estar prestando atenção.

Em contrapartida, Um Lugar Silencioso introduz suas partes de forma orgânica, não apenas como um detalhe que vai voltar depois e está ali parado em algum canto, mas uma peça que já participou do quebra-cabeça e retorna para reforçar seu propósito. Em certa cena o personagem de Krasinski, Lee Abbott, leva seu filho para uma cachoeira distante de casa, e lá mostra como aquele som da natureza entra em conflito com outras ondas sonoras e domina o ambiente (vale destacar aqui o excelente trabalho da equipe de sonoplastia em saber quando e como usar a trilha, algo necessário para a proposta do filme). Neste momento de descontração, aproveitam para gritar o mais alto que podem, sabendo que as criaturas não podem ouvir. Esta informação fica com o público e nós ainda não sabemos o que fazer com ela, por enquanto é só uma cena que quebra a tensão e nos dá um tempo para conhecer melhor os personagens, mas quando avançamos o filme, chegamos em uma sequencia agora dominada pelo desespero de Evelyn Abbott (Emily Blunt) tentando esconder seu bebê de uma criatura que invadiu sua casa. Para abafar o choro do recém nascido que pode entregar a sua localização, Evelyn aproveita um vazamento no encanamento causado pela destruição que forma um véu de proteção entre ela e o monstro.

Um Lugar Silencioso

É coisa pequena, mas recompensa instantaneamente quem assiste e agora tem o que fazer com essa referência, sem contar que isso mostra como o roteiro foi bem construído (eu costumo dizer “redondo”, mas tem gente que não gosta quando uso essa palavra) e executa com êxito o que apresenta.

O filme traz vários momentos como este, com as lâmpadas de Natal, o isqueiro, o aparelho auditivo e a própria gravidez da mãe, todos retornando e servindo para avançar a trama. Mas eu não posso deixar de falar da angustiante “cena do prego”. Enquanto leva uma sacola de roupas limpas escada acima, Evelyn acidentalmente solta um prego da madeira, e a primeira preocupação de todos assistindo é quando e quem vai acabar pisando ali. Desta cena em diante, o objeto torna-se mais um perigo iminente para família.

Esta atenção aos detalhes é visível na criação de mundo do filme. Não é só uma premissa louca para render sustos baratos, você recebe respostas para como conseguiram sobreviver tanto tempo. Durante o jantar, a família também só conversa em linguagem de sinais e come sua comida utilizando folhas e materiais que não fazem barulho, jogam Banco Mobiliário trocando as peças de plástico por bolinhas feitas de lã, enchem a estrada de areia fofa e andam descalços para poder se locomover. Krasinski dedica tempo para explicar as mudanças que a família precisou fazer com o passar do tempo, o que pode ser considerado desnecessário por muitos diretores, mas é esse tipo de coisa que nos mantém investidos e acreditando na história.

E como Sinais lida com seus elementos? Simples: no fim o ponto fraco dos alienígenas é o contato direto com a boa e velha fórmula química que chamamos de H2O, ou água mesmo, tipo aquela que a Bo deixava espalhada pela casa por motivos completamente irrelevantes ao conflito principal do filme. E se esta “arma”, que constitui a maior porção do nosso planeta (os alienígenas não nos pesquisaram antes, erro de iniciante), não for o suficiente para espantá-los, lá vem Merrill com seu taco de beisebol, aparentemente superando todos os seus traumas através da união com sua família para um bem maior, o de matar extraterrestres. Sim, dá pra entender a clara alusão religiosa que o filme tenta com essa cena, mas não convence mesmo inserindo um flashback da mulher de Graham durante o acidente. E se parece que eu não gosto desse filme, é só porque é verdade. E eu nem entrei nos méritos de personagens mal desenvolvidos e a direção sem imaginação.

Claro que Shyamalan também acerta com Sexto Sentido (1999) e com o recente Fragmentado (Split, 2016), e Um Lugar Silencioso não é perfeito, ele tem seus deméritos. A primeira metade é uma construção paciente de tudo que mencionei antes, mas começa a se perder um pouco na parte que envolve “terror” depois da primeira hora, quando a criatura fica mais presente e alguns obstáculos são resolvidos de forma pouco convincente e conveniências surgem, como a descoberta do ponto fraco dos invasores. Mas ainda assim, os pontos positivos ultrapassam os negativos com facilidade, e não deixa de ser impressionante como um filme desses — pequeno, com poucos diálogos e original, sem fazer parte de franquias ou ser um remake— ainda consegue uma bilheteria tão bem como esta está arrecadando.

Esse é o diferencial de um autor que sabe onde quer chegar com a sua obra e espero que continue nesse caminho.

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Terra à Deriva (The Wandering Earth)| A esperança da raça humana

A China é o segundo maior mercado do mundo quando falamos em cinema. É normal vermos alguns filmes do ocidente que não estavam indo muito bem na bilheteria ter uma recuperação surpreendente ao chegar no oriente. The Wandering Earth é uma ficção científica adaptada do conto literário de mesmo nome do autor chinês Cixin Liu, que ficou conhecido por ter sido o primeiro de seu continente a receber o prêmio de Melhor Romance no Hugo Awards (com o seu “O Problema dos Três Corpos”). O filme foi feito com aproximadamente $50 milhões e tornou-se um sucesso rendendo quase $350 milhões de bilheteria apenas em seu país de origem. Com tudo isso, é óbvio que a curiosidade do público ocidental aumentou, e aqui no Brasil o filme foi distribuído pelo serviço de streaming da Netflix, com o título traduzido para Terra Á Deriva.

O filme muda alguns elementos do material original para inserir mais ação, mas justifica a mudança com um drama bem construído. A premissa do filme é promissora: o desespero da humanidade aumenta quando o sol se expande em uma velocidade inesperada. Para evitar a destruição iminente, um plano para tirar a Terra do sistema solar é colocado em prática, e com a ajuda de imensos propulsores e todos os engenheiros que o planeta precisar, assistimos as últimas tentativas da raça humana.

Por ser uma empreitada que exige séculos de execução, cada geração tem seu papel. O astronauta Liu Peiqiang (Wu Jing) precisa deixar seu filho Liu Qi (Qu Chuxiao) na Terra, para que possa seguir sua missão na estação espacial que auxiliará a Terra na viagem para um lugar seguro. Anos depois, quando Peiqiang completa seu trabalho e pode voltar para seu planeta, descobre que um Liu Qi já adulto está em sua própria missão depois de ser pego roubando um caminhão e forjando documentação para comemorar o ano novo chinês com sua irmã adotiva, Han Duoduo (Jaho Jinmai).

Frant Gwo assina a direção. Mesmo com poucos filmes no currículo, faz um excelente trabalho aqui. Além de encontrar um ótimo elenco (incluindo Mike Sui, que interpreta Tim e serve de alívio cômico. Felizmente, bem encaixado) e desenvolver alguns visuais impressionantes, Terra Á Deriva é o tipo de obra que consegue construir drama envolvente no meio da ação incessante. Há a culpa de Peiqiang em deixar seu filho para trás com o sogro, Han Ziang (Ng Man-tat). O longa abre com o monólogo do pai sobre a importância do que está prestes a fazer e uma excelente linha de diálogo envolvendo uma estrela, que retorna no roteiro da maneira mais satisfatória possível. A relação deles é a base do filme, e Gwo sabe quando repetir uma cena através de flashback ou inserir emoção sem soar forçado. A inteligencia da direção e da montagem em estender as cenas de tensão ao limite sem perder o impacto é outro ponto alto.

Terra à Deriva

O filme apresenta três núcleos narrativos diferentes: a estação espacial, a superfície da Terra e o seu subterrâneo, onde a maior parte da população tem vivido por conta do frio extremo da superfície. Como mencionei antes, o roteiro é um destaque. É curioso ver como a obra carrega cinco roteiristas e ainda assim não é um desastre (geralmente, muitas mãos no mesmo roteiro gera uma bagunça na produção); pelo contrário, o enredo dessa história é extremamente consistente e aproveita cada elemento apresentado, até mesmo em seus primeiros minutos, onde introduz temas e obstáculos importantes para futuras resoluções.

Com um roteiro sólido e um diretor capaz de executar visuais impressionantes (alguns eu poderia emoldurar facilmente), fica a responsabilidade do departamento de efeitos especiais em manter a qualidade. Mesmo que não seja perfeito e tenha aquele clássico problema de textura quando envolve o maquinário pesado das grandes estruturas de metal, há espaço para vários elogios ao trabalho da equipe em desenvolver os propulsores e os equipamentos militares da Terra. Não só fizeram um bom trabalho junto da direção de arte com uma identidade visual distinta, mas pelo uso de objetos obtidos através da impressão 3D, bastante convincentes.

Terra Á Deriva já está disponível na Netflix brasileira e indico fortemente que assista antes que saia do catálogo. É um excelente trabalho que funciona em todos os níveis, com sequencias de ação angustiantes na superfície e debates sobre culpa e arrependimento nos minutos derradeiros da humanidade.

Terra Á Deriva

Ficha Técnica
Título Original: Liu lang di qiu
Direção de Frant Gwo
Roteiro de Gong Geer, Junce Ye, Yan Dongxu, Frant Gwo, Yang Zhixue
Duração: 2h 5min

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Cinema

Cópias – De Volta à Vida | Desperdiçando Oportunidades e Tempo

Ainda é um mistério para mim como este filme foi parar nos cinemas, ainda mais nos cinemas brasileiros. Deixe-me explicar: Com a demanda cada vez maior por produções que tenham um enorme chamariz para atrair o público, se o seu filme quiser ter uma boa distribuição, ele precisa de algo que chame a atenção. Por mais que Cópias — De Volta à Vida (ou a mais conveniente versão original, Replicas) tenha um ator conhecido como Keanu Reeves no papel principal, isso não é o suficiente, porque além de ser uma produção menor, ela é uma ficção científica, o que infelizmente não é o gênero favorito do grande público.

Geralmente, um filme desses é escondido em alguma plataforma de streaming ou lançado direto em formato digital ou físico sem grande alarde para não chamar atenção. Por isso eu fico impressionado como um filme tão ruim continuou sendo lançado pelo estúdio em mais de 2.000 cinemas, e isso só nos Estados Unidos. Bem, esse é um debate complicado que podemos ter depois, mas agora vamos focar no filme. Cópias é mais uma grande mistura de elementos sci-fi jogados sem razão alguma no meio de uma trama genérica sobre intriga corporativa. A premissa abre a possibilidade para incontáveis narrativas, mas o filme decide seguir o caminho mais previsível.

O cientista Will Foster (Keanu Reeves) estuda a possibilidade de transferência de consciência orgânica para um corpo sintético. Os testes ainda não renderam resultados satisfatórios, mas ele não desiste. Depois de um acidente de carro, Foster perde sua mulher e filhos, mas consegue usar seu conhecimento para trazê-los de volta. Esse experimento secreto atrai a atenção de pessoas que podem colocar sua vida e a de sua família em risco.

O problema do filme não é ter todos os elementos mais batidos do mundo para a construção da trama (acidente de carro, corporação do mal…), mas sim não saber usá-los. Eu não vejo problema algum em ter um roteiro simples e direto ao ponto, mas se você não for consistente com cada uma das coisas que apresenta, o resultado é um produto vazio e tedioso. Cópias erra em quase todos os aspectos, o primeiro deles sendo a direção de Jeffrey Nachmanoff, que não só depende demais de movimentos de câmera desnecessários, como o excesso do ângulo holandês (dutch angle para o pessoal internacional), presente em cenas onde não só destroem a tensão que o longa tenta construir, mas distraem pela maneira nada natural com a qual Nachmanoff aborda as cenas, deixando o filme consistente apenas na fotografia e as composições que focam mais em tomadas fechadas e muitos cortes, talvez por conta de sua experiência trabalhando mais em séries.

E por falar em cortes, não posso deixar de mencionar o problema de montagem desse filme, que mata a família de Foster nos primeiros minutos, dedica um bom tempo no laboratório e depois tem um desenvolvimento apressado que termina em uma grande perseguição de filme de ação (onde poderiam aproveitar para criar um paralelo visual interessante com a cena do acidente no primeiro ato, mas nem isso souberam fazer). O nosso pouco tempo convivendo com a família antes do experimento faz com que ela não seja importante, entregando que todos os membros foram claramente sacrificados para o Deus da narrativa preguiçosa. É curioso ver como Stephen Hamel, um dos roteiristas (ao lado de Chad St. John), também é um dos produtores do drama Passageiros, de 2016, que teve uma narrativa “fraca” que poderia ter sido consertada facilmente com uma simples mudança na montagem. O canal Nerdwriter já fez um vídeo inteiro sobre esse caso, então indico para quem quiser saber mais.

John Ortiz

Tirando Keanu Reeves, que não está se esforçando nem um pouco, o elenco conta com nomes que o público pode não conhecer mas tiveram seus rostos em produções maiores. Alice Eve já esteve na ponte da Enterprise interpretando uma versão mais nova de Carol Marcus em Star Trek: Além da Escuridão. Aqui ela faz a esposa de Foster; sem personalidade alguma, ela é só a esposa de alguém. O mesmo acontece com John Ortiz, que está presente em várias produções grandes com um papel pequeno. Aqui ele tem um personagem mais importante, mas infelizmente caricato e mal escrito. A única exceção é Thomas Middleditch, mais conhecido por protagonizar a série Silicon Valley, que parece estar mais confortável como o Ed, o amigo e parceiro de laboratório de Foster. Convenhamos que ele é constantemente escalado para o papel de “nerd inteligente e ansioso”, mas de todos os estereótipos que esse filme traz, pelo menos Middleditch faz questão de executar bem o seu.

Como se já não bastasse a direção preguiçosa, o roteiro inconsistente e cheio de diálogos ruins, e o elenco sem vontade, Cópias não se garante nem mesmo nos efeitos especiais, que parecem ter saído de uma produção barata do começo do século, caindo até um pouco no vale da estranheza com um robô sem textura ou atenção ao detalhe o suficiente para me dar pesadelos. Esse é mais um filme genérico e previsível que poderia ter sido lançado direto em algum streaming e ainda assim, não recomendaria.

Ficha Técnica
Título Original: Replicas
Direção de Jeffrey Nachmanoff
Roteiro de Stephen Hamel e Chad St. John
Atuações de Keanu Reeves, Alice Eve, Thomas Middleditch e John Ortiz

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Cinema

Lista: Os Melhores Filmes Sci-Fi da Década (1990)

Já faz um tempo desde a última lista, então vamos direto ao ponto porque a década de 1990 foi uma loucura. Tivemos uma saturação de narrativas envolvendo computadores e distopias, mas alguns acabaram se destacando. Aqui vou listar vários filmes da década, mas apenas os em negrito são as minhas indicações genuínas para melhor representar o momento. Vamos lá!

 Vou começar tirando logo a escolha mais óbvia do caminho: Matrix. Lançado no fim da década, esse foi o filme que melhor capturou alguns de seus elementos mais marcantes, como roupas de couro, óculos escuros e hackers, muitos hackers!!!. Tudo bem, o filme pode não ter envelhecido bem nesse departamento, mas até hoje conquista com um ótimo roteiro (pelo menos o primeiro filme) e alguns conceitos visuais inteligentes tão impressionantes que toda a industria decidiu copiar ou parodiar, como o bullet effect, a câmera lenta no meio da ação que estava em TODO LUGAR depois desse filme, até em Shrek e Kung Pow

Mas por mais que Matrix tenha sido um sucesso estrondoso na época, eu vou escolher um outro filme, bem menor em escala e orçamento, que também aborda os mesmos temas existenciais sobre escolha e destino. Dark City: Cidade das Sombras é a história de um homem sem memória, tentando descobrir o que aconteceu com sua esposa e como fugir de uma terra sem sol. 

O longa foi lançado apenas um ano antes mas possuía várias similaridades com o Matrix, desde o visual sujo e escuro até o conceito envolvendo um mundo controlado por “máquinas”, mas com uma vestimenta menos exagerada por parte do protagonista. Ainda que tenham paralelos, Cidade das Sombras se destaca por uma edição que estranhamente casa perfeitamente com a atmosfera do filme, com vários cortes por minuto, mas surpreendentemente consistentes. Além disso e do ótimo elenco, temos a música e o design de produção, com sons e uma arquitetura incrível que ajudaram ainda mais no tom noir do longa.

Dark City: Cidade das Sombras — 1998

A década de 1990 foi ótima também para o ator Arnold Schwazenegger, que não só esteve em vários filmes de ação com ótima bilheteria. Ele esteve em dois grandes títulos que marcaram os fãs de ficção científica, o primeiro deles foi O Vingador do Futuro, em 1990, que adaptava o conto literário “Lembramos para você a preço de atacado”, do autor Philip K Dick. O filme, como esperado, fez sucesso e mesmo que não seja uma representação muito fiel do material original, agradou o público com uma trama e representação intrigantes do futuro pelo diretor Paul Verhoeven. 

Além desse longa, Schwazenegger retornou para a continuação de sua franquia mais famosa, estrelando O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final (1991). Agora comandado por James Cameron, que fez um trabalho impressionante com os efeitos especiais, principalmente no antagonista da trama, o androide T-1000, interpretado por Robert Patrick. O filme segue a mesma premissa do anterior, mas se destaca pela forma como desenvolve a relação entre o Exterminador e o pequeno John Connor. Tirando toda a ação e os efeitos que até hoje se sustentam, o filme tem a Sarah – fodona – Connor, uma personagem memorável interpretada por Linda Hamilton. 

O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final — 1991

E por falar em Paul Verhoeven, eu sempre arranjo uma maneira de mencionar Tropas Estelares (1997), só que desta vez ele realmente merece estar aqui. Entendo como pode ser uma obra polarizante com uma abordagem política problemática, mas eu acho que a falta de sutileza funciona muito bem com a proposta mais satírica de Verhoeven, que vai na contramão de tudo que a obra original de Robert A. Heinlein representava. É uma pegada bem mais bizarra e estúpida, mas com seus momentos de humor negro que acabam acertando a ferida direitinho. 

Aproveitando o tom mais cômico, a década de 1990 teve algumas obras que acabaram se transformando em comédias, mesmo sem a intenção — Ou essa era a intenção o tempo todo e fizeram um péssimo trabalho, como na péssima adaptação de O Juíz (1995), baseada nos quadrinhos do Juíz Dredd; ou o hilário de tão ruim O Demolidor(1993), com um futuro distópico tão mal elaborado que chega a dar pena. Esses dois últimos foram estrelados por Sylvester Stallone, que aparentemente não teve a mesma sorte de Schwazenegger no sci-fi.

 Outro filme mal recebido foiMarte Ataca! (1996), a sátira política e social de Tim Burton que era bizarra demais até para ele, seja na trama boba e desconexa ou no elenco, que era cheio de atores renomados, como Jack Nicholson e Gleen Close, que se meteram em cenas nem um pouco merecedoras de seu currículo. 

Deixando de lado os desastres, vamos para os que funcionaram. O primeiro deles é MIB: Homens de Preto (1991), o sucesso estrelado por um Will Smith no auge da carreia. Eu nem vou me prolongar falando desse porque é provavelmente um dos mais queridos dessa lista e um dos mais mencionados de qualquer uma envolvendo a década de 1990. Então, para trazer algo diferente, venho indicar Galaxy Quest, que ficou conhecido no Brasil como Heróis Fora de Órbita (1999). 

É uma pena uma comédia tão bem construída como essa ser tão esquecida pelo público, mas o motivo talvez seja na quantidade de referências que você precisa entender para realmente apreciar a obra. Esse é um filme que brinca com os bastidores de um grupo de atores de uma série de ficção científica que até hoje enche os corredores das convenções de fãs, mas não se dá nem um pouco bem. É uma piada com todos os desentendimentos que costumam acontecer nos bastidores de séries, e no filme o elenco é claramente uma paródia dos atores e atrizes da franquia Star Trek. E eu falei tanto em elenco que esqueci de mencionar que esse longa tem um que eu amo, com Sigourney Weaver, Alan Rickman e Sam Rockwell. Por eles vale a pena aturar a cara do Tim Allen, uma pessoa que ainda levanta um mistério para mim: como alguém contrata um ator tão ruim? (desculpem por essa, mas ninguém é fã dele mesmo, então não sei nem para quem estou me desculpando). 

Heróis Fora de Órbita — 1999

Seguindo em frente, temos as já esperadas adaptações cinematográficas de séries de TV, como o último filme incluindo a equipe clássica da Enterprise, Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida (1991), que considero uma das melhores aventuras da tripulação em um longa. Mas também temos o contrário, quando um filme se transforma em uma série. Esse é o caso de Stargate, a Chave Para o Futuro (1994), que se transformou em uma obra cultuada por tantos fãs ao ponto de render uma série para a TV, e em seguida, alguns spin-offs

O filme foi dirigido por Roland Emmerich, que ficaria mais famoso dois anos depois com seu Independence Day (1996). Depois desse ele assumiu de vez a identidade de diretor de longas sobre catástrofe, seguindo com o péssimo Godzilla (1998) e o tedioso O Dia Depois de Amanhã (2004). Ou seja, por mais que Stargate tenha nascido, o cinema poderia ter se saído bem sem Emmerich. Mais uma vez, desculpem-me os fãs dele. 

Espera aí! É uma lista dos melhores. Vamos voltar ao caminho certo com Gattaca (1997), o thriller sci-fi estrelado por Ethan Hawke, que também não recebe a atenção que merece. É um filme com um ótimo elenco e um dos enredos mais bem construídos dessa lista, então merece estar aqui. Outro longa que é um pouco esquecido e merece ao menos uma menção honrosa é o competente O Enigma do Horizonte (1997), que pode não ser lá essas coisas mas ajuda em um dia tedioso. 

Voltando rapidamente para as distopias que amamos tanto, eu não iria esquecer Os Doze Macacos (1995). A obra dirigida por Terry Gilliam tem uma das premissas mais absurdas e ao mesmo tempo envolventes da década, e o filme ainda tem no elenco nomes como Bruce Willis e Brad Pitt, ambos entregando personagens e algumas de suas melhores performances. A produção se transformou em um clássico do gênero e rendeu uma série para a TV de mesmo nome, mas que infelizmente não trazia a essência e o tom que fizeram do original tão diferente. 

Os Doze Macacos — 1995

Não seria uma lista justa sobre os filmes mais impactantes e relevantes da década sem a presença de Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros (1993). Um dos maiores feitos da carreira de Steven Spielberg, este é um filme gigantesco, e não só pelas criaturas que o habitam, mas pelo tremendo trabalho por trás das câmeras, no desenvolvimento da trama, no elenco carismático, nos efeitos visuais impressionantes e na música de John Williams que é uma das coisas mais belas que já tocou os ouvidos de qualquer ser humano. 

Um filme atemporal que poderia depender completamente de seus efeitos especiais, mas faz mais que isso e aborda a relação humana como seu elemento principal, deixando o fascínio apenas como uma parte do que faz deste filme provavelmente um dos melhores do cinema e facilmente o melhor da década de 1990. Nada é maior que Jurassic Park!

Jurassic Park

E aí, o que achou da lista? Que filmes ficaram faltando para você? Johnny Mnemonic? Armageddon? O 5º Elemento? Tank Girl? Rocketeer?ExistenZ? Star Wars Episódio 1: A Ameaça Fantasma? Eu sei que alguns ficaram de fora, mas não foi tão fácil assim escolher os meus favoritos, então coloque aí nos comentários o seu! Com exceção de Star Wars Episódio 1, esse não vale.

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Fragmentos sobre “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”

SPOILERS!

Charlie Kaufman é um dos meus roteiristas preferidos. Ele não é tão conhecido quanto merecia, principalmente por conta dos projetos que escolhe, mas é um dos melhores. Filmes como Quero ser John Malkovich (1999) Adaptação (2002) deixam bem clara a sua proposta: narrativas sobre a condição humana com uma abordagem íntima e sem medo de ser extremamente metalinguística. Adaptação é dirigido por Spike Jonze, mas o enredo chega a ser uma análise sobre o processo criativo de um roteirista. O longa é estrelado por Nicolas Cage, que interpreta dois personagens, cada um servindo como contraposto para a visão do outro sobre a abordagem de um texto. Um dos fatos curiosos está no nome deles, Charlie e Donald Kaufman. Pode soar egocêntrico, mas o roteirista utiliza o filme como uma ferramenta para debater suas neuroses e dilemas sobre o próprio trabalho. Como ser original em uma industria que preza o contrário?

Uma das vantagens do roteirista foi envolver-se com bons diretores, como Jonze, com quem colaborou por anos. Depois disso, até George Clooney quis uma colaboração, o convidando para fazer o roteiro adaptado para o seu primeiro filme por trás das câmeras, o subvalorizado Confissões de uma Mente Perigosa (2002). O próprio Kaufman não demorou para dirigir seus próprios projetos, tendo agora liberdade para levar à tela o texto da maneira que imaginou desde o começo. Com isso vieram algumas obras incríveis como Sinédoque, Nova York (2008) e Anomalisa (2015). Mas antes que pudesse seguir este caminho, escreveu o roteiro de Brilho Eterno de Uma Mente sem Lembranças (2004), dirigido por Michel Gondry, um diretor francês mais acostumado em filmar curtas, mas com um olhar diferente para representações visuais. Até hoje eu considero essa uma das melhores colaborações do cinema, e uma das mais criativas.

A ideia do filme veio de um amigo de Gondry, que imaginou um mundo onde você poderia simplesmente apagar alguém da sua memória usando uma tecnologia capaz de visitar suas lembranças e fazer com que você não precise mais lidar com o que aquela pessoa significou para você. Tendo este argumento em mente, a tarefa de Kaufman foi construir o roteiro. O que já poderia ser a premissa para uma ficção científica intrigante acabou sendo um estudo sobre as relações humanas.

Joel Barish descobre que sua namorada, Clementine Kruczynski, passou pelo procedimento. Ele sabe que as coisas não estavam indo bem, mas também não consegue acreditar no que aconteceu, então decide fazer o mesmo para que não sinta mais a dor da perda. Entramos na cabeça de Joel e assistimos o processo. Ele vê Clementine esvair-se de sua mente, mas com ela vão também os bons momentos. Enquanto analisa seu comportamento e passa mais um tempo com a mulher que ama, Joel percebe que talvez tenha cometido um erro.

Um dos grandes acertos do filme é o elenco. Joel é interpretado pro Jim Carrey, mais uma vez mostrando ser capaz de um atuação dramática genuína, como fez em O Show de Truman e o pouco apreciado O Mundo de Andy. Aqui ele tem uma das suas performances mais consistentes, com um personagem de comportamento mais contido e receoso. Do outro lado, Kate Winslet faz Clementine, que considero até hoje seu melhor papel, mesmo com Titanic no currículo. Sua personagem é um dos pontos mais interessantes do filme, e eu vou chegar lá daqui a pouco.

Além da dupla principal, o elenco conta com Elijah Wood, Kristen Dunst, Mark Ruffallo, David Cross e Tom Wilkinson. Esse é o tipo de filme onde cada personagem tem um papel importante na trama, existindo para servir o propósito do roteiro. E esse vai ser o foco desse debate, mostrar como Charlie Kaufman e Michel Gondry fizeram uma das obras mais originais da década passada.

Kate Winslet, Charlie Kaufman e Michel Gondry

Não é sempre que a direção anda de mãos dadas com o roteiro. Há diretores como David Fincher, que adoram mexer no texto original, mas ele pelo menos compensa no resultado final, com um trabalho impressionante. Mas surgem casos onde o texto é tão bom que o maior desafio do diretor é procurar a melhor maneira de executar as ideias do roteirista. Gondry viu nas páginas de Kaufman uma porta para experimentar com a câmera. Por ser uma narrativa que envolve personagens tendo suas memórias apagadas, uma das decisões mais inteligentes do longa foi a edição fragmentada e a continuidade inconsistente (propositalmente), que não atrapalha a montagem e consegue entregar a sensação de incerteza e a angústia do casal protagonista.

Conhecemos partes do ambiente através de transições criativas, fazendo com que cada episódio da vida do casal pareça mais presente, como se não os pudesse ser deixado para trás. Saímos da livraria onde Clementine trabalha e com um simples jogo de luz e o beneficio de ter os cenários conectados, paramos na casa de Rob e Carrie, os amigos de Joel, que estão ouvindo ele contar os exatos acontecimentos de quando esteve na livraria e não foi reconhecido por sua ex-namorada. Essa técnica é usada constantemente, seja no consultório da empresa responsável pelo procedimento ou indo de um acontecimento mais importante para outro completamente mundano, como os personagens comendo enquanto assistem televisão.

O conceito de memória fragmentada é representado também no texto e na narrativa visual do filme constantemente, seja no gelo rachado onde o casal deita para observar as constelações ou no próprio nome da clínica responsável pelas operações, chamada Lacuna. Um título apropriado levando em consideração o significado da palavra, que indica uma falha ou ausência de alguma coisa, exatamente o que acontece com o protagonista ao longo do filme.

Clementine (Winslet) e Joel (Jim Carrey)

A ciência de Brilho Eterno entra em território de ficção por conta de todo o maquinário e supervisão necessário para que o procedimento seja um sucesso, mas a pesquisa de Kaufman e Gondry é boa o suficiente para trazer alguns debates sobre memória. O filme lida com um tipo de amnésia induzida, e por mais que ainda não seja possível, há ligações com estudos neurológicos reais, como o de Eleanor Maguire, que trouxe melhores resultados para o debate, concluindo que pacientes sofrendo de amnésia não conseguem imaginar novas experiências, ao contrário de outros pacientes, que conseguem utilizar seus circuitos neurais para construir um retrato do futuro, como elaborar um piquenique na praia com os amigos e detalhar componentes como a temperatura e a textura da areia mesmo sem estar lá.

– Há risco de dano cerebral?
– Bem, tecnicamente falando, esse tipo de procedimento já é um dano cerebral.

Nossa percepção de passado e futuro são mais complexas do que imaginamos, e é por isso que no filme, quando Joel começa a perceber como Clementine desaparece rápido, fica desesperado pedindo para continuar com alguma coisa dela. A nossa história não é contada apenas através dos bons momentos, são os erros que costumam nos ensinar. Podemos ver como as relações moldam nossos pontos de vista, e é por isso que temos os amigos de Joel, Carrie e Rob, para fazer o exemplo. Eles são um casal monótono e sem surpresas, e mesmo com pequenos desentendimentos, no fim esquecem tudo para se divertir com um simples avião de brinquedo.

Brilho Eterno se vale de uma equipe talentosa. A edição de Valdís Óskarsdóttir e a direção de arte de Ellen Kuras, com a decoração mais realista e mundana das casa cobertas por colchas remendadas e roupas batidas, são alguns dos motivos para este filme ter uma apresentação tão marcante. Isso sem esquecer o trabalho de Gondry por trás da câmera. O diretor fez questão de adotar uma abordagem mais clássica, limitando os efeitos especiais do VFX à elementos que realmente precisavam da técnica, como um carro que cai e invade o plano, ou a destruição da casa de praia no clímax do filme. Para o resto da obra, temos efeitos visuais práticos, que deixam a cena mais natural mesmo que envolva imagens surreais, como o banho que Joel toma na pia da cozinha ou toda a sequencia onde ele muda de tamanho enquanto se esconde embaixo de uma mesa. Para realizar a última cena, por exemplo, Gondry usou perspectiva forçada para fazer com que os objetos e atores tiverem proporções diferentes, montando o cenário estrategicamente para que cada canto tivesse seu próprio tamanho. Esse tipo de técnica é bastante comum e foi usada por outros diretores como Peter Jackson, durante as gravações de O Senhor dos Anéis, nas cenas envolvendo os hobbits.

Gondry teve a chance de experimentar, mas não sozinho. O roteiro de Kaufman permite que a direção do filme seja a mais criativa possível sem perder o essencial: o foco nos personagens. Brilho Eterno é a jornada de um casal debatendo suas diferenças e descobrindo suas próprias falhas enquanto avaliam a relação. Joel é contido e tímido, mas tem o péssimo hábito de julgar as pessoas e fazer comentários inconvenientes para magoar sua namorada. Já Clementine é um caso mais curioso. Sua personagem é impulsiva e poderia cair facilmente na categoria de Manic Pixie Dream Girl (basicamente essa é uma convenção narrativa onde a história coloca uma personagem feminina com personalidade “forte” como uma maneira do protagonista masculino fugir de sua realidade e ter todos seus problemas resolvidos, como acontece em Scott Pilgrim Contra o Mundo ou 500 Dias Com Ela, por exemplo), mas ela tem identidade e sofre as consequências por seus atos, o que faz dela um comentário ácido de Kaufman para um estereótipo antes mesmo dele existir. Não é a primeira vez que o roteirista usa seu trabalho para dar uma alfinetada na maneira que a industria vem conduzindo suas narrativas.

A maioria dos caras pensa que sou um conceito, ou que eu os completo, ou que eu os faço viver. Mas eu sou só uma garota ferrada que está procurando por sua própria paz de espírito. Não me faça ser responsável pela sua.

Clementine e Joel

Além deles, seguimos as tramas pessoais da equipe responsável pelo procedimento, que está na casa de Joel finalizando o processo enquanto ele dorme. Patrick (Elijah Wood) e Stan (Mark Ruffallo) se preparam para mais uma noite de trabalho, com comida e cerveja, mas Patrick precisa sair para ver uma garota. Logo descobrimos que ele está saindo com Clementine, o que já é completamente inapropriado; Para piorar, ele está usando os objetos abandonados por Joel para tentar conquistá-la. Com a saída do amigo, Stan passa a noite com Mary (Kristen Dunst), a recepcionista por quem está apaixonado. Podemos ver como Kaufman desenvolve várias relações ao mesmo tempo para nos mostrar todos os pontos de vista possíveis, mas ainda mais para revelar como todos lidam com a inveja e a rejeição.

Assistindo as cenas deletadas, há muita informação que poderia ser deixada no resultado final, mas também vemos o caso contrário. Algumas partes realmente não funcionariam muito bem, como a presença de Naomi, uma ex-namorada de Joel. Nas gravações ela foi interpretada por Ellen Pompeo e tinha até uma subtrama própria, mas nunca chegou a fazer parte da obra no final. Ainda que fossem momentos que serviam para explorar mais do lado de Joel sem Clementine, podemos ver como Naomi apenas distrairia do foco do filme.

Essa foi uma boa decisão, mas o filme tem um outro trecho deletado que seria melhor deixada no corte final, envolvendo Mary e a revelação de que ela já usou o procedimento para apagar da memória um aborto. É uma cena difícil de assistir mas que faz falta quando vemos a sua reação mais raivosa no terceiro ato, ou ao escutar alguns diálogos, como o do Dr. Howard dizendo que ela “queria o procedimento”, ou na ocasião que começa a divagar com Stan sobre sua vida: “É lindo. Você olha para um bebê e ele é tão puro e livre e inocente. E os adultos são, tipo, essa bagunça de tristeza e fobias. E o Howard faz com que tudo isso vá embora”.

Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças é um projeto que acerta todas as notas. Um enredo bem construído e inteligente ao lado de uma direção criativa e sem medo de experimentar, isso sem contar o excelente trabalho de toda a equipe envolvida no design de produção, montagem e até a música, que não mencionei ainda mas foi composta por Jon Brion. Aqui ele colabora para a atmosfera melancólica do longa, e se isso não for o suficiente, ainda temos o cantor Beck com sua bela e depressiva versão de Everybody´s Got to Learn Sometime, da banda The Korgis, concluindo o filme com uma sequencia de Joel e Clementine correndo na praia enquanto a câmera faz vários cortes que não nos deixam esquecer que talvez o casal já tenha passado pelo procedimento mais vezes que imaginamos. Pode ser uma resolução pouco otimista, mas é como a própria música diz: arriscamos e erramos, mas uma hora todos aprendem. Ou pelo menos tentam.

Como é imensa a felicidade da virgem sem culpa.
Esquecendo o mundo e o mundo esquecendo-a.
Brilho eterno de uma mente sem lembranças!
Cada oração aceita e cada desejo realizado.
(“De Eloisa Para Abelardo”; POPE, Alexander)

Clementine e Joel

Fontes e Referências:

 Uma curiosidade: existe um site da clínica, com a sua história, funcionários e alguns clientes: Você pode visitar o Lacuna Inc.

 Patients with hippocampal amnesia cannot imagine new experiences, Eleanor Maguire: https://www.pnas.org/content/104/5/1726

– ‘Eternal Sunshine’ Destroyed the Manic Pixie Dream Girl Stereotype Before It Even Existed, Alison Herman: http://flavorwire.com/446166/eternal-sunshine-destroyed-the-manic-pixie-dream-girl-stereotype-before-it-even-existed

 Poema “De Eloisa Para Abelardo”, Alexander Pope (Inglaterra,1688–1744), tradução de Jorge Luis Gutiérrez: http://revistapandorabrasil.com/revista_pandora/eterno_sublime/jorge.pdf

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Os finalistas do Hugo Awards 2019

No começo de Abril tivemos os indicados deste ano ao Hugo Awards, uma das principais premiações de ficção científica e fantasia. Os finalistas foram indicados pelos membros da World Science Fiction Society, responsável pela Worldcon, uma das convenções anuais mais aguardadas pelos fãs do gênero. E dando uma olhada nas categorias, podemos ver um aumento no número de mulheres e minorias, principalmente por conta de um mercado com mais opções e um espaço relativamente maior para artistas negligenciados há muito tempo. Vou listar aqui de acordo com o site Tor.com. e comentar naqueles que eu já li/assisti.

Melhor Romance

  • The Calculating Stars, by Mary Robinette Kowal (Tor)
  • Record of a Spaceborn Few, by Becky Chambers (Hodder & Stoughton / Harper Voyager)
  • Revenant Gun, by Yoon Ha Lee (Solaris)
  • Space Opera, by Catherynne M. Valente (Saga)
  • Spinning Silver, by Naomi Novik (Del Rey / Macmillan)
  • Trail of Lightning, by Rebecca Roanhorse (Saga)

Comentários: Eu estou bem atrasado nas minhas leituras esse ano, mas ouvi apenas coisas boas de Trail of Lightning The Calculating Stars, provavelmente os que tem a maior chance de ganhar por conta de todos os prêmios no qual foram indicados recentemente.

Melhor Novela

  • Artificial Condition, by Martha Wells (Tor.com Publishing)
  • Beneath the Sugar Sky, by Seanan McGuire (Tor.com Publishing)
  • Binti: The Night Masquerade, by Nnedi Okorafor (Tor.com Publishing)
  • The Black God’s Drums, by P. Djèlí Clark (Tor.com Publishing)
  • Gods, Monsters, and the Lucky Peach, by Kelly Robson (Tor.com Publishing)
  • The Tea Master and the Detective, by Aliette de Bodard (Subterranean Press / JABberwocky Literary Agency)

Comentários: Finalmente peguei a série Binti no meu Kindle e posso me atualizar, então você provavelmente vai ler sobre ela por aqui no futuro. Gods, Monsters, and the Lucky Peach está sendo bastante aclamado e tem enorme chance de levar.

Melhor Noveleta

  • If at First You Don’t Succeed, Try, Try Again,” by Zen Cho (B&N Sci-Fi and Fantasy Blog, 29 November 2018)
  • The Last Banquet of Temporal Confections,” by Tina Connolly (Tor.com, 11 July 2018)
  • Nine Last Days on Planet Earth,” by Daryl Gregory (Tor.com, 19 September 2018)
  • “The Only Harmless Great Thing”, by Brooke Bolander (Tor.com Publishing)
  • The Thing About Ghost Stories,” by Naomi Kritzer (Uncanny Magazine 25, November- December 2018)
  • When We Were Starless,” by Simone Heller (Clarkesworld 145, October 2018)

ComentáriosThe Last Banquet of Temporal Confections é uma noveleta bem intrigante, com uma narrativa envolvente. Esse foi o único da lista que li, mas os próximos já estão aqui separados para poder avaliar antes da premiação. O mais legal dessa categoria é que alguns indicados são bem fáceis de achar para ler gratuitamente.

Melhor Conto

  • The Court Magician,” by Sarah Pinsker (Lightspeed, January 2018)
  • The Rose MacGregor Drinking and Admiration Society,” by T. Kingfisher (Uncanny Magazine 25, November-December 2018)
  • The Secret Lives of the Nine Negro Teeth of George Washington,” by P. Djèlí Clark (Fireside Magazine, February 2018)
  • STET,” by Sarah Gailey (Fireside Magazine, October 2018)
  • The Tale of the Three Beautiful Raptor Sisters, and the Prince Who Was Made of Meat,” by Brooke Bolander (Uncanny Magazine 23, July-August 2018)
  • A Witch’s Guide to Escape: A Practical Compendium of Portal Fantasies,” by Alix E. Harrow (Apex Magazine, February 2018)

Melhor Série

  • The Centenal Cycle, by Malka Older (Tor.com Publishing)
  • The Laundry Files, by Charles Stross (most recently Tor.com Publishing/Orbit)
  • Machineries of Empire, by Yoon Ha Lee (Solaris)
  • The October DayeSeries, by Seanan McGuire (most recently DAW)
  • The Universe of Xuya, by Aliette de Bodard (most recently Subterranean Press)
  • Wayfarers, by Becky Chambers (Hodder & Stoughton / Harper Voyager)

Melhor Artigo / Ensaio

  • Archive of Our Own, a project of the Organization for Transformative Works
  • Astounding: John W. Campbell, Isaac Asimov, Robert A. Heinlein, L. Ron Hubbard, and the Golden Age of Science Fiction, by Alec Nevala-Lee (Dey Street Books)
  • The Hobbit Duology(documentary in three parts), written and edited by Lindsay Ellis and Angelina Meehan (YouTube)
  • An Informal History of the Hugos: A Personal Look Back at the Hugo Awards, 1953- 2000, by Jo Walton (Tor)
  • www.mexicanxinitiative.com:The Mexicanx Initiative Experience at Worldcon 76(Julia Rios, Libia Brenda, Pablo Defendini, John Picacio)
  • Ursula K. Le Guin: Conversations on Writing, by Ursula K. Le Guin with David Naimon (Tin House Books)

Comentários: Esse é complicado. Por mais que eu tenha adorado o vídeo-ensaio de Lindsay Ellis sobre a produção da trilogia Hobbit, existe aí a presença de um artigo sobre o próprio Hugo, o que rende aquela chance por ter ligação com o evento; e de outro lado, também temos um documento de Ursula K. Le Guin, que faleceu no último ano. Então, não dá pra saber quem vence.

Melhor Narrativa Gráfica

  • Abbott, written by Saladin Ahmed, art by Sami Kivelä, colours by Jason Wordie, letters by Jim Campbell (BOOM! Studios)
  • Black Panther: Long Live the King, written by Nnedi Okorafor and Aaron Covington, art by André Lima Araújo, Mario Del Pennino and Tana Ford (Marvel)
  • Monstress, Volume 3: Haven, written by Marjorie Liu, art by Sana Takeda (Image Comics)
  • On a Sunbeam, by Tillie Walden (First Second)
  • Paper Girls, Volume 4, written by Brian K. Vaughan, art by Cliff Chiang, colours by Matt Wilson, letters by Jared K. Fletcher (Image Comics)
  • Saga, Volume 9, written by Brian K. Vaughan, art by Fiona Staples (Image Comics)

Comentários: Eu AMO Saga, mas admito estar um pouco atrasado na leitura. Paper Girls e Monstress são duas ótimas obras criativas que merecem seu espaço aqui, mas se tivesse que escolher entre um dos dois, seria facilmente a belíssima Monstress. Por mais que Black Panther: Long Live the Kingseja escrito por Nnedi Okorafor, o que é um destaque, não acho que tenha impressionado tanto quando os outros mencionados.

Melhor Dramatização, Longa (Melhor Filme)

  • Aniquilação, directed and written for the screen by Alex Garland, based on the novel by Jeff VanderMeer (Paramount Pictures / Skydance)
  • Vingadores: Guerra Infinita, screenplay by Christopher Markus and Stephen McFeely, directed by Anthony Russo and Joe Russo (Marvel Studios)
  • Pantera Negra, written by Ryan Coogler and Joe Robert Cole, directed by Ryan Coogler (Marvel Studios)
  • Um Lugar Silencioso, screenplay by Scott Beck, John Krasinski and Bryan Woods, directed by John Krasinski (Platinum Dunes / Sunday Night)
  • Sorry to Bother You, written and directed by Boots Riley (Annapurna Pictures)
  • Homem-Aranha no Aranhaverso, screenplay by Phil Lord and Rodney Rothman, directed by Bob Persichetti, Peter Ramsey and Rodney Rothman (Sony)

Comentários: Algumas ótimas escolhas. Pantera Negra foi um sucesso e merece destaque pelo que conseguiu fazer com uma narrativa menor dentro de um universo compartilhado tão grande; Um Lugar Silencioso com certeza impressionou muita gente por termos John Krasinski se provando um bom diretor e promessa por trás das câmeras; Aniquilação é a adaptação de Alex Garland de um livro bastante adorado, e além disso o filme teve a tarefa de ser o sucessor do pequeno, mas bem construído, Ex-Machina. Todos são bons, mas não se nega o brilhantismo de Sorry to Bother You e Homem-Aranha no Aranhaverso. Os mais impressionantes da lista por conta da enorme criatividade na narrativa visual e uma abordagem completamente diferente do que estamos acostumados. Se qualquer um dos dois levar, posso morrer feliz.

Eu já falei sobre alguns dos indicados na minha matéria sobre os Melhores e Piores Filmes Sci-fi de 2018, então você pode ir lá dar uma olhada também.

Melhor Dramatização, Curta (Melhor Episódio de Série)

  • The Expanse: “Abaddon’s Gate,” written by Daniel Abraham, Ty Franck and Naren Shankar, directed by Simon Cellan Jones (Penguin in a Parka / Alcon Entertainment)
  • Doctor Who: “Demons of the Punjab,” written by Vinay Patel, directed by Jamie Childs (BBC)
  • Dirty Computer, written by Janelle Monáe, directed by Andrew Donoho and Chuck Lightning (Wondaland Arts Society / Bad Boy Records / Atlantic Records)
  • The Good Place: “Janet(s),” written by Josh Siegal & Dylan Morgan, directed by Morgan Sackett (NBC)
  • The Good Place: “Jeremy Bearimy,” written by Megan Amram, directed by Trent O’Donnell (NBC)
  • Doctor Who: “Rosa,” written by Malorie Blackman and Chris Chibnall, directed by Mark Tonderai (BBC)

Comentários: The Good Place tem o costume de aparecer nas premiações com mais de uma indicação, e dessa vez não foi diferente. O problema é que esta provavelmente foi a temporada mais morna para o público, diminuindo as chances de levarem esse ano. Dirty Computer é o único da lista que não é um episódio de série, mas entra no formato de dramatização, por ser um grande álbum conceito da cantora Janelle Manáe, ambientado em uma sociedade futurista. Ele está disponível do Prime Video e pode ser assistido, por enquanto. Eu assisti e achei interessante, mas nada que seja melhor que os outros indicados. The Expanse é uma maravilha de série e eu vivo falando bem dela para todos, então nem preciso dizer qual o meu favorito da lista, mas não podemos negar que a última temporada de Doctor Who teve alguns episódios marcantes para o público, e eles estão indicados aqui, com uma enorme chance de levar, principalmente levando em conta todas as polêmicas envolvendo boicote por termos uma protagonista feminina pela primeira vez na série. Quando esse povo vai aprender?

Melhor Fanzine

  • Galactic Journey, founder Gideon Marcus, editor Janice Marcus
  • Journey Planet, edited by Team Journey Planet
  • Lady Business, editors Ira, Jodie, KJ, Renay & Susan
  • nerds of a feather, flock together, editors Joe Sherry, 
    Vance Kotrla and The G
  • Quick Sip Reviews, editor Charles Payseur
  • Rocket Stack Rank, editors Greg Hullender and Eric Wong

Melhor Livro de Arte (Conceito Visual, Design…)

  • The Books of Earthsea: The Complete Illustrated Edition, illustrated by Charles Vess, written by Ursula K. Le Guin (Saga Press /Gollancz)
  • Daydreamer’s Journey: The Art of Julie Dillon, by Julie Dillon (self-published)
  • Dungeons & Dragons Art & Arcana: A Visual History, by Michael Witwer, Kyle Newman, Jon Peterson, Sam Witwer (Ten Speed Press)
  • Spectrum 25: The Best in Contemporary Fantastic Art, ed. John Fleskes (Flesk Publications)
  • Spider-Man: Into the Spider-Verse — The Art of the Movie, by Ramin Zahed (Titan Books)
  • Tolkien: Maker of Middle-earth, ed. Catherine McIlwaine (Bodleian Library)

Comentários: Eu já dei uma olhada em alguns desses, mas apenas online. Por mais que The Books of Earthsea, sobre Terramar, seja bem bonito, e Tolkien: Maker of Middle Earth fale com meu lado fã do autor, não tem como eu querer um desse em mãos mais do que o de Aranhaverso. Até hoje fico louco com os visuais e impressionando com cada detalhe, então o livro com toda a parte de conceito visual do filme é minha escolha óbvia.

Prêmio John W. Campbell Award para Melhor Escritor

  • Katherine Arden (segundo ano elegível)
  • S.A. Chakraborty (segundo ano elegível)
  • R.F. Kuang (primeiro ano elegível)
  • Jeannette Ng (segundo ano elegível)
  • Vina Jie-Min Prasad (segundo ano elegível)
  • Rivers Solomon (segundo ano elegível)

Lodestar Award para Melhor Livro YA (Young-Adult)

  • The Belles, by Dhonielle Clayton (Freeform / Gollancz)
  • Children of Blood and Bone, by Tomi Adeyemi (Henry Holt / Macmillan Children’s Books)
  • The Cruel Prince, by Holly Black (Little, Brown / Hot Key Books)
  • Dread Nation, by Justina Ireland (Balzer + Bray)
  • The Invasion, by Peadar O’Guilin (David Fickling Books / Scholastic)
  • Tess of the Road, by Rachel Hartman (Random House / Penguin Teen)

ComentáriosChildren of Blood and Bone foi lançado no Brasil como “Filhos de Sangue e Osso”, e é um dos livros mais populares da lista. Eu não cheguei a ler qualquer um dos indicados nesta categoria, mas alguns parecem bem interessantes, como The Invasion e Tess of the Road.

Este ano o Hugo Awards tem uma lista de indicados bastante diverso. É interessante ver a quantidade de mulheres nas principais categorias, o que mostra como a premiação segue um caminho mais aberto para representações e pontos de vista diferentes.

Assim que os vencedores sairem, voltamos com a lista. Enquanto isso, hora de atualizar as leituras.