Terminamos o episódio anterior com a chegada de Eric Morden, o Mr. Nobody. O vilão não mede esforços para impressionar logo de cara e é responsável por uma sequencia envolvendo um burro flatulento e um buraco que suga uma cidade inteira com toda sua população (hilário como representaram isso através da contagem de habitantes em uma placa), incluindo uma barata histérica. Alan Tudyk mais uma vez prova porque é a escolha certa para qualquer projeto, e aqui ele tem dois trabalhos difíceis: atuar e narrar. E nos dois, ele é ótimo. Durante o episódio, podemos ver o tamanho do seu poder, ou pelo menos o que ele permite que vejamos.
Nobody é intimidador e suas habilidades de moldar “tempo e espaço” impulsionam a narrativa desenvolvendo os membros da Patrulha, ao criar simulações que revelam os maiores medos e frustrações dos personagens. E sobre a narração, esse é um dos aspectos que melhor funciona por conta de toda a atmosfera absurda e o olhar atento do antagonista sobre a trama. É como se Eric soubesse a temporada inteira e esteja revelando os detalhes aos poucos para a própria série (não vou mentir, isso pode ser verdade). Mas vamos falar mais sobre isso daqui a pouco — hora de focar no que foi introduzido no episódio.
Joivan Wade interpreta Victor Stone, o Cyborg. Eu admito geralmente me preocupar com a introdução de personagens mais populares em séries onde a lógica não existe, com medo deles se destacarem de uma maneira estranha, talvez se desvencilhando do tom da produção, mas eu não sei o que acontece com Patrulha do Destino para conseguir realizar com perfeição tudo que tenta, incluindo a apresentação de Victor. Em apenas um episódio tivemos uma jornada por dentro de um burro, uma cidade destruída e uma história de origem (duas se contarmos as revelações sobre Crazy Jane), e ainda assim cada um desses elementos é executado muito bem, principalmente a trama de Cyborg (é a primeira vez que me importo com o personagem desde a animação original de Teen Titans). É um alívio ver algo tão positivamenteridículo e divertido, ainda mais vindo de pessoas que escreveram séries mais genéricas como The Vampire Diaries¯\_(ツ)_/¯.
Neste episódio, a equipe procura pelo Chief, o Dr. Niles Caulder, raptado por Eric. Essa promete ser a trama principal ao longo da temporada, e com a presença de Mr. Nobody, temos uma ameaça constante pairando à cabeça dos heróis. As subtramas continuam fortes, como a evolução da relação de Cliff e Jane, ou o receio de Larry e Rita em participar de toda a loucura. Jane tem o tempo e a história de origem que não recebeu no primeiro episódio, e isso foi uma boa decisão, porque aqui temos a oportunidade de focar em algumas de suas personalidades e na manifestação de seus poderes. As tentativas de Cliff em se aproximar de Jane talvez sejam as cenas mais frustantes quando levamos em conta tudo que aconteceu com ele e o dilema que passa por conta de sua filha. Fraser pode estar emprestando apenas sua voz para o personagem, mas há uma tristeza convincente que me faz apreciar mais o ator.
Também é um episódio sobre arrependimentos, como visto no monólogo de Cyborg sobre uma promessa que fez para sua mãe. Joivan Wade é carismático e um pouco arrogante, mas também prova seu valor moral sem aceitar propostas fáceis e ameaças vazias. Enquanto isso, Rita revive seus dias de glória e Larry pilota mais uma vez. A intenção é ser uma tortura mental da parte de Eric, mas isso não impede os dois de aproveitarem o momento, rendendo boas sequencias cômicas (nada tão histérico quanto uma barata desesperada, claro). Toda a representação visual do interior do burro é outro atestado de como o design de produção da série está de parabéns, e a ideia de materializar as palavras de Jane e transforma-las em armas foi uma das coisas mais quadrinhos que já vi na TV.
Por falar em quadrinhos, Eric chega a mencionar Grant Morrison. Eu geralmente acho referências e menções gratuitas algo desnecessário e sem graça (essa coisa de “ser fã e querer service” não faz sentido algum), mas Mr. Nobody é um dos personagens mais estranhos e intrigantes no qual o roteirista já colocou as mãos, e as marcas registradas de metalinguagem e ridículo levado a sério do autor são traduzidas perfeitamente para a tela. Agora é esperar por mais personagens maravilhosamente estúpidos como Danny, a rua ambulante (será que os eventos desse episódio servem como uma forma de origem para a personagem?) ou a Irmandade do Dadaísmo. Ansioso por mais e preparado para episódios cada vez mais abstratos e Morrisonianos.
Ficha Técnica: Donkey Patrol, S01E02 Direção de Dermott Downs Roteiro de Neil Reynolds e Shoshana Sachi Atuações de Diane Guerrero, April Bowlby, Alan Tudyk, Matt Bomer, Brenda Fraser, Timothy Dalton
Baseada na série de livros de James S.A. Corey (pseudônimo usado pela dupla Daniel Abraham e Ty Franch), The Expanse tem sido uma das séries mais interessantes de se seguir nos últimos anos. É uma pena que tenha sido criada pelo canal SYFY, que não tem muito respeito pelas suas produções e decidiu cancelar a série depois da terceira temporada. Felizmente, o Prime Video (serviço de streaming da Amazon) assumiu a tarefa de continuar as histórias da tripulação da Rocinante. Com a adição das temporadas em sua nova casa, decidi falar um pouco sobre elas antes que a nova chegue.
The Expanse nos carrega 200 anos no futuro, para uma sistema solar colonizado. Há tensão entre os povos por conta da exploração de matéria-prima, e protestos acabam piorando a situação. A humanidade está dividida em três polos principais: Terra, Marte e o cinturão de asteroides. Por enquanto não visitamos Marte, mas ela é uma potência militar considerável e a sua presença está nos terráqueos que colonizaram o planeta e servem de grande influência na movimentação espacial. Passamos mais tempo em Ceres, um dos asteroides do cinturão, onde seus habitantes são chamados de Belters (beltpode ser traduzido para cinturão). Eles são os principais descendentes de mecânicos e engenheiros, responsáveis pelas colônias, e tem seu próprio “sindicato” (o que não agrada nem um pouco a Terra ou Marte, que o consideram uma organização terrorista). Por conta da gravidade baixa, acabaram sendo alterados fisicamente ao longo dos anos, e também sofrem com a falta de água. Enquanto isso, na Terra, temos o comando firme das Nações Unidas, que resolve as coisas da maneira que bem entenderem.
A trama começa realmente onde menos se imagina, por conta de uma nave coletora de gelo que habita o espaço aberto, a Canterbury. O maior mistério da temporada envolve a destruição da nave, junto de sua tripulação. Isso faz com que a tensão aumente e uma guerra pode estar mais próxima do que se imagina. O mais intrigante é que um pequeno grupo conseguiu sobreviver a explosão da Canterbury por estarem a bordo de sua nave auxiliar investigando um pedido de socorro: James Holden, o segundo oficial; Naomi Nagata, a engenheira-chefe; Amos Burton, mecânico; Alex Kamal, piloto; e Shed Garvey, médico.
Holden vira uma figura importante no meio de todo o debate sobre quem poderia ter destruído a nave, então ele e sua tripulação decidem resolver o mistério, mesmo que tenham membros de todos os cantos do sistema solar interessados em sua história. Paralelamente, somos apresentados ao detetive Joe Miller, de Ceres, designado em um caso cada vez mais perigoso envolvendo o desaparecimento de Julie Mao, a filha de um dos homens mais influentes da Terra.
Essas duas tramas são o foco principal de uma temporada de manipulação, conspirações e debates sobre as responsabilidades de figuras poderosas. O enredo é construído em cima da animosidade entre os povos, por isso é notável o ótimo trabalho da equipe para manter todos os núcleos consistentes e, ao lado da direção, construir um universo provocativo, com um design de produção que consegue ir da sujeira das ruas durante os protestos no cinturão para a elegância monótona das instalações governamentais da Terra. Isso também se aplica às sequencias espaciais, onde há um excelente trabalho do departamento de efeitos especiais, ainda mais quando consideramos que esta é uma série com orçamento de TV para um canal como o SYFY, que não é um dos mais ricos (eu sei que pareço um pouco como um disco quebrado falando deles, mas foram tantas decepções que ainda não tive tempo para perdoar). Se eu tivesse que escolher um problema da temporada, seria talvez a forma que demore um pouco para realmente nos envolvermos com os personagens, já que os primeiros episódios dão mais importância a apresentação do mundo e a trama principal, mas isso não demora muito, e quando tudo está alinhado perfeitamente temos uma ficção científica política de qualidade em mãos.
Thomas Jane e Shohreh Aghdashloo são os rostos mais conhecidos do elenco. Jane interpreta o detective Miller, com uma atitude que lembra a de um Blade Runner, assim como sua narrativa segue uma linha noir. Já Aghdashloo é uma intimidadora e influente figura das Nações Unidas. Ainda que os dois tenham personagens importantes, o resto do elenco não deixa a desejar. Steven Strait e Dominique Tipper tem uma ótima relação como a dupla Holden e Nagata, e há o contraste entre a atitude confiante de Wes Chatham, como Amos, e a cautela de Cas Anvar, como o piloto Alex. Jared Harris tem uma participação menor, mas é o tipo de ator que “rouba a cena”, então vale a pena mencioná-lo.
Com debates e questionamentos de temas realistas que fazem de The Expanseuma obra original e relevante, essa é uma das indicações mais sólidas que faço por aqui. Não demora para que você se encontre cada vez mais ansioso para saber o que acontece com os tripulantes da Rocinante e como Miller se enrosca em sua missão mais complicada.
Ficha Técnica: The Expanse, S01 Criada por Mark Fergus e Hawk Ostby Direção de Breck Eisner, Jeff Woolnough, Terry McDonough… Roteiro de Hallie Lambert, Georgia Lee, Naren Shankar… Atuações de Thomas Jane, Shohreh Aghdashloo, Steven Strait, Dominique Tipper, Jared Harris.
Eu ainda não assisti a primeira temporada de Titãs. Admito que não estou muito interessado na série, mas fiquei animado quando soube que a Patrulha do Destino foi introduzida por lá. Eu adoro o grupo e é um daqueles que merecia mais atenção do público, então é óbvio que estou feliz pelo spin-off(tecnicamente a versão live action do grupo foi originada em Titãs) ter começado com o pé direito.
E antes que as comparações comecem, vou logo tirar isso do caminho: existem alguns elementos essenciais da premissa que podem ser similares aos do famoso grupo mutante, X-Men: um líder rico e inteligente em cadeira de rodas e um grupo de desajustados tentando trabalhar em equipe; mas a HQ de Patrulha do Destino foi originalmente lançada apenas alguns meses ANTES da primeira revista de X-Men — Ou seja, não sabemos se Stan Lee deu uma passada nos escritórios da DC ou o contrário (acredite, esse tipo de coisa era comum entre as duas editoras), mas pelo menos podemos esclarecer logo isso.
A Patrulha do Destino (ou Doom Patrol, no original) foi criada pelo trio Arnold Drake, Bob Haney e Bruno Premiane, em 1963, na revista My Greatest Adventure. Eles foram tão bem recebidos que a HQ foi renomeada com o título do grupo. A série de TV traz os membros do grupo original, mas tem uma trama mais parecida com a fase escrita por Grant Morrison, que foi uma das mais aclamadas pelos leitores.
Comandados pelo Dr. Niles Caulder, mais conhecido como Chief, um grupo de pessoas com habilidades inacreditáveis lida com a perda de suas vidas passadas. Larry Trainor era um piloto da Nasa; Ritta Farr, uma atriz renomada; Cliff Steele, um campeão em corridas automobilísticas. Todos sofreram acidentes que mudaram suas vidas. Agora são, respectivamente, Homem Negativo, Mulher Elástica e Homem-Robô. Cada um com características distintas e motivos diferentes para permanecer na casa de Niles. Além deles, temos Crazy Jane, uma jovem com múltiplas personalidades, cada uma com um poder diferente.
O elenco da série é notável, com nomes como Matt Bomer (de White Collar) e o misterioso Timothy Dalton, sem contar o retorno de Brendan Fraser, que esteve de volta algumas vezes em séries menores, mas nada com a visibilidade de uma adaptação de quadrinhos da DC. Vale ressaltar que Bomer e Fraser são os únicos personagens que tem seu rosto completamente coberto, e por isso apenas emprestaram suas vozes para os heróis (claro que em cenas de flashback, temos os dois atuando em suas vidas “normais”). É engraçado, mas pelo menos não afeta a experiência. Dalton está charmoso como sempre e April Bowlby tem a elegância necessária para uma personagem como Ritta Farr. A minha adição favorita ao elenco é Alan Tudyk, que geralmente rouba a cena e acaba sendo a melhor parte em qualquer coisa que participa, e aqui seu talento é mais do que necessário, já que interpreta o Sr. Ninguém, talvez o principal antagonista da temporada.
Não se fala muito sobre Crazy Jane no primeiro episódio, mas ela tem um bom tempo de desenvolvimento de personagem durante suas conversas com o Homem-Robô. E por falar nele, o drama principal do episódio envolve as tentativas de Cliff para lembrar o que aconteceu antes de se tornar uma máquina, no acidente que fez com que a única coisa que sobrasse dele fosse seu cérebro. Os flashbacks, assim como a narração (feita por Tudyk, o que achei criativo e espero que seja assim até o fim), foram inseridos pontualmente, sem atrapalhar o que está acontecendo com os personagens no presente. Cliff lembra do acidente constantemente, mas talvez sua mente esteja lhe enganando. A série abre caminho para um arco envolvendo sua filha, e podemos ver logo de cara como ela é importante para ele. Algumas das sequencias mais marcantes do episódio envolvem a luta de Cliff para tentar movimentar seu novo corpo de metal, e essa parte é muito bem executada, com excertos de memórias de sua filha onde o presente invade o passado.
Mesmo que Cliff seja o destaque do episódio, pode-se ver a preocupação em contar a história de cada elemento do grupo. O clímax do episódio envolve um passeio pela cidade, com cada personagem procurando algo diferente para fazer: Ritta decide comer algo em um restaurante com temática clássica e Larry quer apenas pedir uma cerveja. O que vem em seguida é um pouco da demonstração do que eles podem fazer com suas habilidades.
Esse é apenas o episódio piloto, mas é um ótimo começo que estabelece cada personagem e trama muito bem. A direção é competente e não traz muita experimentação, o que não é problema mas seria muito bem vindo em uma série onde uma mulher vira uma gosma nojenta, um homem consegue atravessar os cabos de energia e um jumento surge no meio da estrada para soltar uma mensagem no ar feita com sua própria flatulência. É bizarra, boca suja e bastante ridícula, Patrulha do Destino pode ser uma das melhores séries de herói do momento, mesmo que a própria não aceite isso.
Ficha Técnica: Pilot, S01E01 Direção de Glen Winter Roteiro de Jeremy Carver Atuações de Diane Guerrero, April Bowlby, Alan Tudyk, Matt Bomer, Brenda Fraser, Timothy Dalton
The OA é um grande mistério para seus fãs, não só pela sua narrativa mas pelo tempo que está demorando para lançar sua segunda temporada. A série foi lançada pela Netflix em 2016 e até o momento de encerramento desse texto, tudo que temos é a promessa de que coisa nova está por vir. Eu fui um dos que deixou a série passar despercebida quando foi lançada, então decidi me atualizar antes que a nova temporada saia, finalmente. Havia uma dúvida sobre escrever sobre a série, mas depois de ler algumas reações negativas pensei em falar um pouco sobre ela, porque achei uma das séries mais intrigantes que já vi.
Antes de tudo, eu vou dar uma recapitulada para quem não lembra (haverão leves spoilers ao longo do texto, mas nada que prejudique a experiência).
A jovem Praire Johnson (Brit Marling) volta para casa depois de desaparecer por quase uma década. O mais chocante não foi ela ter sido encontrada depois de pular de uma ponte, mas sim a revelação de que ela recuperou sua visão de alguma maneira, visão essa que perdeu depois de uma experiência quase-morte na infância. Sua história fica conhecida e a cidade não fala de outra coisa, mesmo que todos os detalhes permaneçam um mistério. Isso pode ser uma boa ideia, já que sua narrativa envolve uma infância na Russia, um cientista obcecado por um experimento peculiar, um grupo mantido em cativeiro, uma entidade mística e um movimento de dança que pode influenciar a maneira que interpretamos o conceito de tempo e espaço. Praire agora se intitula a “OA” e ela está pronta para compartilhar os eventos que mudaram sua vida e podem mudar a de um grupo que, ao contrário de muitos, acredita no milagre da jovem.
Criada por Brit Marling (que estrelou alguns filmes sci-fi de baixo orçamento muito bons, como A Outra Terra, de 2011) e Bat Batmanglij (A Seita Misteriosa, de 2011, estrelado por Marling), essa é a primeira vez que a dupla produz uma série, e não fez um trabalho ruim.
O que me atrai em premissas como a de The OA é a forma como todos os elementos são apresentados, como o narrador não confiável, um artificio bastante utilizado quando uma produção decide criar a sensação de confusão não apenas em seus personagens, mas em quem assiste. A narração é uma parte crucial da série e a maior parte da temporada se passa nas interpretações do que Praire nos conta. Ao lado da “OA” seguem cinco personagens: quatro jovens da mesma escola e, por incrível que pareça (como se já não estivesse estranho), uma das professoras. Todos distintos em personalidade, mas igualmente envolvidos no que Praire tem a dizer. Em questão de elenco, a série tem uma equipe competente mas os verdadeiros destaques são a própria Brit Marling e Jason Isaacs, esse segundo interpretando o Dr. Hunter Aloysius Percy (ou HAP, para ser mais rápido).
Outro ponto alto da série é a direção de arte. Alguns visuais são simplesmente incríveis e contribuem para o mundo de The OA tão bem que acabaram se tornando uma de suas principais características. Há uma atmosfera misteriosa até mesmo na cidade, que costuma ser retratada com longas estradas de curvas intermináveis e uma escuridão quase melancólica que assola as noites — talvez uma ligação com o que a trama aborda nos episódios seguintes. Ao lado disso, aproveito para levantar a importância do departamento musical. Além da composição de violino que embala o primeiro episódio, algumas músicas fizeram a diferença, dando enorme impacto emocional, como Full Circle, da banda HÆLOS, e a depressiva Downtown, da Majical Cloudz, que conclui o quinto episódio.
The OA é uma mescla de gêneros (mesmo que esse conceito seja complexo). A série é uma ficção científica na superfície, com seu caráter especulativo sobre o que entendemos de física, por exemplo. Mas há o elemento fantasioso, a protagonista não deixa de tentar reafirmar a existência de uma entidade mística que a conferiu com uma informação valiosa sobre uma forma de nos comunicarmos com outras dimensões através de “movimentos rítmicos”.
Parece bizarro. E é. Mas faz sentido.
Solidão, abuso e trauma são alguns dos temas principais da série, mas ela também entra em debates conhecidos da ficção científica, o principal deles sendo a interpretação de muitos mundos, um conceito da física quântica que sugere a possibilidade de existirem múltiplos universos paralelos.
Apresentada por Hugh Everett III, a interpretação de muitos mundos parte da premissa que vivemos em um multiverso, onde o tempo está em constante ramificação, o que acaba criando mundos diferentes, cada um com uma versão diferente do que você é. Essa é uma maneira bem simplificada de explicar, mas é basicamente essa a ideia. É um conceito absurdo; nem todos o apoiam, é claro, mas ele poderia contribuir para a resposta de várias questões da física quântica — por exemplo, a interpretação de Copenhague, responsável por afirmar que pode haver mais de um estado para um fenômeno não observado. É como o famoso exemplo de Schrödinger: um gato em uma caixa está vivo e/ou morto ao mesmo tempo, a única confirmação vem através da abertura da caixa. Na interpretação de muitos mundos o gato teria se divido em dois caminhos, um no qual esteja vivo e em outro, morto.
É claro que, como o nome diz, é apenas uma interpretação. Não há (ainda) fatos que comprovem os muitos mundos, e também existe o Paradoxo de Olbers, que utiliza a escuridão do céu para descartar a possibilidade de “muitos mundos”, mas The OA consegue escapar disso utilizando outras dimensões e o argumento de que a passagem de uma linha temporal para outra seria “invisível”.
Na série, a OA recebe movimentos (que acabamos chamando de dança, mas isso seria resumir demais o contexto, então vou chamar de performance, para ser mais preciso) através de visões e experiências com uma entidade chamada Khatun. Estes movimentos são capazes de realizar coisas inacreditáveis, como curar ferimentos e até abrir um caminho para outras dimensões. Khatun assume a forma feminina e é um compilado de várias culturas; desde seu nome, de origem árabe, até a marca no formato braile em seu rosto, em alemão. Ela vive sozinha, aparentemente, em um espaço coberto de estrelas, como se caminhasse por entre as galáxias, e é ela quem dá o título de OA para Praire (que mais tarde descobrimos ser uma abreviação de Original Angel: o anjo original). É um conceito “fantasioso” que bate de frente com o debate científico que personagens como o Dr. Hunter carregam, mas que ainda assim faz total sentido narrativo, principalmente quando lembramos que este é o ponto de vista de Praire, então talvez tudo isso seja apenas uma forma de lidar com o trauma. É só ter em mente que nenhum outro personagem teve contato com Khatun. Mas aí estamos entrando em território onde o spoiler é mais frágil, então vou me conter.
O sexto episódio da primeira temporada é intitulado Forking Paths, oque fortalece ainda mais a relevância das realidades alternativas na história. Esse título é uma referência à “O jardim de caminhos que se bifurcam” (The Garden of Forking Paths, em inglês), o conto literário de Jorge Luis Borges que talvez seja mais importante pra série do que se imagina.
A história segue o Dr. Yu Tsun, um professor que também é um espião correndo contra o tempo para evitar ser capturado por um agente do governo. No meio do caminho encontra o Dr. Stephen Albert, que é fascinado por um ancestral de Tsun, um homem que dedicou sua vida construindo um labirinto e escrevendo um romance absurdo e contraditório onde, entre outras coisas fora do comum, personagens estão mortos em um momento para surgirem vivos em outro. Essa é uma das coisas que The OA também trouxe para sua narrativa, já que é apenas através das experiências de quase morte que descobrimos cada vez mais sobre o mistério dos movimentos.
No conto, Albert diz para Tsun como interpreta a obra de seu ancestral:
“ Numa charada cujo tema é o xadrez, qual é a única palavra proibida?” Refleti um momento e respondi, “A palavra xadrez”. “Exatamente” disse Albert, “O jardim de veredas que se bifurcam é uma enorme charada, ou parábola, cujo tema é o tempo […] é uma imagem incompleta, mas não falsa […] seu antepassado não acreditava num tempo uniforme, absoluto. Acreditava em infinitas séries de tempos, numa rede crescente e vertiginosa de tempos divergentes, convergentes e paralelos. Essa trama de tempos que se aproximam, se bifurcam, se cortam ou que secularmente se ignoram, abrange todas as possibilidades. Não existimos na maioria desses tempos; em alguns existe o senhor e não eu; em outros, eu, não o senhor; em outros, os dois”. (Baseando na tradução da versão: “ Obras completas Jorge Luis Borges”, de 1998, da editora Globo S.A.)
Albert entende que o labirinto sugere uma bifurcação temporal. Ele explica como na literatura, um personagem pode escolher apenas uma das alternativas que lhe são apresentadas; mas aqui, um personagem escolhe — simultaneamente — todas elas. Aqui ele cria diversos futuros que proliferam e bifurcam também (no cinema ou em séries, costumam explicar esse conceito utilizando um galho de árvore como exemplo, com os ramos crescendo para novos caminhos e criando novas realidades. A série Legion, baseada nos quadrinhos da Marvel,faz isso e também fala bastante sobre a interpretação de muitos mundos, sem contar que é uma ótima série e merece ser assistida).
Em The OA, os movimentos podem ser apenas uma forma de Praire lidar com o trauma de ter sido raptada. A série deixa em aberto a veracidade da história da OA, mas isso não anula como ela afetou o grupo que ouviu sua história. Essa é uma série com vários temas intrigantes e ótimos personagens, então é óbvio que eu estou ansioso para a segunda temporada.
================== ps: Antes que alguém diga algo sobre o desfecho da temporada, que alguns consideraram “ter vindo do nada”, já digo que discordo completamente da afirmação. Houveram vários indícios do que estava por vir, era só prestar atenção nos sonhos de Praire e no que era dito nas rádios. Se quiserem, posso fazer um texto só sobre isso ¯\_(ツ)_/¯
ps²: O título do conto de Borges também pode ser traduzido como “O Jardim de Veredas que se Bifurcam”, mas trocar “veredas” por “caminho” fez mais sentido dentro da proposta da série.
Despite Yourself é considerado por alguns o melhor episódio da primeira temporada, agora temos New Eden como um novo ponto alto de Discovery. Os dois episódios tem algo em comum: Jonathan Frakes. O veterano de Star Trek,mais conhecido por interpretar o comandante William Riker em Nova Geração(em outras palavras, meu ST favorito), também é responsável por dirigir os episódios, assim como já dirigiu de outros spin-offs e filmes da franquia. É interessante ver como sangue novo pode ser injetado por alguém que já viu e fez tanto pela série.
Em New Eden, a tripulação da USS Discovery decide atender um chamado de emergência do planeta Terralysium, habitado pelos sobreviventes da Terceira Guerra Mundial, o que revela que a mensagem foi enviada há mais de duzentos anos. Michael, Pike e Owosekun tornan-se os emissários da Discovery para a missão de desligar o chamado.
A premissa abre o clássico debate entre religião e ciência que já vimos mais de uma vez, mas quando o feijão com arroz é bem feito, merece o elogio. Os habitantes de Terralysium agora seguem uma crença baseada nos antigos ataques e tem uma vida mais “primitiva”, pré-dobra, mas ainda assim um membro dessa sociedade não está convencido e acredita que há naves espaciais e alienígenas lá fora.
Uma das coisas que esse episódio acerta em cheio é na abordagem desses temas e como a tripulação lida com eles, de forma imparcial e respeito pela primeira diretriz, até quando decidem revelar informações em um ponto importante. Na nave, Michael, Pike e Saru debatem sobre as implicâncias de interferir na cultura alheia, e é um daqueles momentos mais focados em diálogo que são um dos diferenciais de Star Trek. A trama também volta a abordar a rede de micélios e insere um possível obstáculo para a alferes Tilly, mas esses acabam sendo os pontos fracos do roteiro que nem valem a pena ser abordados com mais detalhes.
Com esse episódio dá pra ver um pouco mais como a série vai tratar Pike, que é um personagem importante do cânone, mas que até agora teve pouquíssimo espaço em tela (The Cage é a única vez em que ele realmente estrelou um episódio, tirando esse ele foi um coadjuvante ou menção), e até agora ele tem se apresentado como um líder mais calmo e compreensivo, uma linha mais Picard que Kirk, mesmo que no episódio anterior, Brother, tenha algumas falas menos inspiradoras, como o momento em que incentiva Burnham a se divertir sem se preocupar com quebrar algumas coisas no caminho. Vamos torcer para o Pike de New Eden ser o molde para o que virá no futuro.
Ainda sobre os personagens, é bom ver como estão dando mais atenção aos coadjuvantes. A decisão de levar Owosekun na trama principal foi uma boa ideia, assim como deixar Tilly e Stamets em um arco próprio. Por New Eden ter Pike como um protagonista mais evidente, fica a preocupação de que talvez Michael perca um pouco de sua importância em futuros episódios, mas com a chegada de Spock essa preocupação deve ser algo desnecessário. E isso deve ser um lembrete para quem ainda não entendeu: independente do que você sinta por Michael, ela é a protagonista, e a principal promessa de Discovery é seguir a jornada da personagem.
New Eden também tem um dos melhores trabalhos de design de produção da série, e isso pode ser visto na construção da pequena vila em Terralysium, com sua catedral constituída de belos vitrais que contam a história da Guerra. Geralmente, as missões de campo tem um bom trabalho desse departamento, mas sempre vale a pena mencionar. E se Discovery pode se vangloriar de algo, são os efeitos especiais, com representações visuais que impressionam, como a “manobra de Tilly”, que pode ser um pouco boba e conveniente na teoria, mas na prática é um dos melhores momentos da série.
Como é esperado, o episódio traz várias referências, como menções ao autor Arthur C. Clarke e talvez Elon Musk (Tilly estudou na Musk Junior High), sem contar um pouco de Shakespeare, que é sempre bem vindo em Star Trek, seja por um Kinglon ou não. Por último, pesquisei sobre uma lápide com o nome de “J.Scott”, que estava ocupando a maior parte de uma tomada, e talvez seja uma homenagem póstuma ao responsável pelos efeitos especiais de Nova Geração e Deep Space Nine, Steven J. Scott.
Frakes trouxe mais uma vez um pouco do espírito que todos gostam na franquia, com muita exploração, uma pequena aventura fechada e debates instigantes. Ele estará de volta para mais um episódio esta temporada, e até lá vamos continuar debatendo sobre os ataques dos anjos vermelhos e torcendo para que os próximos episódios continuem deste nível para cima.
Ficha Técnica: New Eden, S02E02 Direção de Jonathan Frakes Roteiro de Akiva Goldsman e Sean Cochran Atuações de Sonequa Martin-Green, Doug Jones, Anson Mount, Anthony Rapp e Mary Wiseman
Eu sou o tipo de fã que não se importa com novas adaptações de alguma produção, isso desde que ela seja boa, obviamente. Mas admito ter me preocupado com Star Trek: Discovery. E antes que me interpretem mal, eu não sou raso o suficiente para basear minha avaliação da série apenas no quanto ela respeita a representatividade, isso sem contar que a franquia foi construída em cima de princípios que não só apoiam como encorajam a diversidade, então se você é do tipo que acha que a série está ruim porque ela “lacra” ou algum desses argumentos sem sentido, acho melhor evitar a franquia inteira. Tirando isso do caminho, vamos falar de “Brother”.
Depois de uma primeira temporada inconsistente, havia uma preocupação para o que viria neste segundo ano, principalmente depois do season finale da temporada anterior introduzir a clássica NCC-1701, capitaneada no momento por Christopher Pike (Anson Mount). “Brother” traz uma premissa bem simples, onde Pike é designado para comandar provisoriamente a Discovery.
No meio disso, há algumas tramas paralelas promissoras — mesmo que preocupantes — envolvendo o luto de Stamets (Anthony Rapp) por seu companheiro, e a preocupação de Michael Burnham (Sonequa Martin-Green) com o possível reencontro com seu meio-irmão, Spock (Ethan Peck). Das duas opções, apenas a trama de Stamets possui algum peso dramático, com um personagem incapaz de seguir em frente, que vê a pessoa que ama em todos os cantos daquela nave. Sua relação com a cadete Tilly (Mary Wiseman) também é muito boa e gera o momento mais honesto do episódio, isso graças à carisma da atriz (mesmo que ela exagere um pouco do seu comportamento algumas vezes). Mas aí entra a parte de Burnham e Spock, que infelizmente deveria receber bastante atenção, mas acaba virando uma subtrama tediosa de assistir, com flashbacks que atrapalham um pouco o ritmo.
Com isso entramos no maior problema do episódio e, se continuar assim, da temporada: referências gratuitas. Há uma necessidade de inserir coisas que não fazem falta, pelo menos por enquanto. Não precisamos de todo o mistério em volta de Spock, por exemplo. Conhecemos o personagem, então a única função que as menções ao seu nome tem são a de lembrar o público de uma das figuras mais icônicas da franquia. As aparições de Sarek (James Frain) são menos desconfortáveis, um crédito para a atuação de Frain. O mesmo ocorre com Saru (do excelente Doug Jones), que é facilmente o meu personagem favorito da série, também graças ao desempenho de Jones.
Não tenho muito mais o que dizer do episódio. “Brother” não entrega nem mesmo o que o título propõe (a trama envolvendo os “irmãos” é a menos importante aqui), mas a ação é competente, as atuações estão boas e os efeitos visuais são o maior diferencial da série. Não vou me aprofundar em território de erro cronológico porque a série já provou não se importar com linhas temporais, e nesse episódio temos mais exemplos disso, como um visor estilo Geordi La Forge de algum membro da tripulação (vai que é uma versão teste, mas ainda assim isso entra em conflito com algumas coisas que já sabemos sobre o personagem e sua necessidade pelo aprimoramento). “Brother” não é um começo muito promissor, mas felizmente parece que Pike não vai se intrometer tanto quanto imaginei, então vamos torcer, já que o que eu quero é que melhore, torcer contra é perda de tempo.
Depois de ter feito uma lista com os Melhores Filmes Sci-Fi da Década, é chegada a hora de indicar também algumas das melhores produções feitas para a televisão. Felizmente, algumas das séries mais assistidas e premiadas atualmente são ficção científica, então não vou perder tempo e separar aqui algumas (pode ser minissérie ou telefilme) já exibidas desde 2010. Tenha em mente que não é um TOP 10, aqui a intenção é te mostrar algumas coisas que talvez você esteja perdendo, e outras que você provavelmente já assiste mas merecem elogios.
Vamos começar pela mais popular do momento: Black Mirror (2011 — ). Você provavelmente já ouviu alguém falar algo como “caramba, isso é tão Black Mirror”. Então, independente de você achar isso irritante ou não, não podemos negar o impacto que a série teve no público. No formato de antologia, a série criada por Charlie Brooker é o sonho de qualquer fã de distopias e narrativas onde a tecnologia toma um rumo mais assustador e angustiante do que o normal. Quem assiste não consegue esquecer as loucuras que já aconteceram em Black Mirror. Se tiver estômago fraco, pode pular o primeiro episódio e assistir ele depois, a ordem não vai mudar em nada a experiência e conexões entre as histórias só são feitas (de forma bem vaga também) lá para a terceira temporada, então vá sem medo de ser feliz e assista na ordem que quiser.
Outra queridinha do público tem sido The Handmaid´s Tale (2017 — ). As pessoas tem um fascínio por distopias, e isso talvez não seja apenas uma questão de preferência, mas sim um reflexo dos nossos tempos. Afinal, as melhores distopias são aquelas que não parecem estar muito longe assim da nossa realidade — pelo menos tematicamente. Em The Handmaid´s Tale, um grupo de fanáticos religiosos tomou conta do Estado e todas as regras mudaram. As maiores vítimas disso foram as mulheres, que perderam todos os seus direitos e agora servem apenas para agradar seus homens, seja limpando sua casa ou, como no caso da protagonista, June (Elisabeth Moss), sendo barriga de aluguel para a esposa infértil de seu Senhor.
Essa é uma série triste e desesperadora, um pouco difícil de assistir por conta disso e pelos paralelos assustadores que andam tendo com as notícias de assédio e figuras politicas pregando discursos sexistas sem sofrer muita represália. Mas se por um lado é pesado e realista, de outro é uma narrativa muito bem construída, direção de arte excepcional e atuações magníficas, principalmente de Elisabeth Moss. Não é à toa que ganhou vários prêmios logo na sua primeira temporada.
Para fechar a trindade de séries sci-fi mais assistidas atualmente, não posso deixar de lado minha queridinha: Westworld (2016 — ). Se você já imaginou como seria poder visitar um lugar onde é permitido atirar para matar e fazer sexo “até morrer” e jamais sofrer as consequências, talvez esteja procurando Westworld, o maior parque interativo do mundo. Totalmente inspirado no cenário faroeste, você pode participar de várias aventuras. Na série seguimos Dolores (Evan Rachel Wood), uma anfitriã (é como chamam os sintéticos do parque) tentar sair de sua rotina e descobrir cada vez mais detalhes sobre o mundo que habita.
Eu já fiz até uma matéria sobre a série e como ela brinca com suas rimas narrativas, então serve como leitura complementar (fica a dica).
Tudo bem. Já falamos das que você provavelmente já conhecia, então daqui pra frente mencionarei séries que talvez sejam muito bem recebidas pela crítica, mas não tem um público do tamanho das anteriores.
Não é só de Black Mirror e Doctor Who (1963 — ) que vive a Inglaterra. As produções britânicas tem surpreendido bastante com títulos como Utopia(2015), Humans (2015)e a antologia baseada na obra de Philip K Dick,Electric Dreams (2017 — ). Utopia e Humans são ótimas e você deveria assistir o mais rápido possível, mas Electric Dreams, que também tem um envolvimento norte-americano na produção, surpreende com a qualidade técnica e o elenco, com nomes como Bryan Cranston, Steve Buscemi e Janelle Monáe.
A primeira temporada tem dez episódios e cada um é completamente diferente do outro. Ao contrário de Black Mirror, onde temos um tema recorrente que permeia todos os episódios, em Eletric Dreams as decisões narrativas são menos restritas.
Antes de fazer essa matéria considerei deixar as animações com sua própria lista. Mas isso seria injusto. Não considero animação um gênero próprio. Você pode ter ação, comédia ou drama animados. É mais questão de técnica, e este formato tem um charme diferente e merece um espaço e respeito maior do público. Já falei aqui sobre a divertida Final Space(2018 — ), por exemplo, mas nada que tenha saído essa década talvez tenha sido mais comentado e debatido do queRick and Morty (2013 — ).
Criada por Dan Harmon (gênio por trás da série Community) e Justin Roiland, Rick and Morty conta as aventuras de um cientista que se envolve em todo tipo de atividade moralmente questionável, e o pior de tudo é que ele leva seu neto como testemunha. Seja rompendo o tecido da realidade, invadindo outras dimensões ou visitando um planeta onde tudo tem a forma de espiga de milho, essa série não usa o absurdo apenas como piada e levanta temas mais sérios à superfície. Se você terminar um episódio tendo uma crise existencial é só a reação natural causada pela animação.
Voltando para os live action e lembrando que uma lista não precisa ser apenas de séries de sucesso — nem precisei mencionarStar Trek: Discovery (2017 — )porque Star Trek é Star Trek, e independente de qual seja sua opinião sobre Discovery, é claro que vamos assistir — , também temos algumas canceladas, porém bem atraentes, como o caso de Dark Matter (2015–2017), que trazia uma premissa intrigante e era bem executada, mas foi uma das vítimas dos cancelamentos absurdos do canal SyFy. Outro cancelamento prematuro foi o de Almost Human (2013–2014), com sua abordagem mais leve, um drama de ação policial com ótimos personagens. Karl Urban como protagonista? Claro que eu quero! Mas, sabe como é a vida…
Felizmente, há casos de produções que se mantém seguras, como Orphan Black (2013–2017) e KillJoys (2015 — ); já o futuro de The OA (2016 — ) é, até o momento, uma incógnita. O que mais preocupa alguns fãs atualmente é a excelente série The Expanse (2015 — ), que foi cancelada pelo SyFy (olha ele aí de novo), mas foi renovada pela Amazon. Só não se sabe — ainda — por quanto tempo.
The Expanse começa devagar, mas já mostra seu potencial com um bom elenco (Nathan Lane nunca decepciona) e efeitos especiais de qualidade. Você entra por isso e acaba ficando pelo enredo cheio de conspirações e debates políticos e sociais que te fazem lembrar o que a ficção científica tem de melhor para oferecer. Pode não ter a fama que merece, mas nunca deixa de prezar uma narrativa de qualidade. Sério, assista.
Por falar em cancelamento, vamos fechar com um que me doeu na alma: Dirk Gently´s Holistic Detective Agency (2016–2017). Criada por Max Landis (o pobre coitado não dá uma dentro, vive tendo projetos cancelados) e estrelada por Elijah Wood, Dirk Gently é uma ~leve~ adaptação da obra de Douglas Adams de mesmo nome sobre o investigador particular que utiliza os meios menos convenientes possíveis para resolver os quebra-cabeças que encontra. Mesmo não sendo tão fiel ao material original, o mesmo tom é mantido, a comédia é ótima e a trama se desenvolve da maneira mais louca e divertida possível. Começa confuso mas garanto que vale a pena ficar assim por um tempo, porque a conclusão sempre compensa.
São apenas duas temporadas — o canal BBC decidiu não renovar a série — mas são imperdíveis. Houveram poucas comédias sci-fi para a TV nessa década, tirando essa só consigo lembrar de The Orville (2017 — ), que ainda não assisti, mas pelo menos o gênero está sendo bem representado com Dirk Gently.
O que achou da lista? Temos bastante coisa sci-fi legal da televisão. Eu sei que provavelmente deixei algumas de fora, mas a vida é como o canal SyFy: tem horas que te deixa feliz, mas na maioria das vezes te dá um chute na bunda.
Se você quiser indicar alguma série, é só vir nos comentários que eu adoro conhecer coisas novas.
“Espaço, a fronteira final… estas são as viagens da nave estelar Enterprise, em sua missão de cinco anos para a exploração de novos mundos, pesquisando novas vidas, novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve”.
Esta era a chamada na abertura de cada episódio de Jornada nas Estrelas. Situada no século 23, a série traz uma visão otimista do futuro, onde a humanidade consegue viver em harmonia. Os conflitos da série são encontrados nas missões que a frota estelar precisa cumprir durante seus cinco anos de exploração.
Representando a frota estelar e servindo como cenário principal para a série, temos a nave USS Enterprise NCC — 1701, que acomoda a tripulação comandada pelo capitão James T. Kirk, interpretado por William Shatner. Ao seu lado, Gene Roddenberry, o criador da série, fez questão de inserir personagens que representassem a importância dos movimentos por igualdade racial tomando conta dos noticiários da época, indo contra a maioria dos estereótipos da televisão e do cinema até o momento.
Kirk tem ao seu lado companheiros como o escocês Montgomery Scott, o engenheiro chefe interpretado por James Doohan, e o doutor McCoy, interpretado por DeForest Kelley. Isso sem contar o favorito de todos, o oficial de ciências, Spock, imortalizado por Leonard Nimoy.
Ao visitar o período histórico em que Jornada nas Estrelas se encontrou durante sua exibição, em meio à Guerra fria e o agravamento dos conflitos raciais nos Estados Unidos, fica mais fácil compreender a motivação e a decisão de Gene Roddenberry em usar seu produto para gerar um debate político e social.
A série original é até hoje conhecida por quebrar várias barreiras culturais. Em uma época em que as mulheres eram representadas na mídia televisiva como personagens unidimensionais e com as características de uma dona de casa ou apenas interesse amoroso de outro personagem, a atriz Nichelle Nichols conseguiu se destacar em um papel onde sua personagem, Uhura, não apenas tinha o cargo de tenente em uma nave estelar, como era negra e serviu para mostrar a importância da representatividade.
Outras etnias tiveram seu espaço, como a personagem do nipo-americano George Takei, o oficial Hikaru Sulu, ou o russo Pavel Chekov, interpretado por Walter Koening. É importante lembrar que escolher um personagem russo no auge da guerra fria foi uma das várias decisões arriscadas de Roddenberry. Com a evolução do programa e sua extensão para spin-offs, ainda mais presenças étnicas foram inseridas no universo da franquia.
“Há uma ditado chinês: ´Que você viva em tempos interessantes´.
Nós tivemos isso na década de sessenta, e temos isto agora também, talvez nunca deixemos de ter. São tempos extremamente caóticos. Foi uma base muito forte para apoiarmos nossas metáforas e dramas. Acho que nossos roteiristas conseguiram capturar isso muito bem. Se sensibilizavam bastante com o que acontecia na época, e tentavam colocar tudo o que conseguiam em um século diferente, que ainda assim lidava com questões que nos acometiam na época”. (NIMOY, 1991)
Os tripulantes da frota estelar representavam um futuro igualitário que servia de comentário para debater um mundo cada vez mais dividido. A série interage com os acontecimentos mais marcantes da década de 60, como a guerra do Vietnã e o avanço dos movimentos feministas e black power (empoderamento negro). Enquanto a segregação racial fazia parte do cotidiano e muitos estabelecimentos chegavam até a não aceitar que negros usassem o mesmo banheiro e restaurante que os brancos, Jornada nas Estrelas teve a coragem de acrescentar Uhura ao elenco.
Inteligente, independente e talentosa, Uhura mostra que não é só mais uma personagem estereotipada da época. Desde o seu nome, proveniente da palavra suaíliUhuru, que significa “liberdade”.
Em The Gamesters of Triskelion, da segunda temporada, Uhura chega a travar uma batalha corporal para defender seus companheiros. Com esta cena podemos fazer uma alusão aos movimentos feministas em ascensão na época, que se sentiriam muito mais representados por uma personagem que consegue se defender sozinha sem precisar do apoio de um “homem forte” atuando como herói para uma “donzela em perigo”.
Outro episódio, Plato´s Stepchildren pode ter alguns dos momentos mais ridículos da série, como Kirk e Spock dançando e recitando trechos de Alice Através do Espelho, chegando ao ponto de termos que ver Kirk fingindo ser um cavalo. Tudo isto fazia parte da trama do episódio, onde um grupo de seres super-inteligentes utilizava seus poderes psicocinéticos para controlar as ações da tripulação, criando uma forma de teatro para entretenimento de seu povo. Mas não foi por estas ações que o episódio foi lembrado. Foi nele que tivemos o primeiro beijo inter-racial da televisão norte americana, protagonizado por Kirk e Uhura. E por mais que tenha sido influenciado por controle mental, o beijo continua sendo um grande feito quando lembramos da época em que esta cena aconteceu e como repercutiu, chegando a ser cortado durante a exibição em alguns cantos do sul do país.
A personagem era querida pelos fãs. Nichols recebia várias cartas de reconhecimento e ofertas para atuar em outras produções, incluindo peças na broadway. Mesmo adorada, a série não era um sucesso de público (isso de acordo com a emissora) e a atriz considerou sair da série para fazer algo diferente com a carreira. Roddenberry tentou convencê-la do contrário e pediu para que ela pensasse um pouco mais a respeito disso. A atriz só resolveu aceitar continuar na série depois de encontrar o ativista político Martin Luther King em uma festa beneficente.
“Eu estava nesta festa e em algum ponto fui chamada para conversar com um fã […] Procurei por ele no salão, mas no meio do caminho me deparo com este rosto famoso, com um enorme sorriso. Naquele momento, seja quem fosse meu fã, ele teria que esperar. Era o doutor Martin Luther King, meu líder. Então ele diz: “Sim, senhorita Nichols, eu sou seu maior fã””(NICHOLS, 2010).
Nichols também conta que ao confessar para King a vontade de sair da série, sua primeira reação foi ficar surpreso e inconformado com a possibilidade.
“Ele olha sério para mim e diz: ´Você não pode […] Não entende o que isso significa? Pela primeira vez na televisão nós somos vistos como devemos ser vistos todos os dias. Como inteligentes e belas pessoas que podem cantar, dançar, mas que também podem ir para o espaço, serem advogados, professores. Não víamos isso na TV até agora […] Uma porta foi aberta para que o mundo nos veja. Se você sair, ela pode ser fechada´”.
A representatividade em Jornada nas Estrelas foi forte o suficiente para impactar a decisão da carreira de muitas pessoas ao longo dos anos. A atriz Whoopi Goldberg assistia a série quando criança e ficou tão impressionada que imaginou um dia estar na série. Quando A Nova Geração (1987–1994), o primeiro spin-off de Jornada nas Estrelas chegou, a atriz fez questão de pedir um papel no elenco, o que acabou conseguindo. E a sua personagem, Guinan, era uma convidada recorrente.
Outro exemplo de sucesso inspirado na série é o da primeira astronauta negra da NASA, Mae Jemison. Também fã da série, é interessante como anos depois ela também conseguiu uma participação na Nova Geração, em 1993, no episódio Second Chances.
“Tenente Uhura talvez tenha sido a primeira mulher que nós encontrávamos na televisão toda semana que trabalhava em um campo técnico, isso era animador. Sem contar que ela era afrodescendente, me deu uma sensação de que estava assistindo algo diferente” (JEMISON, 1994)
Não eram apenas as mulheres e os negros com pouco espaço para papéis desempenhados de forma adequada. Uma das práticas mais comuns de muitos programas, principalmente os norte-americanos, envolvia a total descaracterização de outras culturas. E mais uma vez Roddenberry encontrou uma forma de comentar sobre isso ao inserir o personagem interpretado pelo asiático George Takei, o biofísico Sulu.
Assim como fez com Uhura, Roddenberry procurava um nome forte que representasse não só uma parte da ásia, mas todo o continente, então decidiu nomear seu personagem como uma referência ao mar de Sulu, situado entre a Malásia e as Filipinas. De acordo com Takei (2004):
“Gene costumava dizer que a nave Enterprise serve como uma metáfora para a nave Terra. Toda a força da nave estava em sua diversidade. Ele queria que esta diversidade refletisse na escolha do elenco […] Sua maior dificuldade foi encontrar um nome para mim, pois todo nome asiático é bastante específico. Tanaka é japonês, Kim é coreano, Wong é chinês […] Ao olhar para o mapa encontrou o mar de Sulu. A água do mar costuma tocar todo o litoral, e foi assim que ele me nomeou”
Depois de tudo que os Estados Unidos passaram após a Segura Guerra, principalmente com os ocorridos em Pearl Harbor, o preconceito contra asiáticos era evidente nas produções televisiva e no cinema. Mesmo assim, Sulu acabou se tornando um dos favoritos do público sem precisar apelar para os estereótipos que costumavam tomar conta do cotidiano. O mesmo aconteceu com outro personagem, o alferes Chekov, interpretado por Walter Koening.
Chekov foi acrescentado ao elenco apenas na segunda temporada, mas não demorou muito para conquistar o público. Por ter uma clara descendência soviética, muitos consideram o personagem uma resposta de Roddeberry à Guerra Fria. Além disso, por ser um tripulante mais jovem, serviu para atrair o público da mesma faixa etária.
Com uma tripulação que até hoje é um dos melhores exemplos de diversidade em uma série de televisão, só faltava um bom roteiro, que não só fosse envolvente para o espectador casual ou o fã de ficção científica, mas que tivesse um forte impacto intelectual. Para o criador da série, a arte envolve comentário (RODDENBERRY, 1993), e o de Jornada nas Estrelas continua relevante e deveria ser assistido por todos, não importa qual spin-off ou filme, a franquia sempre terá em sua essência o respeito, a tolerância e a diversidade. Tudo começou com a oficial-chefe de comunicações da Enterprise, Uhura, ajudando todos a ir onde nenhum homem jamais esteve.
Cary Joji Fukunaga impressionou o público e fez seu nome ao dirigir os episódios da primeira temporada da excelente série antológica True Detective(2014 — ). Com todo o crédito que recebeu, decidiu dirigir o longa Beasts of No Nation um ano depois, que foi distribuído pela Netflix. Em Maniac, ele reprisa sua parceria com o serviço de streaming, dessa vez ao lado de Patrick Sommerville (da série The Leftovers), e tem tudo para dar certo com um elenco premiado e grande orçamento.
A premissa não desrespeita o título da série. Uma companhia farmacêutica promete resolver os problemas das pessoas no futuro de uma vez por todas, mas por enquanto ainda precisa realizar alguns testes. Owen Milgrim (Jonah Hill) e Annie Landsberg (Emma Stone) fazem parte de um dos grupos inscritos no experimento. A dupla, que nunca se conheceu antes, agora está mais conectada do que imagina… e isso é o máximo que posso dizer sem entrar em detalhes.
Ao contrário dos protagonistas da série, Hill e Stone já são conhecidos de longa data, desde a comédia de 2007, Superbad: É Hoje, então dá para notar a química entre os dois. Sua relação é um dos pontos altos da série. Owen é um personagem contido, carrega uma tristeza no olhar, e mesmo que não seja a sua melhor performance, Jonah Hill ainda assim convence quando precisa passar a sensação de uma pessoa letárgica e desmotivada (tenho lido comentários sobre ele estar atuando mal e sem “vontade”, mas discordo desse ponto. Acredito que ele entrega exatamente o que seu personagem pede, só não chega a fazer algo excepcional como Stone, que costuma se jogar de cabeça nos seus papéis). Por seu histórico com comédias, as cenas que envolvem quebra de tensão ou apenas um pouco de humor mesmo, são onde ele brilha. Mas é Emma Stone quem realmente rouba a cena com sua atitude insubordinada. Sua personagem, Annie, é mais impulsiva e impaciente, e Stone exibe isso perfeitamente com sua atuação expressiva, quase caricata em alguns momentos, mas de um bom jeito. Explicarei isso mais à frente.
Além da dupla, o elenco também é bom e há alguns personagens que acabam se destacando, por bem ou por mal. Sally Field e Justin Theroux são os nomes mais veteranos. Theroux é o clássico estereótipo do cientista louco crente no modelo de que os fins justificam os meios. Field não tem o espaço que merece, mas o pouco que faz já é o suficiente. Os dois se envolvem em um arco que infelizmente não é envolvente. Há uma subtrama que lembra algo saído de uma obra de Douglas Adams, envolvendo um computador depressivo, mas as circunstâncias e a execução não convencem porque a série nunca admite sua faceta cômica, apenas flerta com ela em algumas instâncias.
O enredo de Maniac é instigante, assim como seus temas, mas a série também tem suas conveniências e um problema no estabelecimento de tom, pelo menos nos primeiros episódios. De começo somos apresentados ao mundo da série, uma ambientação charmosa com a estética “futurista” (aspas porque não é exatamente o futuro, é mais como uma versão do presente, mas mais estilizada) de uma década de 1990 alternativa à nossa. Podemos ver pequenos robôs espalhados pelas ruas fazendo o serviço sanitário, um amigo de Annie joga xadrez com um coala de pelúcia (o amigo perde) e um serviço de anúncios ambulante é uma boa saída para ganhar uma grana extra. É claro que estamos lidando com uma série de ficção científica, mas os elementos encontrados aqui são incorporados de forma natural, sem alarde, como se não estivesse chamando atenção para o fato de que esta é uma narrativa do gênero.
Talvez essa timidez em apresentar suas partes mais “bizarras”, deixando mais para frente na temporada, seja o que atrapalhou um pouco o ritmo dos primeiros episódios. Primeiro focamos no drama pessoal dos protagonistas, depois somos apresentados aos cientistas e só depois entramos de verdade na trama principal. Essa montagem linear seria bem recebida se a série soubesse administrar melhor todas as suas subtramas. Temos tantas séries recentes com linhas temporais fragmentadas, como Westworld (2016 — ), Legion (2017 — ) ou Twin Peaks: The Return (2017), então já estamos acostumados com o formato, não custa arriscar um pouco.
Apesar desses pequenos deslizes, a experiência de assistir Maniac é original. A direção de arte é belíssima e rica em detalhes e referências divertidas, como a logo da companhia farmacêutica que tem uma fonte parecida com a da empresa de informática IBM. Além disso, a série traz uma alusão ao filme Um Estranho no Ninho (1975) ao criar um termo para um tipo específico de paciente do experimento. Não é nada que chame muita atenção, mas é uma daquelas coisas que mostra como a série se esforça para inserir suas menções em uma maneira que sirva à trama e não apenas para que você aponte para a tela e fique feliz por ter pego uma referência.
Fukunaga surpreende mais uma vez. Sua lente anamórfica ajuda nas cenas exteriores, dando a sensação de espaço e profundidade que contribuem para um visual mais cinematográfico. As mudanças entre a nossa realidade e a mente dos personagens envolvem camadas cada vez menos realistas e mais parecidas com um filme de gênero (daí a atuação caricata que mencionei. Eu disse que ia explicar), então a decisão de Fukunaga apenas ajudou a série. Em um instante ele parece emular a tensão de filmes como A Origem (2010), de Christopher Nolan, mas em outro você é jogado no meio de um plano sequência cheio de ação. Essa última técnica já é quase uma marca registrada de Fukunaga, que orquestrou uma das melhores cenas da televisão da última década em True Detective.
Maniac começa devagar, mas o ritmo e a qualidade sobem gradativamente e você se pega cada vez mais curioso sobre a jornada de Owen e Annie. Nada é perfeito, claro, e a série pode não agradar todos por conta de seu tom inconsistente. Mas se você procura uma experiência quase cinematográfica, com ótimas atuações e uma trama atraente, acho que essa é pra você.
No momento em que escrevo esse texto, a segunda temporada de Westworld já acabou há uma semana e minha crise existencial começa a tomar conta. Eu tenho o costume de ficar ansioso para um novo episódio de uma série que gosto, mas quando a série é Westworld, eu transformo as coisas em um evento: deixo tudo pronto e coloco o celular no modo silencioso. Isso tudo porque eu conto os minutos para ver Dolores chutando bundas, Bernard lutando contra sua programação, Maeve em sua busca, Hector representando o Brasil (vai, Santoro!) e a equipe do parque tentando descobrir o que está acontecendo. Pode ser um sintoma da ansiedade? Pode. Mas eu gosto de pensar que seja porque essa série é uma das melhores que eu já assisti.
A primeira grande diferença desta temporada para a primeira é o protagonista. Se antes tivemos Dolores (Evan Rachel Wood) em sua descoberta pessoal e fomos apresentados aos elementos mais importantes do parque, desta vez o destaque é Bernard (Jeffrey Wright) e sua forma de lidar com a recente descoberta de que também é um dos anfitriões. Esse ponto de vista contribui para um jeito diferente de seguir com a trama e mostra como Westworld se sustenta muito bem mesmo colocando todo o peso dramático principal em outra pessoa.
Podemos ver a força dos personagens da série, assim como Akecheta, interpretado por Zahn McClarnon, um excelente ator de expressões sutis que já tinha roubado minha atenção na segunda temporada da série Fargo, e agora ele protagoniza o meu episódio favorito de Westworld. E se formos falar em atuação, ainda tenho que colocar nessa conversa as maravilhosas Tessa Thompson e Thandie Newton. Newton, que interpreta a ex-cafetina, Maeve, é uma atriz capaz de carregar um núcleo inteiro nas costas independente de eu ter gostado ou não dele — para deixar logo aqui, eu não gostei. Mas espera um pouco que eu vou explicar.
Eu não perderei tempo tentando convencê-los do talento dos veteranos Ed Harris e Anthony Hopkins, então hora de seguir em frente e entrar em detalhes no que eu considero pontos positivos e negativos.
O primeiro enorme positivo já foi mencionado: as atuações. Cada ator, pelo menos com um papel mais relevante na trama, é excepcional em tudo que faz. Essa série tem algumas das melhores atuações que eu já vi em uma produção para a televisão, ficando atrás apenas de coisas do nível de Twin Peaks ou Os Sopranos. Mas nesse departamento encontra-se o primeiro negativo, que são alguns personagens e o arco narrativo que recebem.
Como eu disse, se você recebeu um papel importante na trama, ótimo, mas nem todos tiveram esse privilégio, e quem mais sofreu com isso foi o núcleo de Maeve. A personagem é uma das mais envolventes e com uma das motivações mais fortes da série, mas ao deixá-la com um grupo de coadjuvantes completamente desnecessários prejudicou bastante sua jornada nessa temporada.
Ao seu lado temos Armistice (Ingrid Berdal) e Hector (Rodrigo Santoro), os únicos que realmente tem uma razão honesta para estar ali, mas o retorno de figuras pouco interessantes como Lutz (Leonardo Nam) e Sylvester (Ptolemy Slocum), a dupla de funcionários do parque, não contribuiu para muito além de reações ao que nós, o público, já estamos descobrindo sozinho. Eles servem de alívio cômico por alguns segundos, mas não dura muito tempo porque nenhuma de suas piadas chega na hora certa. Além deles, o roteirista Lee Sizemore (Simon Quarterman) até serve como uma força de contenção para Maeve, mas isso apenas em teoria, porque na prática ele é resumido naquele personagem que serve apenas para entregar informações mastigadas que a série talvez tenha medo de você não captar sozinho.
Como se essa quantidade de gente já não fosse suficiente, Maeve ainda carrega com ela a jovem Hanaryo (Tao Okamoto), uma anfitriã do parque oriental, Shogunworld. Tirando o fato dela carregar uma espada e um arco e flechas, não sei muito mais como apresentá-la.
A maioria desses integrantes do clubinho da Maeve foi tão mal aproveitado que depois de alguns episódios, foram simplesmente abandonados da trama e surgiram novamente apenas no último episódio, do mesmo jeito que foram deixados antes. Se isso não foi uma desculpa esfarrapada para deixar de desenvolver alguns coadjuvantes, não sei o que é.
Aliás, dois novos parques foram introduzidos. Shogunworld, focado no período feudal japonês, é belíssimo, com todas as cores que compõem o oriente de forma única; O Raj, com a temática indiana, tem pouquíssimo espaço em tela, mas parece carregar muito mistério e ação. É uma pena que os dois precisem ficar apenas em segundo plano por conta da importância do parque principal, mas é compreensível.
Um aspecto significativo da apresentação de um novo parque foram as rimas visuais e narrativas, que foram constantes. O discurso de Hector e a forma como ele anuncia sua chegada na primeira temporada, ao som de “Paint it, Black”, da banda Rolling Stones, é reproduzido fielmente na segunda, por um outro personagem que serve a mesma função de Hector e tem o mesmo propósito. Na cena, Lee Sizemore explica que ele gostava de repetir algumas coisas, mas vai além disso, esses momentos espelhados deixam tudo mais impactante, mostram o contraste e ao mesmo tempo as similaridades entre esses dois mundos, com um visual e disciplina diferentes, mas dores e ambições partilhadas.
Também vemos isso com Akecheta e sua esposa. O oitavo episódio, intitulado Kiksuya, mostra como o personagem atinge a consciência e tenta alertar seus companheiros de tribo. A cena em que ele reencontra sua esposa depois de ter visto tanta coisa, nos dá uma sensação de tristeza bem maior do que a esperada, e isso talvez seja por estarmos vendo mais uma vez o reencontro de William com Dolores, na primeira temporada, mas com personagens diferentes. Ao contrário de Will, que usou sua dor para transformar-se no temido Homem de Preto, Akecheta justifica porque o foco da série está nos anfitriões. Esse artifício narrativo pode ter um resultado vazio nas mãos de uma equipe criativa incompetente, o que felizmente não é o caso aqui.
Tal qual a primeira temporada, Westworld continua trabalhando com as linhas temporais desconjuntadas. Hoje, com tantas séries fazendo isso (Legion e Twin Peaks dançaram em cima do formato que nem loucos), e a própria Westworld já tendo feito, fico me perguntando se essa decisão ainda é relevante ou serve para melhor contar a jornada nos personagens. Um pouco de confusão é ótimo, eu mesmo adoro quando todas as peças do quebra cabeça chegam para mim com calma, sem alarde, até que eu finalmente tenha aquele choque de realização do que acabei de perceber. Mas talvez o excesso de pequenas linhas temporais fora de ordem pareça mais uma decisão artística apenas por estilo e não uma razão para construir uma narrativa mais eficiente. A externalização de certos pontos-chave da trama por Bernard ou Lee, por exemplo, mostram como as vezes menos é mais.
Passando rapidamente pelos arcos principais, mesmo com o destaque para Akecheta e Maeve, e o foco principal em Bernard e o conflito com seu criador, Dolores continua um peão importante para o jogo, ainda que ela não se considere apenas uma peça e sim a resposta para tudo. Sua relação com Teddy (James Marsden) é afetada por conta da missão, e é um núcleo que parece se distanciar um pouco dos outros no começo, mas depois volta aos trilhos (quase literalmente).
Essa segunda temporada dividiu algumas opiniões, sendo longa e confusa para uns, mas contemplativa e inteligente para outros. Talvez um pouco de cada. No fim, principalmente botando a temporada inteira em perspectiva, Westworld mostra como continua poderosa e, ao contrário do que alguns também andam dizendo, não perdeu seu fôlego. Jonathan Nolan e Lisa Joy criaram um espetáculo de encher os olhos com visuais que só o orçamento da HBO permite, isso e a habilidade de deixar sua mente formigando com diálogos impecáveis e um dos enredos mais intrigantes da TV atual.
Que venha logo a terceira temporada, porque essa série tem um potencial gigantesco em mãos, assim como o próprio Ford demonstra em sua última cena, apontando para o horizonte enquanto se despede de Bernard.
“É naquela linha impossível, onde as ondas conspiram para retornar. Um lugar onde talvez nós voltaremos a nos encontrar”.