É impossível não gostar da tripulação da Enterprise, principalmente a da série original. Kirk, Scotty, McCoy, Uhura, Sulu, Chekov e Spock. Por isso é curioso lembrar que por pouco não tivemos um elenco bastante diferente. O episódio piloto da série, The Cage, foi ao ar em 1965 pela NBC, e mesmo que o responsável pela programação da emissora, Mort Werner, tenha se interessado , a série correu o risco de ter sido cancelada prematuramente por ser considerada “muito cerebral”.
No livro Inside Star Trek: The Real Story (1997), Herbert F. Sollow, produtor da Desilu, e o diretor assistente Robert H. Justment, atraíram atenção para os costumes e morais da América na época como a principal razão de a série não ter seguido em frente logo de início. Enquanto séries que eram queridinhas do público retratavam a mulher em sua maior parte cozinhando, reclamando ou sendo apenas uma “boa esposa”, Jornada nas Estrelas tinha uma oficial competente e independente, recebendo um bom espaço em tela sem cair nos estereótipos da época.
Número Um era como a personagem de Majel Barret foi chamada, provavelmente sabendo que a emissora poderia questionar um nome feminino nos estágios de produção do episódio. Primeira oficial, inteligente e extremamente capacitada, Número Um teria enorme destaque entre os protagonistas, mas logo após a exibição de The Cage, precisou ser cortada do elenco. Por ser bem querida entre os produtores, a atriz foi mantida durante a série original, mas como outra personagem sem tanto destaque, a enfermeira Christine Chapel.
As mudanças e cortes não pararam na Número Um. A primeira opção para capitão da nave não era William Shatner e sim Jeffrey Hunter. Antes mesmo de Kirk, existia Christopher Pike. Hunter, confrontado com a insatisfação e a não aprovação do piloto de Jornada nas Estrelas, decidiu largar a série, mas o personagem não foi apagado da cronologia, sendo usado mais tarde, no episódio duplo The Menagerie, da primeira temporada, onde décadas após os incidentes ocorridos no piloto, encontramos um Capitão Pike velho, cansado e desfigurado, interpretado por Sean Kenney. Esta também foi uma boa forma dos produtores manterem The Cage dentro da continuidade oficial da série, criando uma forma de retcon para alguns acontecimentos.
Mesmo sendo rejeitada pela emissora na primeira tentativa, Jornada nas Estrelas conseguiu algo sem precedentes: uma segunda chance. Pela primeira vez na história da televisão, uma série recebeu autorização para um segundo piloto, e Where no Man Has Gone Before foi o que oficializou e garantiu a primeira temporada.
As mudanças de um piloto para outro envolveram em sua maior parte o elenco. A saída de personagens como o doutor Boyce (John Hoyt), que mesmo bem interpretado, não trazia o carisma que DeForest Kelly carregava, dando lugar à McCoy, foram decisões que acabaram melhorando a dinâmica entre os personagens na série, mesmo que não fossem a primeira opção dos criadores.
Com os novos personagens, a tripulação ficou mais diversificada, fazendo com que as relações e os diálogos da série se tornassem bem mais interessantes quando tocavam em outros assuntos fora da trama principal de ficção científica.
Um dos grandes apelos de Jornada nas Estrelas era poder contar com seus personagens sempre que necessário; quando a ameaça principal do episódio não estava intrigante o suficiente, sempre poderíamos contar com os momentos mais íntimos dos tripulantes da Enterprise, como o desentendimento constante entre um lógico Spock e um temperamental McCoy, as pausas para uma bebida e um conselho de amigo de Scotty, e a esperteza de Kirk sob pressão, sempre elaborando um plano ou forma brilhante de escapar.
A série original é até hoje conhecida por quebrar várias barreiras culturais. Além de Uhura, uma personagem negra com destaque positivo na televisão (você pode ler mais sobre ela nesse especial que fiz), outras etnias tiveram seu espaço, como o personagem do nipo-americano George Takei, o oficial Hikaru Sulu, ou o russo Pavel Chekov, interpretado por Walter Koening. É importante lembrar que escolher um personagem russo no auge da guerra fria foi uma das várias decisões arriscadas de Roddenberry.
Pode ter sido um começo cheio de obstáculos e a série ainda continuou sofrendo com baixa audiência e cancelamentos da emissora, mas com o tempo transformou-se em uma das maiores e mais fortes franquias que o mundo já viu, audaciosamente indo!