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O começo de uma Jornada nas Estrelas

É impossível não gostar da tripulação da Enterprise, principalmente a da série original. Kirk, Scotty, McCoy, Uhura, Sulu, Chekov e Spock. Por isso é curioso lembrar que por pouco não tivemos um elenco bastante diferente. O episódio piloto da série, The Cage, foi ao ar em 1965 pela NBC, e mesmo que o responsável pela programação da emissora, Mort Werner, tenha se interessado , a série correu o risco de ter sido cancelada prematuramente por ser considerada “muito cerebral”.

No livro Inside Star Trek: The Real Story (1997), Herbert F. Sollow, produtor da Desilu, e o diretor assistente Robert H. Justment, atraíram atenção para os costumes e morais da América na época como a principal razão de a série não ter seguido em frente logo de início. Enquanto séries que eram queridinhas do público retratavam a mulher em sua maior parte cozinhando, reclamando ou sendo apenas uma “boa esposa”, Jornada nas Estrelas tinha uma oficial competente e independente, recebendo um bom espaço em tela sem cair nos estereótipos da época.

Número Um era como a personagem de Majel Barret foi chamada, provavelmente sabendo que a emissora poderia questionar um nome feminino nos estágios de produção do episódio. Primeira oficial, inteligente e extremamente capacitada, Número Um teria enorme destaque entre os protagonistas, mas logo após a exibição de The Cage, precisou ser cortada do elenco. Por ser bem querida entre os produtores, a atriz foi mantida durante a série original, mas como outra personagem sem tanto destaque, a enfermeira Christine Chapel.

O começo de uma Jornada nas Estrelas

As mudanças e cortes não pararam na Número Um. A primeira opção para capitão da nave não era William Shatner e sim Jeffrey Hunter. Antes mesmo de Kirk, existia Christopher Pike. Hunter, confrontado com a insatisfação e a não aprovação do piloto de Jornada nas Estrelas, decidiu largar a série, mas o personagem não foi apagado da cronologia, sendo usado mais tarde, no episódio duplo The Menagerie, da primeira temporada, onde décadas após os incidentes ocorridos no piloto, encontramos um Capitão Pike velho, cansado e desfigurado, interpretado por Sean Kenney. Esta também foi uma boa forma dos produtores manterem The Cage dentro da continuidade oficial da série, criando uma forma de retcon para alguns acontecimentos.

Mesmo sendo rejeitada pela emissora na primeira tentativa, Jornada nas Estrelas conseguiu algo sem precedentes: uma segunda chance. Pela primeira vez na história da televisão, uma série recebeu autorização para um segundo piloto, e Where no Man Has Gone Before foi o que oficializou e garantiu a primeira temporada.

As mudanças de um piloto para outro envolveram em sua maior parte o elenco. A saída de personagens como o doutor Boyce (John Hoyt), que mesmo bem interpretado, não trazia o carisma que DeForest Kelly carregava, dando lugar à McCoy, foram decisões que acabaram melhorando a dinâmica entre os personagens na série, mesmo que não fossem a primeira opção dos criadores.

Com os novos personagens, a tripulação ficou mais diversificada, fazendo com que as relações e os diálogos da série se tornassem bem mais interessantes quando tocavam em outros assuntos fora da trama principal de ficção científica.

Equipe Star Trek

Um dos grandes apelos de Jornada nas Estrelas era poder contar com seus personagens sempre que necessário; quando a ameaça principal do episódio não estava intrigante o suficiente, sempre poderíamos contar com os momentos mais íntimos dos tripulantes da Enterprise, como o desentendimento constante entre um lógico Spock e um temperamental McCoy, as pausas para uma bebida e um conselho de amigo de Scotty, e a esperteza de Kirk sob pressão, sempre elaborando um plano ou forma brilhante de escapar.

A série original é até hoje conhecida por quebrar várias barreiras culturais. Além de Uhura, uma personagem negra com destaque positivo na televisão (você pode ler mais sobre ela nesse especial que fiz), outras etnias tiveram seu espaço, como o personagem do nipo-americano George Takei, o oficial Hikaru Sulu, ou o russo Pavel Chekov, interpretado por Walter Koening. É importante lembrar que escolher um personagem russo no auge da guerra fria foi uma das várias decisões arriscadas de Roddenberry.

Pode ter sido um começo cheio de obstáculos e a série ainda continuou sofrendo com baixa audiência e cancelamentos da emissora, mas com o tempo transformou-se em uma das maiores e mais fortes franquias que o mundo já viu, audaciosamente indo!

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Quadrinhos

Por que você precisa ler O “IMORTAL HULK”

Texto publicado originalmente no site Rima Narrativa, em 28 de Julho de 2018, postado aqui com algumas atualizações.

Quando Matt Fraction começou com sua fase de Hawkeye (Gavião Arqueiro), não demoraram nem cinco edições e eu já estava elogiando e achando uma das melhores coisas que eu já li pela Marvel.

Isso há seis anos, quando ainda estava saindo nos EUA, e desde então eu não tive muitos motivos para criar outro texto especulando materiais promissores, e olha que tivemos o Visão, de Tom King, que eu gosto bastante, mas não tive a chance de debater por aqui. E por falar no King, ele também merece ser exaltado por seu trabalho comandando fase do Senhor Milagre.

Ainda assim, tivemos bons materiais das duas grandes editoras do mercado: Marvel e DC, mas nada que me impressionasse como Immortal Hulk.

Immortal Hulk

Escrita por Al Ewing, com artes de Joe Bennett (e capas de Alex Ross), essa série promete uma abordagem diferente para o gigante esmeralda, com uma ambientação muito mais aterrorizante, e não foi à toa que alguns estão comparando essa fase com a clássica do Monstro do Pântano, de Alan Moore e John Totleben. Isso faz sentido, já que as duas lidam um dilema existencial, uma atmosfera de mistério que paira por conta da presença destas figuras em qualquer lugar e o rastro de destruição deixado por eles.

Em Immortal Hulk, começamos tudo do jeito que muitos fãs já conhecem, com um Bruce Banner fugindo das autoridades, tentando se esconder entre a multidão e levar uma vida sem conflitos. Vale lembrar que essa história se passa depois dos acontecimentos da saga Guerra Civil II, de Brian Michael Bendis, que – sejamos honestos – foi um desastre.

Aqui os eventos da saga são brevemente mencionados através da narração de Banner: “Certa vez, pedi para um conhecido lançar uma fecha especial direto na minha cabeça. Foi uma situação complexa, vou te poupar dos detalhes”. E depois dessa sutil crítica ao que o personagem passou recentemente, é bom ver como até isso foi bem integrado no enredo, com a “morte” servindo como um novo pretexto para Banner deixar de ser o centro das atenções e vagar sem ser notado. Infelizmente, isso é quase impossível, porque a criatura verde parece ter uma voz cada vez mais forte na relação de médico e monstro dos dois, essa que é retratada aqui com uma mescla de horror e angústia. É como se o Hulk fosse, além de um acidente de laboratório, uma assombração. Não é uma ideia inédita, mas aqui é feita com um toque mais “refinado” que o normal.

Immortal Hulk

Tudo começa com um tiro. Um jovem assustado tenta roubar uma loja de conveniências mas acaba puxando o gatilho na hora errada. Além de matar uma adolescente, acerta Bruce Banner. Tomado pela fúria, Hulk decide fazer justiça com as próprias mãos e procura satisfação com o jovem e a gangue que o obrigou a fazer o roubo. A destruição causada pela criatura atrai a atenção das autoridades e dos noticiários.

No começo, a maior parte da trama tem mais foco na tensão criada pelo personagem e as reações de quem ele atinge do que apenas batalhas exageradas para mostrar o quão forte ele é. Essa proposta lembra bastante a série clássica da televisão, O Incrível Hulk, estrelada por Bill Bixby e Lou Ferrigno, que você pode acusar de datada o quanto quiser, mas tinha um bom roteiro e empresta um pouco dele para esse novo quadrinho, que não esquece de fazer pequenas referências aqui e ali, seja na manchete de um jornal ou na icônica imagem de Bixby solitário pela estrada.

Essa dinâmica forma uma narrativa com possibilidades para coisas incríveis, como a excelente edição #3, “Ponto de Vista”, formada por depoimentos de pessoas sendo interrogadas pela repórter Jackie Mcgee. Temos um policial, um barman, um padre e uma idosa, cada um mais esquisito, engraçado ou assustador que o outro  —  aliás, uma decisão criativa bem inteligente foi chamar desenhistas diferentes para ilustrar cada depoimento, como Leonardo Romero e Paul Hornschemeier.

immortal hulk

Immortal Hulk vem cumprindo todas as promessas com êxito, seja no roteiro detalhado de Ewing ou no traço forte de Bennett, que ao lado da arte finalização de Ruy José (ele, assim com Bennett, representa o Brasil lá fora. Isso é algo que eu sempre gosto de mencionar), deixa as coisas mais impactantes visualmente, com peso, mas sem ser grosseiro demais. É a quantidade certa de agressividade que uma HQ como essa precisa.

Depois de ter feito um tremendo sucesso com a crítica e vendendo até mais que o Batman nos EUA, o quadrinho finalmente chegou ao Brasil, pela Panini, em um encadernado que reúne suas cinco primeiras edições. Se você ainda não teve a chance de ler, está perdendo um dos materiais mais criativos dos últimos anos, talvez da Marvel inteira. Daqui para frente, torço para mais conteúdo nesse nível.

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Cinema

BACURAU | O Poder da História

MINHA PAIXÃO HÁ DE BRILHAR NA NOITE
NO CÉU DE UMA CIDADE DO INTERIOR
COMO UM OBJETO NÃO IDENTIFICADO
NÃO IDENTIFICADO (CAETANO VELOSO)

Considerando o cenário no qual o cinema brasileiro se encontra, desvalorizado por uma boa parcela do público e sendo atacado constantemente por forças políticas utilizando motivos talvez mais arbitrários do que se possa admitir, é admirável como a sétima arte resiste entregando filmes marcantes como Bacurau.

Co-escrito e dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, Bacurau é o sucessor de Aquarius, outra obra de Mendonça envolta em debates políticos por conta de um protesto contra o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, realizado pela equipe criativa durante o Festival de Cannes em 2016. Ainda que a obra tivesse alguma ligação com a “memória seletiva” do nosso país, ela não era tão evidentemente ferrenha em sua crítica ao atual momento político como é Bacurau.

“Daqui alguns anos” a pequena cidade de Bacurau sofre com a perda de Carmelita, uma das figuras mais importantes do lugar. Tentando seguir em frente, os habitantes continuam enfrentando a falta de recursos básicos, como água. Mas as coisas começam a realmente ficar estranhas quando percebem que aquela comunidade desapareceu do mapa e algo perigoso pode estar se aproximando do lugar.

Esse é o tipo de filme que não é estragado de forma alguma se pontos específicos da trama são revelados, mas vale a pena tentar assistir a obra sem repertório algum por conta da maneira como os diretores brincam com o cinema de gênero, inserindo elementos de western, fantasia e até um pouco de ficção científica. Os trailers tentaram entregar menos informação possível, então quem assiste o filme sem saber do que se trata pode acabar achando mais divertido se surpreender com os rumos tomados por ele. Eu não costumo ter problemas com coisas como spoilers, mas minha confusão inicial na primeira meia hora de sessão foi recompensada da melhor maneira possível, então acho justo indicar que assista sem saber do que realmente se trata. Por isso, tento deixar essa crítica voltada na maior parte aos temas e a condução geral de Mendonça e Dornelles.

Bacurau

Não é difícil encontrar paralelos entre a situação dos cidadãos de Bacurau e o que o nordeste vem passando nas mãos do atual governo, mas o filme não foca apenas na negligência e a ignorância evidente de pessoas que procuram diminuir uma classe já afetada, ele vai além. Nos últimos anos, temos visto um aumento assustador de pessoas procurando legitimar um passado lastimável para justificar um comportamento agressivo e arrogante, sem contar aquelas que acreditam estar inseridas em um grupo privilegiado da sociedade, mas no fim estão sendo usadas como todos os outros.

Os personagens interpretados por Karine Teles e Antonio Saboia são apresentados como dois forasteiros de propósito duvidoso, mas algumas características envolvendo sua naturalidade e o desejo de fazer parte do núcleo antagônico do filme deixam clara a intenção dos diretores em exibir um país onde alguns de seus habitantes não hesitam em entregá-lo de bandeja para o exterior (no caso, a América do Norte e a Europa) pela chance de serem vistos como “iguais”. É uma lástima reconhecer que sequências como esta são as menos fantasiosas do longa.

Em contraste ao comportamento “insatisfeito” dos brasileiros inseridos no grupo dos forasteiros, podemos ver como a pequena comunidade exibe com orgulho seu modesto museu e mantém suas tradições, praticando capoeira e tomando suas substâncias psicotrópicas sem problema.

“Ele só sai de noite. Ele é bravo!”

Ainda sobre o elenco, Udo Kier é a grande surpresa. O veterano alemão assume o papel de liderar o núcleo antagonista, e o pouco que posso dizer é que ele opera em um nível mais sério que seus companheiros, por vezes caracterizados de maneira um pouco caricata, como no caso dos personagens de Brian Townes ou Julia Marie Peterson; mas por estarmos diante de um exercício do diretor em explorar o cinema de gênero, com ecos que vão de John Carpenter a Paul Verhoeven, essa abordagem é mais que bem-vinda.

Bacurau

Na comunidade de Bacurau encontra-se todo tipo de habitante, e nós conhecemos personagens cativantes, como Pacote, interpretado por Thomas Aquino; ou Lunga, de Silvero Pereira. Os dois são homens fortes do cotidiano violento, fazendo o que for necessário pelo seu povo. É pertinente que Mendonça também traga de volta alguns atores com quem já colaborou, como Bárbara Colen e Sônia Braga. Colen pode ser vista como a protagonista do longa, mas é toda a população de Bacurau que forma o coração da obra. A atriz tem a tarefa de carregar uma interpretação mais contida e calma, o que funciona bem em contraste com a personagem de Braga, a enfermeira Domingas, outro desempenho excelente da atriz, que vai na contramão do que realizou em Aquarius, apresentando aqui uma mulher mais arisca e frágil.

A direção de Mendonça e Dornelles respeita todos os gêneros que pretendem experimentar, com um pouco da atmosfera voltada para o suspense e o terror e a montagem de ação faroeste, com transições e fusões simples, mas eficazes. O filme também é bastante sensorial, como na tomada aérea inicial ao som de “Não Identificado”, na voz de Gal Costa, onde esbarramos em um satélite e encaramos a geografia do estado. Outro tópico que vale menção é o uso da violência, que pode criar um debate arriscado sobre o que os diretores querem passar de verdade, mas essa é uma obra de reação bastante simbólica, não há arma mais poderosa que conhecer a própria história, o que faz de escolas e museus abrigos impenetráveis. Podemos ver como Bacurau protesta e faz questão de manter viva a nossa identidade, sem esquecer daqueles que morreram para protegê-la.

“E quem nasce em Bacurau é o quê?”
“É gente”

Bacurau
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Cinema

A Seita Misteriosa (2011) | Uma voz do Futuro

Brit Marling e Zal Batmanglij são uma dupla fascinada por narrativas com elementos de ficção científica. Ela atuou e co-escreveu todos os projetos de Zal para o cinema, além de protagonizar a série The OA. O primeiro projeto deles foi o curta The Recordist, de 2007, sobre uma personagem paranoica que acredita estar diante de uma forma de vida alienígena quando encontra Charlie, interpretada por Marling. Essa premissa parece ser bastante confortável para a dupla, já que continuaram abordando temas parecidos sobre conspiração, realidades absurdas e delírio em seu primeiro longa metragem, A Seita Misteriosa (Sound of My Voice, no original), em 2011.

Peter Aitken e Lorna Michaelson são um casal preparando um documentário sobre um culto dedicado a adorar Maggie, uma jovem misteriosa que alega ter vindo do futuro. Com cada nova sessão, eles encontram jeitos diferentes de tentar capturar algum tipo de fraude com uma câmera escondida, mas não contam com a sequência de eventos que os fará questionar tudo em acreditam.

A Seita Misteriosa

Para combinar com a proposta dos protagonistas, algumas partes de A Seita Misteriosa são filmadas em um formato documental, com imagens de arquivo e um ótimo trabalho de montagem, com inserções repentinas contribuindo para a construção do drama entre os personagens, exibindo informações sobre o passado de cada um.

Christopher Denham e Nicole Vicius interpretam Peter e Lorna, respectivamente. Eles são competentes e mantém o interesse do público, mas é Marling, interpretando Maggie, que faz do filme algo diferente. A atriz tem o costume de estar no papel de figuras mais passivas e menos intimidadoras, mas aqui ela alterna entre um Messias procurando abraçar todos com um sorriso acolhedor e um olhar ameaçador que te faz entregar qualquer segredo. É difícil saber onde o filme está indo por conta disso, o que é um tremendo feito da atriz.

Essa é uma produção de orçamento modesto, o que eu costumo valorizar mais que qualquer blockbuster quando tem um bom resultado mesmo com todas as possíveis limitações. Execução é tudo e Zal Batmanglij explora ângulos simples mas eficazes durante sua apresentação do ambiente carregado de tensão na sala onde o culto é realizado. Sua noção de ritmo também contribui positivamente para a obra, que poderia ser bem mais lenta (e faria total sentido), mas acaba ficando tão dinâmica e envolvente que o desfecho parece chegar de maneira quase abrupta — e vale mencionar aqui que considero a conclusão a melhor opção possível para uma história como essa.

A Seita Misteriosa

A Seita Misteriosa é simples e direto ao ponto, podendo extrapolar um pouco e arriscar entrar em território mais desnecessariamente absurdo, algo que eu adoro mas não faz sentido na narrativa mais realista que Brit e Zal constroem. Com pequenas ressalvas sobre o elenco coadjuvante ser pouco aproveitado ou a estrutura do filme em “capítulos” (a proposta original era de que a história fosse uma série) com sequências curtas demais, o que talvez distraia alguns. Mas ainda assim, há mais pontos positivos que farão você começar a questionar suas próprias crenças. Um bom roteiro, elenco e diretor é tudo que um filme precisa.

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Cinema

A Outra Terra (2011) | Fugindo do passado

Brit Marling é conhecida por tentar manter a mesma equipe criativa em seus projetos. A roteirista e atriz esteve em todos os filmes de Zal Batmanglij, co-escrevendo longas como A Seita Misteriosa e a excelente série The OA. Mas outra colaboração que rendeu ótimos filmes foi ao lado de Mike Cahill, com quem Brit já namorava há alguns anos. Em 2011, os dois escreveram A Outra Terra (Another Earth), um filme de baixo orçamento mas bastante criativo, com a direção de Cahill. Como a maioria das criações dela, o longa é carregado de elementos de ficção científica, mesmo que de maneira sutil.

Rhoda Williams (Brit Marling) foi aceita no MIT, e para comemorar passa a noite se divertindo com amigos. Na mesma noite, um planeta similar ao nosso surge nos céus e é chamado de Terra 2. Distraída com o fenômeno, Rhoda não percebe quando bate seu carro em outro, resultando na morte do filho e da esposa grávida do compositor John Burroughs (William Mapother). Quatro anos depois, ela sai da prisão e retorna para a casa dos pais. Fica difícil aceitar a vida, então decide se inscrever em um concurso que levará alguém para a Terra 2, mas antes precisa confrontar o homem cuja vida ela destruiu.

A premissa é instigante, mas é a execução que realmente chama a atenção. Uma solução inteligente do roteiro foi jamais permitir que chegássemos ao outro planeta. Com exceção de uma pequena tomada da protagonista se imaginando em uma cápsula espacial, a totalidade do filme se passa na Terra “original”. A viagem para a Terra 2 é apenas um recurso narrativo, serve como plano de fundo para um drama delicado sobre os traumas da perda de Burroughs e a dificuldade de Rhoda para seguir em frente.

A Outra Terra

Cahill tem uma direção simples e orgânica, com segmentos de câmera na mão, mas sem deixar de lado alguns belos visuais. Há também algumas referências literárias sci-fi fáceis de notar, como uma edição do livro de Fundação, clássico de Isaac Asimov, na mesa de Rhoda. Quanto ao roteiro, temos um enredo com foco nos personagens e alguns bons diálogos, mesmo que as informações sejam reveladas gratuitamente para que a trama não fique travada. Não é algo ruim, mas desnecessário, considerando a inteligência que o filme demonstra.

A Outra Terra é um daqueles filmes pouco apreciados, mas que mereciam bem mais reconhecimento por sabe o que fazer com o orçamento modesto e todas as restrições sem comprometer sua qualidade.

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Gene Roddenberry, o pai de Jornada nas Estrelas

Eugene Wesley Roddenberry começou sua carreira em Hollywood na década de 50, vendendo roteiros para programas como a série policial Cidade Nua (1958-1963) e o western Paladino do Oeste (1957 – 1963). Foi em 63 que ele começou a produzir sua primeira série, O Tenente, que durou apenas uma temporada. Atores que fizeram parte do elenco em alguns episódios, como Leonard Nimoy e Nichelle Nichols, mais tarde estariam no seu próximo grande projeto.

Gene Roddenberry

Jornada nas Estrelas foi apresentada e recusada por estúdios como MGM (onde Gene já havia trabalhado, com O Tenente), até que Oscar Katz e Herb Solow, do estúdio de produção Desilu (propriedade de Lucille Ball, um dos nomes mais importantes para a criação de Jornada, acredite ou não), foram abordados com a ideia.

O estúdio ficou interessado e fez o possível para que a série de Roddenberry fosse ao ar, procurando emissoras que pudessem exibir o programação. Foi com a NBC que conseguiram um contrato e em 1964, o episódio piloto “The Cage” foi ao ar.

Apelidado pelos fãs de “Grande Pássaro da Galáxia”, uma referência à um episódio da série, Roddenberry era o rosto por trás dos conceitos básicos de Jornada nas Estrelas, era o mentor da série. Mesmo quando não estava por perto, era a sua visão que os roteiristas levavam em consideração antes de decidir a maioria dos acontecimentos de algum episódio. Ele viveu o suficiente para ver sua criação ir parar nos cinemas, ganhar novas séries, quadrinhos, livros e suas próprias convenções.

Foi no mesmo ano em que a franquia estava em seu sexto filme com o elenco da série original, The Undiscovered Country (1991), que Roddenberry nos deixou, sofrendo um ataque cardíaco em outubro. Seu legado inclui ser o primeiro produtor da televisão a ter sua própria estrela no Hollywood Hall of Fame (PEARSON, 2014), membro do conselho executivo do Sindicato de Roteiristas de Hollywood e regulador da Academia de Artes & Ciências Televisivas.

Um anos após sua morte, as cinzas de Roddenberry foram levadas ao espaço a bordo do foguete Columbia, do Centro Espacial Kennedy, em 22 de Outubro de 1992. Contidas em um pequeno recipiente que servia como urna, as cinzas do grande pássaro foram espalhadas no espaço, onde após seis anos orbitando o nosso planeta, queimou na atmosfera

Roddenberry

Referências:
NOGUEIRA e ALEXANDRIA, 2009:16.
PEARSON, 2014

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O poder da fala em “Star Trek: A Nova Geração”

Se tem uma série que contribuiu para transformar a ficção científica em um dos gêneros mais intrigantes na televisão é Jornada nas Estrelas. Revolucionária em vários aspectos (alguns deles já mencionei no meu texto sobre Uhura e seu impacto cultural), essa é uma franquia que trouxe algumas das melhores narrativas que já passaram pela TV ou cinema — dependendo de qual filme você estiver assistindo, é claro.

Todo fã de Jornada tem um spin-off favorito, olha que não falta opção, e por mais que eu adore a equipe da versão clássica ou a abordagem mais séria de Deep Space Nine, encontro o equilíbrio perfeito em A Nova Geração. Ótimos personagens e um enredo excepcional renderam alguns episódios memoráveis e uma aula de como uma boa história sci-fi deve ser escrita. Um desses episódios é Darmok, o segundo episódio da quinta temporada, escrito por Philip LaZebnik e Joe Menosky e dirigido por Winrich Kolbe.

Uma das características mais curiosas da série é a exigência de Gene Roddenberry, criador do universo Trek, em evitar conflitos na trama, mantendo consistente a proposta utópica da franquia de um futuro onde não há fome ou a necessidade por posse. Isso faz com que a vida dos roteiristas seja um inferno, afinal como escrever qualquer história sem conflito? É uma das noções básicas de qualquer estrutura narrativa, mas não é como se fosse tão extremo assim, ainda temos conflitos básicos em Jornada nas Estrelas, seja internos ou externos, envolvendo geralmente as relações entre o homem e a natureza, ou ele mesmo. O próprio dilema envolvendo a primeira diretriz, o princípio de que nenhum membro da federação deve interferir no desenvolvimento de outras civilizações, já é um conflito em si, por vezes fazendo com que os personagens entrem em um impasse que pode afetar a dinâmica geral.

Com um foco maior em executar a trama de maneiras mais inteligentes, onde um diálogo tem mais poder que qualquer raio laser disparado por um phaser, não faltam episódios onde a tripulação da Enterprise simplesmente não possui um antagonista principal direto — até mesmo os Borg, mesmo que antagonistas, servem mais como inimigos involuntariamente, já que seu papel é assimilar e aprender, evoluir e sobreviver. Talvez o maior adversário da franquia, ou o mais popular, seja Khan, mas não falaremos dele aqui.

Picard sendo assimilado no especial "The Best of Both Worlds"
Picard sendo assimilado no especial “The Best of Both Worlds”

Considerando a maneira como Jornada desenvolve sua trama, um episódio sempre me vem em mente, e é Darmok, da quinta temporada de Nova Geração. Essa é uma história que mostra a importância da comunicação, tornando-a uma das ferramentas essenciais para a vida. No episódio, a Enterprise se aproxima do território de uma raça conhecida como Filhos de Tamar, aparentemente pacífica, que está tentando entrar em contato com a frota. Mas quando Picard tenta sua abordagem diplomática rotineira, é transportado pelos tamarianos para um planeta próximo, El-Adrel IV, acompanhado de Dathon, o capitão da nave dos Filhos de Tamar. Tudo parece uma grande armadilha para que Picard e Dathon combatam até a morte, mas aos poucos descobrimos as verdadeiras intenções da raça e a importância em escolher Picard para o “combate”.

Picard é um estudioso, apaixonado por arqueologia e história, ele é a pessoa perfeita para a missão dos tamarianos, que arriscaram tudo confiando no capitão da Enterprise. Quando ele começa a falar com Dathon, escuta coisas como “Darmok e Jalad em Tanagra” ou “Shaka, quando as muralhas caíram”, o que não faz sentido algum para nós, mas Picard percebe a peculiaridade no discurso da raça, que se comunica por metáforas inspiradas em sua própria mitologia. Dathon usa nomes como Darmok, Jalad ou Shaka, mas essas são figuras de uma cultura única, o que impossibilita uma tradução universal. Assim, os dois passam a maior parte do tempo tentando conversar e se unir contra uma criatura misteriosa na superfície daquele planeta.

Enquanto as duas tripulações se preocupam com seus capitães, compreendemos a ideia dos tamarianos, colocando os dois líderes em uma situação de perigo para que desenvolvam uma ligação e tornem-se companheiros. É na batalha que os laços são forjados com mais força, como aconteceu quando os guerreiros Darmok e Jalad “trabalharam juntos” para sobreviver em Tanagra (daí o Darmok e Jalad em Tanagra), mas desta vez temos Picard e Dathon em El-Adrel.

Dathon ensina Picard
Dathon ensina Picard

Essa é uma maneira diferente de primeiro contato, sem contar arriscada, e por isso temos um dos melhores episódios da franquia, com um roteiro tenso e bem executado, sem contar a perfeita atuação de Patrick Stewart em pequenos momentos maravilhosos, consolando seu novo amigo e contando algumas de nossas próprias histórias, incluindo o épico de Gilgamesh, que carrega vários paralelos com a relação dos dois capitães.

Darmok é o tipo de episódio que melhor representa Jornada nas Estrelas, uma série sobre respeito e compreensão, onde outra cultura é aceita de braços abertos. Os tamarianos se sacrificaram por algo que consideravam o mais importante: compartilhar suas histórias e contribuir para a construção de uma nova.

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Cinema

Ataque ao Prédio | Defendendo o bairro de alienígenas

Alguns filmes simplesmente passam despercebidos por algumas pessoas, e esse é o caso de Ataque ao Prédio, que não recebeu a atenção merecida quando foi lançado mas agora deve estar na lista de indicações de qualquer um. É uma produção pequena, com pouco orçamento (algumas páginas tiveram que ser retiradas do roteiro por conta disso), mas com uma proposta que funciona muito bem.

Sam (Jodie Whittaker) vive em um dos bairros mais violentos de Londres, tanto que uma noite é assaltada por uma gangue local, mas essa vira a menor de suas preocupações quando uma criatura cai dos céus e faz com que ela se una aos criminosos para evitar uma invasão alienígena. A gangue é formada por jovens que não parecem saber muito bem o que estão fazendo, mas ainda assim tentam salvar a cidade, independente da quantidade de traficantes e policiais atrás deles.

Dirigido por Joe Cornish, o longa tem uma premissa simples mas o enredo não se limita a ação e comédia, tendo ótimos diálogos com comentários ácidos sobre a negligência e a brutalidade policial e até uma alfinetada na maneira como as produções norte-americanas assumem o “protagonismo” de seu país durante invasões alienígenas. Você pode notar a maneira como o filme abraça o dialeto urbano de Londres, cheio de gírias e piadas envolvendo a tentativa de todos os jovens em assumir uma identidade intimidadora naquele ambiente.

Ataque ao Prédio

Parte do que faz a comédia funcionar tão bem é o elenco. Jodie Whittaker costuma ser creditada como a protagonista, mas ela divide esse título com um John Boyega pré-Star Wars, interpretando Moses, o líder da gangue do bairro. Moses tem uma jornada significativa, descobrindo seu papel no mundo e a importância de assumir responsabilidades, tentando deixar de lado sua antiga imagem para provar ser mais que apenas um criminoso. Seus amigos Pest (Alex Esmail), Jerome (Leeon Jones), Dennis (Franz Drameh) e Biggz (Simon Howard) servem mais como alívio cômico – Pest sendo outro personagem com alguma mudança pessoal mais relevante. Além deles, Luke Treadaway e Nick Frost tem uma participação pequena, mas são ótimos de ver.

Outro mérito do filme é a criatividade da equipe na criação do design das criaturas alienígenas, utilizando efeitos práticos e uma boa noção de luz e sombra para mostrar apenas o necessário, deixando pouquíssimos exemplos de efeitos computadorizados, como nas sequências onde várias criaturas eram visíveis (considerando o fato que não haviam trajes o suficiente nos bastidores para interpretá-las).

Ataque ao Prédio

Ataque ao Prédio tem um ritmo rápido e dinâmico e é inteligente na hora de empregar a música, um excelente trabalho da equipe de montagem, o que fez com que as situações cômicas e as cenas de ação sejam impactantes, mesmo com as restrições orçamentárias. É uma experiência divertida e rápida (o filme tem apenas uma hora e meia) que provavelmente agrada até aqueles fascinados por um pouco de gore, porque não falta sangue alienígena jorrando na câmera. Indicação sólida que espero agradar vocês.

Ficha Técnica
Título Original: Attack The Block (2011)
Direção de Joe Cornish
88 Minutos

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Cinema

Viagem à Lua | A Chegada da Ficção Científica no Cinema

Traçar a origem da ficção científica é uma tarefa complexa em vários meios, mas quando falamos sobre cinema, é comum considerar Viagem à Lua (Le Voyage dans la Lune, no original), de 1902, dirigido por Georges Méliès, o precursor do gênero na sétima arte. Ainda que tenhamos alguns filmes (na época apenas curta metragens) onde elementos fantasiosos sejam encontrados da narrativa, nenhum foi tão dedicado a uma jornada épica assumindo tantos princípios da ficção científica como a obra de Méliès.

O que pode parecer apenas um filme de treze minutos com uma premissa simples envolvendo um grupo de exploradores em missão à lua que se depara com os habitantes de nosso satélite natural, é na verdade um dos maiores feitos da história do cinema. Para entender melhor o filme e sua importância, devemos abordar Georges Méliès, a figura responsável por transformar imagens em movimento em uma expressão artística única.

Considerado por muitos (inclua cineastas do calibre de Martin Scorsese nesta afirmação) como um mágico do cinema, Méliès foi essencial para o avanço do cinema como arte, contribuindo com soluções inteligentes para realizar efeitos visuais em uma época onde a edição de películas era um conceito inovador. O uso de sobreposição e a experimentação com técnicas de stop-motion também tornaram-se populares por sua conta, além de ser creditado como um dos primeiros, se não o primeiro, a utilizar storyboards em suas produções. Vale mencionar que o diretor chegou a se dedicar ao árduo trabalho de colorir cada fotograma à mão para que o público pudesse ter uma experiência de como o filme seria com um visual mais vibrante. 

Francês, nascido em 1961, Méliès sempre mostrou interesse pelo teatro e trabalhou por um tempo desenvolvendo espetáculos ilusionistas, mas foi apenas quando atendeu uma das apresentações cinematográficas dos Irmãos Lumière que ficou fascinado, se deparando com a invenção do cinematógrafo. Os Lumière recusaram vender o aparelho para Méliès, que via o potencial da descoberta para entreter o público, mas os irmãos consideravam sua novidade uma contribuição puramente científica, não artística.

Fotograma de Viagem à Lua
Fotograma de Viagem à Lua (1902)

É curioso como a dupla é geralmente creditada como a responsável por inventar o cinema, mas nem sempre o ilusionista francês recebe a atenção merecida. Felizmente, Méliès comprou um dos dispositivos do eletricista Robert William Paul (outra figura pertinente para a história do cinema) e começou a exibir seus filmes no teatro Robert Houdin, mas não demorou para arriscar e utilizar a tecnologia de maneira revolucionária, tirando a câmera do lugar e escolhendo ângulos que favoreciam a narrativa. A criação dos Lumière evoluiu graças aos filmes de Méliès, e nenhum foi tão impressionante até o momento como Viagem à Lua.

Como mencionada anteriormente, a trama do filme é bem simples, mas o impressionante aqui não é o enredo em si, mas a narrativa visual do diretor. Se em 1968 o público ficou admirado com 2001 — Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, e a maneira como tivemos uma elipse de milênios que serve como transição para a sequência inicial dos nossos ancestrais em contato com o monolito, imagine como foi a reação das pessoas ao ver um enorme projétil sendo lançado de um canhão e atingindo o olho da lua logo em seguida. Essa imagem não é icônica apenas por seu apelo visual, mas pelo magnífico esforço de Méliès em executar sua obra usando técnicas completamente inovadoras para a época.

Não há registros da recepção exata do público na época, mas o filme foi tão bem aceito que logo foi encomendado por vários lugares interessados em exibir a obra. Vários negativos da película foram roubados e copiados, e até Thomas Edison se envolveu nisso, removendo o nome do diretor nos créditos. 

Ao longo dos anos, várias imitações de Viagem à Lua foram surgindo, como o caso mais gritante de todos, Excursion dans la Lune(1908), de Segundo de Chomón, um plágio descarado da obra de Méliès, carregando tomadas idênticas e recriando a sequência do projétil sendo lançado ao espaço, desta vez sendo engolido pela lua. Chomón não foi o único, mas dedicou parte da sua carreira tentando fazer filmes envolvendo viagens fantásticas, e mesmo com essa “mancha no currículo” teve suas próprias contribuições para a sétima arte, como o excelente Le voyage sur Jupiter (1909)e o processo de colorização desenvolvido em conjunto com a Pathé, uma das maiores companhias de produção cinematográfica do mundo.

Fotograma de Viagem à Lua (1902)
Fotograma de Viagem à Lua (1902)

Com dificuldade para se manter relevante em uma indústria em crescimento, Méliès abandonou o cinema. Muitos de seus filmes foram perdidos, alguns queimados e o que restou foi restaurado por estudiosos alguns anos depois, surpreendendo o diretor, que pensava ter sido esquecido. Você pode saber mais sobre isso assistindo o filme A Invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese, uma grande carta de amor para Méliès e os primórdios do cinema.

Viagem à Lua é uma obra que resistiu ao tempo e fascinou as pessoas, uma adaptação dos textos de Júlio Verne interpretada por um visionário essencial para a história do cinema e da ficção científica.

Assista o filme: 

Assista também os filmes de Segundo de Chomón!
Excursion to the Moon (1908): https://bit.ly/2GqkvSq
A Trip to Jupiter (1909): https://bit.ly/2Y9ocC3

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Cinema

Filmes para comemorar os 50 anos da chegada à lua

50 anos da chegada do homem à lua.

Há 50 anos tivemos um dos maiores momentos de nossa história. Foi em 20 de Julho de 1969 que Neil Armstrong transmitiu a icônica declaração: “Esse é um pequeno passo para o homem, um enorme salto para a humanidade”. E como os filmes adoram representações e grandes feitos para fascinar o público, é óbvio que o pouso lunar seria um dos assuntos mais abordados pela sétima arte. Assim, decidi separar alguns filmes com a temática para assistir e entender um pouco mais dos bastidores desse evento. Nem todos são maravilhas cinematográficas, mas trazem algo para o debate, seja lidando diretamente com o primeiro pouso na lua ou com acontecimentos que desencadearam o evento. Vamos lá.

O Primeiro Homem (2018)

Um dos mais recentes da lista é o longa dirigido por Damian Chazelle. Primeiro Homem traz um ângulo diferente sobre a exploração espacial, dando um foco maior no cotidiano dos astronautas que logo estariam à bordo da Apollo 11. É uma boa escolha para compreender as preocupações de todos os envolvidos na missão.

Seja na terra ou na lua, o filme tem um tratamento visual primoroso, com aquele aspecto mais granulado da imagem, comum da gravação em película, que é bom e ajuda na textura e a aparência estética da década na qual o filme se passa. Ao lado do diretor de arte, Linus Sandgren, Chazelle usou o mais comum 35mm na maior parte do filme, mas para as tomadas espaciais preferiu o efeito IMAX do 70mm. O resultado é uma experiência sensorial marcante. Leia a crítica do filme aqui.

O Primeiro Homem

Os Eleitos: Onde o Futuro Começa (1983)

Um dos melhores desta lista, Os Eleitos foi escrito e dirigido por Philip Kaufman e o resultado é uma das obras mais envolventes sobre a exploração espacial, focando no alistamento da equipe responsável pelo Projeto Mercury. O filme mescla muito bem o drama com a comédia e o resultado é uma sátira sobre a maneira como a Nasa e o governo dos EUA tentaram desesperadamente superar os russos na corrida espacial. Ainda assim é uma das produções mais emocionantes sobre o assunto, com um ótimo elenco composto por nomes como Ed Harris, Dennis Quaid e Barbara Hershey, sem esquecer a maravilhosa trilha sonora de Bill Conti.

Os Eleitos: Onde o Futuro Começa

Estrelas Além do Tempo (2016)

Muito se fala sobre os homens envolvidos na missão para a lua, mas Estrelas Além do Tempo explora a vida de três matemáticas que foram essenciais para as pesquisas da Nasa. Além de serem mulheres, elas são afro-americanas e sofrem constantemente com o sexismo e racismo da época.

O filme foi dirigido por Theodore Melfi, que fez um trabalho competente em retratar a ambientação da década, mas o destaque está no elenco, com as atrizes Taraji P. Henson, Octavia Spencer e Janelle Monáe interpretando Katherine G. Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson, respectivamente. A obra concorreu ao Oscar em três categorias e merece ser assistido por conta da atenção dada às heroínas que infelizmente passaram anos sem receber a merecida atenção.

Estrelas Além do Tempo

Apollo 13: Do Desastre ao Triunfo (1995)

Ron Howard não é um dos meus diretores favoritos, mas Apollo 13 é um longa que merece ser assistido. Ele narra mais uma jornada da humanidade, desta vez indo à bordo da Apollo 13, na missão que ficou conhecida pelos obstáculos que enfrentou para retornar os astronautas em segurança ao seu planeta de origem.

Aqui decidi colocar um filme que se passa depois da primeira missão espacial por abordar um lado contrário da Apollo 11, onde os membros tiveram que lidar com problemas durante a viagem em si. Esse é outro caso onde a direção é decente e o roteiro é bom, mas é o trabalho de montagem e o elenco que realmente fazem o filme funcionar, com estrelas como Tom Hanks, Bill Paxton, Kevin Bacon e, mais uma vez, Ed Harris, que esteve em Os Eleitos.

Apollo 13: Do Desastre ao Triunfo

Lunar (2009)

Agora vamos para o futuro, um onde a humanidade precisa de recursos encontrados apenas na lua. Assim somos introduzidos a Sam Bell, interpretado por Sam Rockwell, que passa três anos isolado em uma instalação lunar para recolher matéria prima. Sua única companhia é o computador inteligente, GERTY, e a solidão toma conta do personagem, fazendo com que tenha alucinações.

Sam Rockwell é um grande ator, um dos meus favoritos, e ele é capaz de manter sua atenção durante o filme inteiro com seu personagem adquirindo cada vez mais camadas no desenvolver da trama, mesmo que esteja apenas falando sozinho.

Lunar (2009)

Viagem à Lua (1902)

Le voyage dans la lune, de Georges Méliès, é essencial nesta lista por ser um dos primeiros filmes a fascinar o público com a possibilidade do que a humanidade pode conquistar, e com a magia que o cinema pode criar. Utilizando técnicas inovadoras de sobreposição, pintura e stop-motion, Méliès foi pioneiro na arte e decidiu trazer uma de suas várias adaptações das obras de Júlio Verne, desta vez sobre um grupo de homens lançados ao espaço em uma cápsula que atinge a lua no olho e resulta em uma perseguição envolvendo criaturas da superfície da nossa estrela.

Méliès foi um gênio da sétima arte capaz de seduzir o público com seus visuais que remetem uma ambientação onírica, cheia de figuras fantasiosas e interpretações abstratas. Um filme belíssimo que moldou o jeito como vemos o cinema e aumentou nosso interesse em alcançar o espaço.

Viagem à Lua (1902)

Para Toda a Humanidade (1989)

É claro que eu não deixaria de mencionar um documentário sobre o assunto. Existem vários, mas acho que nenhum captura tão bem o sentimento de fazer parte dos bastidores das missões Apollo como For All Mankind. O diretor, Al Reinert, destaca o elemento humano neste documento que reúne as partes que ele considerou as mais emocionantes de todo o projeto espacial, dando atenção aos astronautas e a cabine de controle.

Visuais inacreditáveis e relatos dos envolvidos fazem deste filme uma experiência como poucas, venha pela curiosidade de saber mais sobre o processo dos astronautas e fique pela impressionante jornada.

Para Toda a Humanidade (1989)

Menções honrosas para o pouco conhecido, mas envolvente, The Dish (2000), e para a comédia Moonwalkers (2015). E antes de me despedir, deixo com vocês o trailer de Apollo 11, um novo documentário com imagens remasterizadas sobre a missão espacial que estamos comemorando.

Deixe nos comentários qual seu filme favorito sobre o assunto!