Não é difícil entender como Neuromancer tornou-se um clássico. O livro de William Gibson tem um enorme peso na história da ficção científica, principalmente por conta de todos os elementos que contribuíram para a construção do imaginário do gênero, como a introdução de conceitos sobre ciberespaço antes mesmo da popularização da internet (o livro foi lançado originalmente em 1984) ou a maneira como explorou e virou uma referência cyberpunk.
Na obra de Gibson, o virtual substitui o cotidiano da vida real. Seguimos Case, um hacker talentoso, porém infeliz em todos os outros sentidos, lidando com as consequências de ter usado suas habilidades para roubar um de seus empregadores. Como se não bastasse estar impossibilitado de acessar a matrix (em outras palavras, a rede global de computadores), o hacker descobre estar sendo caçado. Assim, com a oportunidade de recuperar seu acesso e consertar o passado, Case segue em uma missão arriscada.
O que Neuromancer faz é estruturar um mundo com componentes quase arquétipos para o cyberpunk, ajudando na sua popularização. As concepções triviais da tecnologia diegética, assim como a qualidade de vida precária, estão presentes ao longo do enredo. Tudo isso por conta do texto bastante descritivo de Gibson, que faz questão de capturar as minúcias do ambiente e das sensações dos seus personagens. É uma decisão arriscada com chance de dividir alguns leitores que talvez se distraiam com a narrativa do livro, como aconteceu comigo.
“O céu sobre o porto tinha cor de televisão num canal fora do ar”
Esse é o primeiro romance de William Gibson, que até o momento trabalhava com contos. É impressionante ver seu uso de uma linguagem capaz de mesclar gírias, termos tecnológicos e filosóficos, sem contar todo o impacto cultural causado pela obra, uma conquista inquestionável. Não são apenas todos os termos cunhados pelo autor, mas os temas que explora envolvendo inteligência artificial, consciência e até terrorismo virtual, se mantêm relevantes até hoje. É claro que nenhuma expressão artística tem a obrigação de ser atual, muitas vezes o debate com os obstáculos de seu tempo é exatamente o que faz de algumas obras uma representação perfeita de nossa evolução, conquistando assim o atemporal.
Mas embora seja um documento importante para qualquer um interessado em compreender a construção da ficção científica como a conhecemos, Neuromancer por vezes se equilibra em uma corda bamba narrativa, beirando o desnecessário com descrições longas e redundantes (mesmo levando em conta a estrutura inovadora), possivelmente resultado das constantes reescritas de Gibson por não ter certeza da conclusão de sua história. Também temos bastante tensão mas pouco peso dramático, com um aspecto distante e insólito. Isso não tira nenhum dos méritos mencionados no parágrafo anterior, mas por focar mais em apresentar os fundamentos de seu mundo e estabelecer conceitos instigantes, Gibson acaba caindo em uma armadilha construída pelo seu próprio estilo, deixando o enredo quase previsível, principalmente considerando as influências noir nas características básicas dos personagens, esses delegados a diálogos repetitivos e monótonos.
Em Neuromancer podemos encontrar similaridades com a abordagem textual de Philip K. Dick, conhecido por explorar temas arriscados e experimentar com uma estrutura que serve para “desnortear” o leitor, alternando entre tempo e espaço constantemente. Infelizmente, não é toda vez que isso funciona e em algumas instâncias as transições tendem a ser abruptas demais, o que pode afetar negativamente o ritmo da leitura.
O clássico de William Gibson merece todos os créditos por ter introduzido milhares de leitores a um dos subgêneros mais envolventes da ficção científica, e devo mencionar sua inteligência para debater temas tão pertinentes, mas a maneira como constrói o drama de seus personagens (alguns quase caricatos) e depende demais de seu próprio estilo acabam tirando um pouco do brilho do que poderia ser uma leitura menos trabalhosa e um tanto enfadonha para alguns.
Ficha Técnica: Neuromancer, de William Gibson; Lançado originalmente em 1984; Editora Aleph, 2014; Tradução de Fábio Fernandes; Arte de Josan Gonzales; 416 Páginas.
Essa matéria foi publicada originalmente no site Rima Narrativa.
Está na hora de falar do amigão da vizinhança e aquele que é, sem duvida alguma, seu melhor filme até o momento. Na última década tivemos algumas adaptações e produções originais de qualidade. A Marvel já nos surpreendeu com filmes como Soldado Invernal e Guardiões da Galáxia, além de Vingadores, obviamente. A Fox, mesmo recebendo muita reclamação, é responsável por alguns bons X-Men, além do divertido Deadpool e o surpreendente Logan, que deixou muitos fãs chorando na saída do cinema. E a DC, por mais que tenha alguns filmes de qualidade discutível, é responsável por aquele que é considerado por muitos como “O maior filme baseado em quadrinhos do cinema”: The Dark Knight.
Mas eu queria dedicar esse tempo com vocês para debater um que, mesmo sendo bastante adorado, não parece receber toda a atenção que merece: Homem-Aranha 2.
Esse é o filme que melhor representa para mim o que chamados de “filmes de super-herói”, e posso arriscar dizer que é o meu favorito de todas as adaptações de quadrinhos.
Eu vou explicar.
Lançado em 2004, Homem-Aranha 2 é uma das melhores continuações de uma franquia no cinema. Com personagens envolventes, ótima ação e um enredo ainda melhor (mesmo toda a franquia tendo uma premissa parecida, o que não quer dizer muita coisa quando analisamos a narrativa mesmo).
Conte quantas vezes você não olhou para relógio em vários filmes esperando as cenas de ação e o personagem uniformizado te salvar daquela trama chata. Na maioria das vezes, isso acontece porque você não se interessa o suficiente pelo personagem, o filme não tenta criar uma conexão forte entre a pessoa e o herói, e na maioria das vezes, quando cria uma, ela é bem rasa e fica só no roteiro. Mas Homem-Aranha 2 é sobre Peter Parker, ele é o verdadeiro herói, com ou sem o uniforme.
No filme, Parker está tendo problemas para separar todas as suas vidas: trabalhando como entregador de pizza (it´s pizza time!) e tirando fotos da ameaça aracnídea para o Clarim Diário (o aluguel não se paga sozinho), dedicando mais tempo para os estudos, sua tia, vida amorosa… e claro, ele é o amigão da vizinhança.
Ao longo do filme, podemos ver um Peter cada vez mais desmotivado, tendo que lidar com o ódio de seu melhor amigo, Harry, pelos acontecimentos do primeiro filme (o pai de Harry morreu durante uma batalha com o Aranha), e Mary Jane parece um sonho cada vez mais distante. Além disso, sua tia May sente o peso da perda de seu marido. Peter decide largar o seu lado Aranha e aceita que só poderá ser completo se focar no lado Parker. O filme toma seu tempo e dedica uma boa parte na vida dele.
Enquanto muitas adaptações por aí tentam fugir do formato estabelecido pelos quadrinhos, anunciando seu realismo ou o quão sombrio são, Homem-Aranha 2 abraça todas as coisas mais inocentes e até um pouco bregas das revistas e mantém no filme. Frases de efeito, vilões exagerados, cores vibrantes e momentos absurdos. O que impressiona é que tudo isso funciona aqui porque sabemos que o importante é criar um bom filme, sabendo usar todos esses elementos de forma inteligente.
O longa abre com uma sequencia perfeita ilustrada por Alex Ross (sim, se liga no nível) com a trilha de Danny Elfman. Aqui temos um dos melhores trabalhos de Elfman, e a melodia é tão boa que você reconhece nos primeiros segundos.
Esta abordagem mais inocente não compromete o drama e os momentos mais sérios, e por isso o enredo é um ponto alto, dando tempo para cenas importantes desenvolverem-se organicamente. O filme também se arrisca bastante, não só aceitando estes elementos exagerados, mas também experimentando e brincando com o formato, o que infelizmente vejo cada vez menos em produções do gênero.
Um grande acerto do filme foi manter Sam Raimi na direção. Raimi sabe bem como é ser criativo com pouco orçamento. Responsável por filmes como a trilogia Evil Dead e o primeiro longa de Darkman, ele se mostrou um daqueles diretores para se ficar de olho. E seu trabalho com o Aranha foi provavelmente o melhor de sua carreira, foi onde mostrou tudo que aprendeu ao longo dos anos, com um visual mais limpo e atenção aos detalhes.
Raimi tem um estilo único, principalmente a forma como usa a câmera. Ele é um dos poucos que consegue colocar uma cena de tentáculos metálicos esquartejando uma equipe médica inteira em um filme cheio de comédia e aventura sem comprometer o tom. As várias maneiras de mostrar isso sem que pareça gráfico demais para o público é um dos motivos para eu gostar tanto de Raimi na direção, com a ajuda de uma montagem ágil e dinâmica, é claro. Mas a maior vitória de Raimi foi com os personagens. Homem-Aranha 2 valoriza cada interação e diálogo. Algumas cenas chave entregam o coração do filme.
Uma das minhas favoritas é quando Peter tem seu primeiro encontro com Otto Octavius para conversar sobre sua pesquisa. A principio é apenas uma parte do filme que serve para apresentar Otto e sua esposa, mas para Peter, este é um dos momentos mais importantes. Ele não está por conhecer seu ídolo, mas também é a primeira vez que ele consegue conversar com alguém que o entende, e a cena é toda montada como se fosse um jantar de família, não apenas um encontro casual. Peter se sente bem naquele meio, ele nunca chegou a conhecer seus pais e seus pais não tiveram a oportunidade de ver Peter crescendo.
Aqui Otto é a figura paterna que Peter sempre quis ter, alguém para motiva-lo. Ele chega até a dar bronca em Peter sobre a quantidade de faltas na faculdade e dá conselhos amorosos para o jovem. Esse tipo de interação, por mais simples que pareça, é necessária e uma das que faz o filme muito mais humano e convincente. Quando você percebe o que Otto representava para Peter, a sua despedida no último ato tem um sentido ainda maior.
A relação de Peter com MJ também está diferente. Ela precisa de Peter ao seu lado, e dá várias chances para que ele se esforce mais. Está claro que ela não está feliz na sua relação atual, chegando até a tentar reencenar com seu namorado o beijo que teve com o Aranha no primeiro filme, mas não sente a mesma coisa. Enquanto isso, Peter está se esforçando para voltar a ser quem era, estudioso e assíduo, além de um bom sobrinho.
Sobre a tia May, já é triste ver a pobre senhora forçando Peter a aceitar dinheiro para pagar o aluguel, mesmo que ela não tenha muito para dar, e é doloroso ver o que acontece com o dinheiro: o senhorio do apartamento onde Peter mora arranca da mão dele (vale mencionar que o nome do senhorio é Ditkovitch, referência ao roteirista clássico do Aranha, Steve Ditko). Este é o tipo de decisão narrativa que evidencia como Peter anda se sentindo. Todas as poucas alegrias que tem vão embora como se ele nem estivesse ali. É só lembrar das cenas onde ele vai comprar as flores para a peça de MJ ou tentar pegar uma taça de bebida na festa.
São estes pequenos momentos que fazem o filme mais humano, estas pequenas decisões que transcendem o personagem para algo mais convincente. Ver a evolução de Peter Parker, de um jovem cheio de duvidas para um homem que sabe que deve fazer o certo, mesmo que isso resulte em magoar aqueles próximos dele. Aqui ele finalmente entende que com grandes poderes vem grandes responsabilidades.
O filme ainda acha espaço para situações cômicas memoráveis. Jk Simmons como JJ Jameson talvez seja uma das decisões de casting mais certeiras da história do cinema. A entrega de pizza para “Dra Brennan” (Emily Deschanel) e “Ash” (Bruce “Deus” Campbell) como segurança do teatro também são hilárias. Mas como este é um filme de super-herói, tem que ter ação. E deixei o melhor para o final.
Raimi sabe muito bem o que deixar ou não no seu enquadramento. Ele tem uma ótima noção de espaço e ritmo. Assim como fez em Evil Dead, deixou muitas sequencias de Homem-Aranha memoráveis. Estas cenas ainda se sustentam, até mesmo quando o CGI se torna bem óbvio. Raimi tem o costume de usar efeitos práticos, então a maior parte da ação foi realmente executada por atores ou dublês. Eu poderia falar do salvamento da tia May, da entrega de pizza, da batalha no banco, mas é claro que você só está pensando na cena do trem.
Essa é facilmente a minha batalha favorita de um filme de super heróis. É logo depois dele decidir voltar com o uniforme, então o Aranha está realmente motivado. A luta é frenética e a trilha de Elfman é uma maravilha. No fim, ele salva o trem e é salvo pela população. Nesta cena, perde a máscara, algo recorrente no filme que reforça o tema de alter ego. Peter vive tentando esconder sua máscara, deixar de lado sua parte heroica. O círculo se fecha quando o próprio Peter tira sua máscara para Otto, ele quer que o vilão se lembre do homem que foi.
As maiores batalhas do filme são as internas, Peter sabe que não se sente bem sendo outra coisa além de um herói, por isso cenas importantes como a tia May jogando os quadrinhos de Peter fora, a lembrança de tio Ben no carro e a confissão para MJ no final são tão importantes. Homem-Aranha 2 é o filme perfeito para quem procura todas as emoções que um filme pode entregar de uma vez só, nunca forçado, nunca fora de lugar. Talvez seja difícil ter algo tão equilibrado no futuro, principalmente com os estúdios pensando cada vez mais em criar uma linguagem uniforme entre seus universos compartilhados. Então, por enquanto, não consigo pensar em filme que melhor represente uma adaptação dos quadrinhos do que este.
E se você é daqueles que leva notas do Metacritic e Rotten Tomatoes em consideração, esse filme está muito acima da média. Merecidamente, claro.
Homem-Aranha 2 tem muuuuito mais coisas para serem analisadas, mas aí vamos ficar o dia inteiro aqui. Por enquanto é só, mas como eu provavelmente não vou calar a boca sobre Homem-Aranha nesse site, daqui a pouco estarão ouvindo mais sobre o assunto.
Que saudade de fazer listas para o site! Já passamos por três décadas diferentes (2010, 2000 e 1990) e está na hora de chegar em uma das melhores para a ficção científica, onde alguns clássicos essenciais para o gênero foram lançados. Para não perder tempo e poder falar de cada um deles, vamos começar (lembrando que haverão várias indicações, mesmo que elas não recebam um grande destaque no texto, se estiver em negrito, vale a pena assistir).
Como pode ter notado pela ordem de envio das listas aqui no site, elas são postadas em ordem decrescente. Mesmo que ainda não tenha explorado a década de 1970, decidi começar as indicações com algumas continuações que mantiveram a qualidade do filme original. Aqui eu separo longas como O Império Contra-Ataca (1980),o favorito de muitos fãs da franquia Star Wars; Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan (1982), que finalmente trouxe mais popularidade para Star Trek na telona, ainda mais considerando a recepção pouco calorosa do público para o primeiro filme, agora com uma trama melhor e o vilão mais marcante da série, Khan, interpretado pelo ótimo Ricardo Montalbán. Mas se eu tenho que escolher uma continuação que não só manteve a qualidade da franquia como renovou a abordagem trazendo mais ação ao horror espacial, fico com Aliens, O Resgate (1986), desta vez dirigido por James Cameron.
E por falar em James Cameron, a década de 80 foi uma das melhores para sua carreira. Além de uma sequencia satisfatória para o Alien de Ridley Scott, Cameron dirigiou O Segredo do Abismo (1989), com uma premissa simples mas eficaz envolvendo uma equipe tentando resgatar um submarino nuclear desaparecido. Mesmo que este tenha sido um filme mais do que competente, uma das maiores criações de Cameron havia surgido há alguns anos, com OExterminador do Futuro (1984), que abriu caminho para uma das franquias mais rentáveis do cinema, principalmente quando teve sua continuação em 1991. O filme foi um sucesso entre a crítica e bilheteria, catapultando a carreira de Arnold Schwarzenegger como o carismático T-800.
Schwarzenegger teve uma das agendas mais ocupadas da década, estrelando doze filmes, alguns clássicos da ficção científica, como O Sobrevivente (1987), uma distopia onde a humanidade é fascinada por um programa televisivo onde os participantes correm por suas vidas. O ator foi o principal motivo para o filme ser lembrado até hoje, mas eu decidi escolher outro para representar o que ele fez de melhor nesta época, o explosivo O Predador (1987), que teve algumas das cenas de ação e diálogos exagerados mais marcantes do cinema e originou uma criatura tão adorada pelo público que logo começou a rivalizar com o queridinho Alien, rendendo uma franquia própria de Alien vs. Predador.
Outro nome marcante para a década foi John Carpenter. Mais conhecido por seus filmes de terror, Carpenter se envolveu em alguns projetos sci-fi como Starman: O Homem das Estrelas (1984) e Eles Vivem (1988), uma obra divertidíssima, com personagens engraçados e uma trama louca envolvendo um óculos que pode mostrar a verdade por trás de todas as mensagens envolvendo o consumo desenfreado da população.
Ele também dirigiu Fuga de Nova York (1981), mais uma FC de ação que não poderia faltar nessa lista, estrelada por Kurt Russell, que no ano seguinte também seria o protagonista de uma das maiores obras de Carpenter, o suspense O Enigma de Outro Mundo (1982), um dos maiores clássicos da década, com um enredo excepcional, personagens memoráveis e efeitos visuais impressionantes até hoje.
Outro diretor conhecido por seu uso de efeitos visuais e a mistura de elementos de vários gêneros é David Cronenberg. Ele começou a década com Scanners (1981), o filme com a bizarra premissa de pessoas com a habilidade de ler e explodir mentes, o que ficou imortalizado na imagem da cabeça de Louis Del Grande sendo destruída de dentro para fora. Logo depois, lançou o ainda mais absurdo Videodrome (1983), envolvendo uma viagem louca sobre o poder da mídia.
O diretor começou a atrair cada vez mais a atenção do público e cresceu de verdade com a chegada do remake de um clássico com Vincent Price da década de 1950, A Mosca (1986). Uma obra-prima do horror com toques de ficção científica, esse é o primeiro grande sucesso da carreira de Cronenberg, estrelando Jeff Goldblum interpretando um cientista que falha em um de seus experimentos e acaba sofrendo uma mutação assustadora. Se você quer ter uma aula de efeitos visuais (práticos), faça uma dobradinha com A Mosca e O Enigma de Outro Mundo.
Agora saindo um pouco do terror e suspense, vou focar em alguns filmes mais leves, como comédias, e nesse caso não dá para evitar Bill & Ted: Uma Aventura Fantástica (1989), a história de dois adolescentes usando uma máquina do tempo para fazer um trabalho de história e passar de ano. Esse filme é um guilty pleasure de muitas pessoas, então mesmo que não seja indispensável, merece uma menção por ser uma jornada divertida com Keanu Reeves e George Carlin no elenco.
E já que estamos em guilty pleasures, porque não mencionar alguns que podem não ser grandes filmes mas tem uma característica ou outra que merece sua atenção, como o longa de Flash Gordon (1980), bastante datado para a própria época mas com a banda Queen encarregada pela trilha sonora, o que já deixa a experiência mil vezes melhor. Outro que pode não ser perfeito mas chegou a render uma continuação anos depois foi Tron (1982), que não tem o melhor roteiro do mundo mas deixou o público surpreso com alguns avanços técnicos para a sétima arte.
Mas há um filme que divide muitas opiniões entre os fãs do material original e cinéfilos em geral: o épico dirigido por David Lynch, Duna (1984). Baseado na obra de Frank Herbert, Duna é um filme bastante fiel em todos os pontos principais da trama, mas com efeitos visuais que não envelheceram tão bem quanto outros longas da época e um ritmo que não agrada todos. Particularmente, considero um filme competente com bons visuais (ainda que o problema dos efeitos se mantenha), mas nada que chegue perto da grandiosidade do livro.
Aqui é onde eu indico um filme muito bom que merecia bem mais atenção, e o longa da vez é Viagens Alucinantes (1980). Dirigido por Ken Russell, essa obra foi bem arriscada para seu tempo, com uma montagem diferente e abordagem incomum dos temas. É uma premissa aparentemente simples envolvendo um cientista estudando a mente humana, mas logo nos encontramos em uma experiência que vai ficar pra sempre na sua cabeça. Com visuais inesquecíveis, Viagens Alucinantes inspirou outras FC como Stranger Things ou The OA. Assista, vale a pena!
Antes de seguir para a trindade sci-fi da década de 80, vou destacar mais um FC de ação que deu origem a outra franquia de sucesso: Robocop (1987). Comandado por Paul Verhoeven, que no ano seguinte estaria dirigindo O Vingador do Futuro (Schwarzenegger de volta), Robocop é mais um exemplo que usa elementos da ficção científica para desenvolver um ótimo filme de ação. Se não fosse pela ambientação e o enredo amarrado do longa, ainda assim teríamos Peter Weller como Alex Murphy, o policial que sofre um acidente e tem seu corpo reconstruído para dar lugar ao maior combatente da lei de uma Detroid futurista.
Com tantos filmes de ação e terror nesta lista, parece que não sobra espaço para uma diversão em família. É por isso que deixei dois grandes sucessos de crítica e bilheteria para esta parte da lista, começando com E.T.: O Extraterrestre (1982), de um Steven Spielberg que já estava bastante famoso por conta de Tubarão e Indiana Jones, mas não perdeu o fôlego e continuou com filmes que estiveram no topo das bilheterias e agradaram toda a família.
Mas se tem um lançamento que marcou ainda mais a geração é o de um diretor até o momento pouco conhecido, que conseguiu ter Spielberg na produção do filme que faria sua carreira. O diretor é Robert Zemeckis e o filme é De Volta Para o Futuro (1985). Uma das produções mais charmosas e atemporais do cinema, esse é o tipo de filme impossível de odiar, com uma direção competente, um roteiro intrigante, elenco perfeito, efeitos visuais de qualidade e muita música boa. Michael J. Fox e Christopher Lloyd trouxeram um coração para o filme como poucos conseguiram até hoje, o que faz dessa obra um dos maiores clássicos da história do cinema.
Existe algo maior que De Volta para o Futuro? Por mais que este seja um dos filmes que melhor represente a época, decidi deixar para o final aquele que praticamente trouxe grande parte do apelo estético de um subgênero inteiro, no caso o cyberpunk, com Blade Runner (1982). Com conceitos visuais inspirados no que seria um filme de Duna por Alejandro Jodorowsky e temas explorados no livro de Philip K Dick, Adroides Sonham com Ovelhas Elétricas?, Ridley Scott provou mais uma vez ser um gênio no que faz e um dos nomes mais importantes para a ficção científica, tendo lançado o filme sobre o caçador de androides apenas três anos depois de Alien, O Oitavo Passageiro.
Uma experiência única estudada até hoje por conta de seus temas e iconografia, Blade Runner é celebrado como uma das maiores obras do gênero, precursor de várias características que logo tornariam-se obrigatórias para o gênero e parte do imaginário do público. Um filme necessário que merece destaque como a maior obra sci-fi da década.
O que achou da lista? Diga nos comentários que filmes ficaram faltando para você. As Aventuras de Buckaroo Banzai (1984);Cocoon (1985);Repo Man (1984)?
Há tantos filmes que não couberam aqui por pouco, então deixei apenas os que considero essenciais para compreender melhor a década em que foram lançados. Fiquem atentos para a próxima lista — enquanto isso leiam as anteriores e deixe nos comentários seus favoritos. Até a próxima!
Watchmen é uma das maiores obras dos quadrinhos. Uma das mais aclamadas e estudadas da história. Todos sabem sobre sua fama, como esteve na lista de melhores leituras da Times, inspirou um longa dirigido por Zack Snyder (que não será o foco aqui) e mudou a percepção do público sobre quadrinhos e seu potencial.
Watchmen foi lançada entre 1986 e 1987 através de 12 edições pela DC Comics. Não demorou muito para a onda das graphic novels tomar conta do mercado com a chegada de outros grandes lançamentos como Sandman, O Cavaleiro das Trevas ou A Queda de Murdock. Assim, a série logo foi encadernada em um único volume. Os roteiros são de Alan Moore e a arte é de Dave Gibbons, e o resultado é um comentário sociopolítico cheio de acidez e ironia, onde assistimos um bando de super heróis aposentados lidando com um possível assassino atrás dos encapuzados de outrora. É um grande mistério cheio de subtexto sobre a guerra do vietnã, a guerra fria, a paranóia e histeria coletiva, a contracultura norte-americana e muito mais.
Enquanto muitos mencionam a violência, sexo, ótimos personagens e maravilhosa arte de Dave Gibbons, há um elemento ignorado por alguns que sempre me impressionou: sua estrutura narrativa e gráfica. Vamos começar com calma.
A estrutura de 3 atos é a mais básica e pode ser encontrada nas pequenas tiras de jornal. Nós temos o primeiro ato, o “Começo”, onde a informação é estabelecida para prover contexto para a história. Nos perguntamos onde, quando, quem, qual, por quê… Com o contexto definido temos nosso segundo ato, o “Meio”, onde os personagens tentam alcançar algum objetivo e encontram um conflito. Geralmente é nessa parte onde começamos a entender a premissa, o que está sendo construído. O conflito traz a potencial “Morte da premissa”, onde ela chega no seu terceiro ato, ou o “Fim”, onde há uma resolução para o conflito.
Mas essa é apenas uma maneira de ver as coisas. Há muito mais em uma narrativa do que apenas três atos. Há muito mais do que início, meio e fim e nem sempre nessa ordem. Ao escrever um roteiro pensamos em como desenvolver os personagens e como isso fará parte do enredo. Se você é Alan Moore, seus roteiros são gigantescos e extremamente detalhados. Só para você ter uma ideia, ele fez quatro páginas descrevendo apenas a primeira página da HQ. Cada ângulo, balão de diálogo e até sensação de textura são minuciosamente apresentados no roteiro. Mesmo que o autor tenha declarado dar liberdade para os desenhistas, fica bem claro que o que ele quer, ele quer precisamente do jeito que está em sua mente. Essa é uma obra onde o diabo realmente está nos detalhes, ainda mais considerando como o clímax da HQ é previsto ao longo de toda a história através de diálogos inteligentes e a sutileza do autor em construir cada pedaço de seu universo.
Uma curiosidade que me faz respeitar Alan Moore ainda mais é sua decisão em usar as páginas finais dedicadas aos anúncios da editora para desenvolver ainda mais do universo de Watchmen, chegando até a um exercício de metalinguagem quando aproveita um desses espaços para fazer um anúncio de um produto da (fictícia) indústria Veidt, com relatórios sobre bonecos, perfumes e a equipe de marketing e desenvolvimento. Além desses, temos alguns capítulos de amostra para o livro de Hollis Mason, Sob o Capuz.
Voltando à estrutura, uma das mais comuns na literatura é a estrutura dramática apresentada por Gustav Freytag, que desenvolveu um esquema quinário para os atos, ou seja, de cinco atos. Como podemos ver na imagem, temos introdução, ação em ascensão, o clímax, a ação em declínio, chegando no desfecho, ou resolução. Podemos também esperar uma mudança neste esquema se considerarmos o modelo funcional de Propp, que usa as atitudes dos personagens como ações que definem a narrativa. Mas é um conceito mais longo e complexo que eu vou abordar no futuro e sobre uma outra obra. Voltando para Gustav, temos estes cinco níveis com nomes auto-explicativos.
Se formos colocar Watchmen nesta estrutura de forma bem crua, seria mais ou menos assim: Temos a introdução, onde descobrimos que o Comediante foi encontrado morto, o que causa uma comoção na comunidade de encapuzados e nos leva direto para a Ação em Ascensão, onde a trama se desenrola e o mistério começa a ser investigado para que no Clímax tenhamos uma grande reviravolta ou mudança capaz de afetar o futuro da história. Com a ação em declínio, vemos o desenrolar do clímax, o resultado das ações de Adrian. No fim, a Resolução, onde vemos como aquele mundo ficou depois de toda a jornada dos heróis e sua influência. O último painel mostra o diário de Rorscharch, e sabemos que ele andou escrevendo sobre tudo que aconteceu para que o mundo ficasse daquele jeito. O balanço das coisas pode mudar mais uma vez.
Podemos ver a maneira que Alan Moore se apropria deste modelo, até mesmo na primeira página da HQ, começando a história DEPOIS do assassinato do Comediante. O que chamamos de Inciting Incident, ou o “incidente que motivou a trama”, acontece logo de cara. Isso faz com que Watchmen deixe a introdução dos personagens principais para depois, durante o enterro do Comediante, e pule direto na ação em ascensão enquanto assistimos os legistas conversando sobre sua morte, o que também serve como a introdução para o mundo do quadrinho.
Mas deixando um pouco de lado esse debate sobre atos, devemos lembrar que estamos falando de um quadrinho, que é uma forma de arte com características únicas, então vamos entrar um pouco no debate sobre ritmo e como a estrutura narrativa funciona em uma HQ. Para isso, vou precisar da ajuda de Scott McCloud. Para quem não conhece, McCloud é um dos maiores nomes no debate teórico sobre quadrinhos, ele é basicamente o Robert McKee da nona arte, então ele sabe o que fala.
Em Desvendando os Quadrinhos, McCloud fala um pouco sobre as transições que podem ser feitas entre os painéis de uma HQ. Seja de momento para momento, ação para ação, sujeito para sujeito, cena para cena, aspecto para aspecto e non sequitur (imagem ao lado), que é uma expressão para falácia lógica, mais comum em quadrinhos com uma abordagem abstrata — mão confundir com as viagens alucinógenas de Grant Morrison — ou pode confundir, dependendo de qual HQ estiver lendo. Piada à parte, é muito mais fácil encontrar quadrinhos onde o foco está na ação para ação, sujeito para sujeito ou cena para cena, indo de alguém bloqueando um soco para devolver com outro na sequência, por exemplo.
Em Watchmen, temos um grande foco nas transições de momento para momento e sujeito para sujeito, com longos diálogos e a reação dos personagens a situação, desenvolvendo múltiplas tramas paralelamente. Para construir a ambientação do universo de Watchmen Moore também usa aspecto para aspecto, mais comum em mangás, geralmente servindo para estabelecer espaço ou a natureza do ambiente. É uma técnica que dá a impressão de ritmo mais lento e contemplativo, mas também traz um pouco de tensão, o que podemos ver muito bem feito nos painéis repetidos em páginas diferentes no quinto volume, intitulado apropriadamente como Terrivel Simetria.
Watchmen tem na sua maior parte uma distribuição de 9 painéis por página. Algumas vezes em uma narrativa linear, outras alternando entre tempo e espaço. O que alguns podem considerar uma decisão básica, eu considero brilhante, principalmente na forma como ele executa sua narrativa através desses nove painéis.
Uma das coisas mais curiosas no formato de 9 painéis é como ele estabelece um ritmo e depois causa um impacto maior destruindo o próprio modelo. Quando chegamos nas cenas mais impactantes da HQ, principalmente no clímax, vemos o uso de uma página completa para mostrar a importância daquele momento. É como diz Michael Brown em seu artigo sobre o quadrinho:
“As cenas de Dr. Manhattan divagando sobre seu passado revelam um desvio da forma de maneira única. Nos quadrinhos, nós esperamos que o tempo flua linearmente de painel para painel. Pulando para trás e para frente através do tempo entre os painéis, o leitor é inserido no conceito de tempo de Manhattan de uma maneira que poucos conseguem”
Há muito que pode ser estudado em Watchmen, mas eu adoro ver como Alan Moore e Dave Gibbons estruturaram sua HQ para diferenciá-la de tudo que era famoso na época, como sacrificar os anúncios por mais história, desenvolver as capas com imagens sem ação ou que apelem para o grande público. Eles aproveitaram tudo que podiam fazer e fizeram, até mesmo criar um tipo de história onde a capa da edição já fazia parte da narrativa (o primeiro painel de todas as edições é uma perspectiva ou ângulo diferente da arte da capa).
Esse foi um grande risco tomado pela dupla, mas como podemos ver é um que mexeu com o que conhecemos sobre quadrinhos até hoje. Watchmen não só trouxe novos leitores para a nona arte, essa é uma HQ que explorou o que pode ser feito com uma indústria que já é conhecida por imaginação ilimitada.
Essa foi uma rápida introdução para a narrativa gráfica de Watchmen. Se tiver interesse por mais matérias como essa, posso trazer mais nesse modelo. É só deixar nos comentários aqui ou nas redes sociais. Até a próxima!
Estudar os primórdios da ficção científica é uma das tarefas mais árduas de qualquer pesquisador. Muitas coisas acabaram se perdendo no caminho, enquanto outras são simplesmente negligenciadas pela história, e esse é o caso de O Mundo Resplandecente (originalmente intitulado The New World, Called The Blazing World), escrito por Margaret Cavendish originalmente em 1666, que ficou por séculos na escuridão e voltou a causar interesse apenas em 1925 por conta de uma menção no livro Um Teto Todo Seu, de Virginia Woolf.
Amante da filosofia e duquesa de Newcastle-upon-Tyne, a autora explora temas pertinentes ao seu tempo nesta obra, dando atenção maior ao debate filosófico através de sua protagonista, uma mulher que desvenda um novo mundo acessado pelo Polo Norte. Ela tenta se adaptar ao novo ambiente e compreender seus habitantes, o que consegue e logo torna-se imperatriz daquele povo. É neste lugar que adquire conhecimento inestimável sobre natureza e ciência.
Uma figura interessante do século XVII, Margaret Cavendish é uma das escritoras mais prolíficas de seu tempo, principalmente quando consideramos os obstáculos de outras escritoras femininas, tendo seus textos desprezados no círculo literário. Muitas passaram a vida assinando suas obras com pseudônimos masculinos para conseguir ter suas páginas lidas, mas Cavendish fazia questão de assinar suas publicações com o próprio nome.
Enquanto o fim último da racionalidade é a verdade, o da imaginação é a fantasia.
Mundo Resplandecente tornou-se objeto de estudo também por conta de sua característica utópica, o que faz com que o livro possa ser considerado a primeira ficção científica escrita por uma mulher, antes mesmo de Frankenstein, de Mary Shelley em 1818, mesmo que a segunda carregue mais elementos referenciais para o gênero — ainda que tenhamos estas informações, é impossível saber exatamente onde ele começou de verdade, mas são bons indicativos do que pode ter contribuído para a FC que temos hoje.
Felizmente, a editora Plutão (voltada para lançamentos virtuais de clássicos da FC) pôde apresentar para o público o trabalho de Cavendish, traduzido pela doutoranda em teoria e crítica literária, Milene Cristina da Silva Baldo, em sua dissertação de mestrado para a Unicamp em 2014. Essa versão vem com três prefácios, um de Milene e os seguintes da própria duquesa para edições diferentes, cada um essencial para contextualizar melhor o leitor que está prestes a encarar conceitos e pensamentos pelos quais Cavendish tem fortes opiniões.
“Em O Mundo Resplandecente, conhecimento é poder” (Milene Baldo)
Pela época em que foi publicada originalmente, é previsto que a escrita seja um pouco mais arcaica do que o público atual esteja acostumado, mas uma das particulares desta utopia é a facilidade de imersão na experiência da protagonista, constantemente fazendo perguntas sobre filosofia, religião e até matemática — assuntos de alto interesse da autora — em diálogos que tomam uma grande parte do texto e revelam a paixão de Cavendish pelo debate e a descoberta.
Mundo Resplandecente é um importantíssimo documento para qualquer estudioso ou apenas leitor de ficção científica interessado em conhecer mais sobre os primórdios de um gênero onde tudo é possível. Margaret Cavendish traz uma abordagem audaciosa, confirmando a importância da mulher na sociedade em uma época em que outras escritoras não tiveram a oportunidade de se entregar para a literatura por completo.
A Descrição de um novo mundo chamado Mundo Resplandecente, 1666; Editora Plutão, 2019; Tradução de Milene Cristina da Silva Baldo; Arte de Paula Cruz; 180 Páginas.
Não terei medo. O medo mata a mente. O medo é a pequena morte que leva à aniquilação total. Enfrentarei meu medo. Permitirei que passe por cima e através de mim. E quando estiver passado, voltarei o olho interior para ver seu rastro. Onde o medo não estiver mais, nada haverá. Somente eu restarei. (p. 14)
Falar sobre Duna não é uma tarefa fácil. O universo criado por Frank Herbert é um dos mais ricos que qualquer fã de ficção científica pode encontrar, isso porque o autor não se limita aos elementos do gênero e acrescenta características que fazem desta obra um épico essencial para qualquer leitor.
Lançado originalmente em partes na revista Analog, Duna foi publicado como romance em 1965 pela Chilton Books, uma editora conhecida por seus manuais de reparo de peças. Ainda que tenha um começo peculiar, um ano depois o livro saiu vencedor na principal categoria da premiação Nebula, quando ainda era um evento estreante.
Utilizando muito do conteúdo que reuniu durante as pesquisas para um artigo sobre as dunas de areia no estado de Oregon, Herbert trouxe uma perspectiva conveniente para seu texto quando decidiu introduzir elementos de uma vertente mais ambientalista. Com uma abordagem diferente de outras space opera, personagens complexos e um mundo provocativo, o livro de Herbert é uma experiência única. É impossível sintetizar todas as suas páginas de maneira absoluta para uma simples resenha, mas tentarei ao máximo.
Em um futuro distante, a humanidade abandonou seu planeta natal e está no caminho de conquistar novos territórios. Cada novo planeta é comandado por uma “Casa”, todas supervisionadas pelo imperador padixá Shaddan IV. Por conta da ascensão da Casa Atreides, um decreto faz com que ela seja responsável pelo planeta Arrakis, também chamado de Duna, um lugar onde se encontra apenas areia e perigosos vermes gigantes, mas também a substância mais significativa e cobiçada do universo, a especiaria chamada mélange. Mas o que parecia uma grande honra, revela-se um golpe político orquestrado pelo próprio imperador ao lado da Casa Harkonnen, uma rival dos Atreides.
Mas há muito mais engrenagens nos bastidores de Duna, como os Fremen, habitantes dos terrenos áridos de Arrakis e únicos capazes de viver entre os vermes gigantes. Eles têm seus próprios segredos e aguardam pela chegada de Lisan al Gaib, um profeta que trará o paraíso para seu planeta. Mas mais misteriosas são as Bene Gesserit, uma irmandade ancestral que também tem planos para uma figura que nos guiará para o futuro da raça humana. Entre estes dois lados está o jovem Paul Atreides, filho do duque Leto e uma Bene Gesserit, Jessica. Paul ainda não sabe, mas será protagonista da maior lenda da história de Arrakis.
“O poder de destruir algo representa o controle absoluto sobre aquela coisa”.
Duna toca em diversos temas, nenhum deles de maneira superficial. Religião, política e sociedade são abordados com um olhar bastante crítico do autor, que faz questão de não mostrar ambiguidade em seu texto. A narrativa de Herbert é minuciosa, ela descreve sensações e atmosfera como se estivesse estudando cada pedaço do planeta. As comparações com a escrita de Tolkien são compreensíveis, tanto que uma citação de Arthur C. Clarke comparando Duna com O Senhor dos Anéis acabou parando na contra capa de várias edições do livro. A leitura pode ser um pouco arrastada no começo e você deve se esforçar um pouco para manter todos os nomes e conceitos em mente, mas assim que nos familiarizamos com a estrutura básica da obra, o livro fica mais palatável para o leitor médio.
Ao aprender sobre as relações entre os personagens e as descrições da atmosfera e a superfície de Arrakis, vislumbramos uma construção de mundo exemplar, atenta em detalhes que vão desde o comportamento dos vermes até o pequeno rato que inspira um dos títulos de Paul: Muad´Dib. É uma trama onde a tecnologia é caracterizada por um aspecto mais analógico, sem androides, computadores ou coisas do tipo, ainda que hajam armas como escudos de força pessoais para proteção contra armas laser.
Também entendemos porque este livro é considerado uma referência no debate sobre ecologia na ficção científica e como a humanidade pode mudar um planeta e ser mudado por ele. A água é tão importante que os habitantes do planeta precisam aproveitar cada gota — não há desperdício, literalmente. Mas mesmo com a preocupação em nos posicionar no cenário de Arrakis, as intrigas políticas e os embates entre os personagens são o maior diferencial da obra.
Ainda que Paul “Muad´Dib” Atreides seja interpretado muitas vezes como um personagem frio e distante, principalmente por conta de suas ações, ele é um protagonista frágil e trágico com uma jornada infeliz. Ele pode parecer impassível por fora, mas lamenta a mudança na maneira que as pessoas o tratam, vendo todos os seus amigos assumindo a posição de seguidores. Antes de ler a obra ouvi bastante sobre os poderes “ilimitados” de Paul, mas sua percepção de passado, presente e futuro não é recebida como uma dádiva: “É preciso entender os limites desse poder. Pense na visão. Temos olhos, mas não enxergamos sem luz. Se estamos no leito de um vale, não enxergamos além de nosso vale. Da mesma maneira, Muad´Dib nem sempre tinha a opção de ver o outro lado do terreno misterioso”.
Embora tenhamos outros personagens interessantes como o leal Duncan Idaho, o antagonista Vladimir Harkonnen e o próprio duque Leto, são as mulheres de Duna que causam uma forte impressão. Não vou debater aqui sobre a representação dos personagens femininos no livro e a distribuição hierárquica de Herbert (o que seria ótimo para um texto próprio), mas observar seu impacto na narrativa. Chani, a companheira de Paul, é uma oportunidade desperdiçada, o que acabou sendo o meu único ponto negativo para a obra, que apresenta personagens como ela e as incube de grandes responsabilidades, mas as deixa como coadjuvantes, apenas testemunhas dos incríveis feitos das figuras masculinas da obra. Alia, a filha do duque Leto, é outra com um potencial tremendo, e até tem seus momentos (seus diálogos e a interação com Harkonnen são uma das melhores partes do livro), mas não recebe espaço o suficiente para desenvolvimento.
Felizmente, temos Jessica, que considero a melhor personagem. Ela é o elemento mais humano da obra, e é quem carrega o peso de manter sua autoridade em uma sociedade onde “nasceu para servir”, sem contar que basicamente constrói o caminho de Paul, seja para o bem ou para o mal. Ela, ao lado das Bene Gesserit, é um dos componentes mais intrigantes daquele universo.
“Duna aponta para a ideia do líder infalível porque minha visão da história diz que os erros feitos por um líder (ou em seu nome) são alastrados pelo números de seguidores cegos” (Herbert, 1985).
Arrakis é o cenário para uma lenda em andamento e Duna serve como uma grande coleção dos feitos de Muad´Dib, uma das razões para a linguagem de Herbert ser por vezes parecida com escritos antigos retirados de pergaminhos, inserindo excertos no começo da cada capítulo, escritos pela princesa Irulan. Mas isso não nega os aspectos subjetivos da narrativa, uma que o autor usa para comentar sobre nosso papel no mundo e, através de figuras messiânicas e o poder da crença, nosso próprio papel ao esculpir a história. Não precisamos de Paul, “apenas a lenda que ele já se tornou”.
Como eu disse, falar sobre Duna não é uma tarefa fácil.
Distribuído pela Netflix, I Am Mother é mais uma adição para o seu catálogo de ficção científica. Depois de produções decepcionantes como Extinção, The Titan ou Onde Está Segunda?, ficou difícil confiar nos lançamentos FC jogados no site (e uso “jogados” porque muitas vezes um estúdio simplesmente não confia no filme o suficiente para um lançamento em salas de cinema, então joga direto para o streaming), mas felizmente I Am Mother não cai nesta armadilha e acaba sendo um filme mais do que competente.
Uma jovem é criada por um droide chamado Mother (“Mãe”), que tem a missão de repopular o planeta depois da humanidade ter sido extinta. A robô e sua “filha” vivem bem em uma instalação do governo criada para proteger as futuras gerações, mas a relação delas pode mudar com a chegada de uma mulher misteriosa.
O primeiro aspecto notável da produção é o elenco principal que conta com apenas duas protagonistas sem nome, interpretadas por Hilary Swank e Clara Ruggard (a mulher e a filha, respectivamente), e a droide com a voz de Rose Byrne. Depender de poucos atores é arriscado, mas o filme apenas ganha por conta da direção focada de Grant Sputore e o talento das atrizes.
Swank pode não ser uma das minhas atrizes favoritas, mesmo sendo premiada pela Academia, mas sua personagem tem um comportamento exasperado que precisa de uma boa atriz para evitar exageros. Rose Byrne empresta sua voz para Mother (Luke Hawker é o ator dentro da máquina) e também fez um bom trabalho expressando atitudes “bondosas” de maneira ameaçadora. A última, mas não menos importante, é Clara Ruggard, que mesmo com um currículo menor consegue se destacar servindo como a protagonista. É dela o arco principal do filme e o interpreta muito bem.
Por ser um filme de menor escala e orçamento relativamente modesto, considerando o que costumam valer outros filmes de estúdios e diretores mais conhecidos, I Am Mother tem a vantagem de poder criar cada um dos seus elementos com mais cautela e sem muita intromissão. Esse é o primeiro longa de Grant Sputore, mas ele não se desespera e traz uma direção mais interessada em construir ambientes sem pressa. Há espaço para algumas reviravoltas, o que muitos diretores parecem criar primeiro e montar o filme inteiro em cima delas, mas essa é uma obra onde o enredo e os personagens vem em primeiro, e mesmo que traga algumas características “batidas” de narrativas sci-fi, uma execução limpa e objetiva sempre funciona. Ao lado da direção, a equipe de design merece elogios pela forma como apresentou o mundo do filme e montou o visual dos droides.
I Am Mother explora a natureza humana através de um mundo que a protagonista não consegue ver. Assistimos a jovem em uma instalação grande o suficiente para abrigar várias crianças no futuro, mas a sensação de claustrofobia e o desespero em saber como as pessoas foram eliminadas por sua própria ignorância faz com que um debate seja levantado sobre todos os embriões mantidos em segurança no laboratório. Nosso desenvolvimento deve ser manipulado para que o caminho da humanidade não termine como antes ou podemos confiar em nossos instintos?
Para sua quinta temporada, Black Mirror finalmente retorna ao formato original de três episódios, o que indica roteiros escritos com mais calma e atenção aos detalhes, principalmente porque todos são responsabilidade de Charlie Brooker, o criador da série. Em Rachel, Jack and Ashley Too temos uma abordagem um pouco diferente do que a série está acostumada.
Ashley O (Miley Cyrus) é uma das maiores estrelas da música pop, influenciando várias jovens no mundo inteiro. Ela acaba de lançar uma linha de bonecas chamada Ashley Too, que são basicamente pequenos robôs com um tipo de inteligência artificial capaz de se comunicar com seu dono. Rachel (Angourie Rice) é uma grande fã de Ashley O, então precisa da boneca para se conectar com o ídolo.
A trama alterna entre dois núcleos, o primeiro envolvendo os bastidores da vida de Ashley O, uma jovem com um sorriso e atitude positiva no palco, mas depressiva e desiludida com o rumo de sua carreira. Assistimos sua relação com os produtores e sua agente — e tia -, Catherine (Susan Pourfar), que não é das melhores. Ashley tem escondido os medicamentos que Catherine usa para controlar o seu temperamento, o que resulta em uma ação inesperada dos produtores, que colocam a cantora em um coma induzido e copiam sua imagem para manter a agenda da artista em ordem através de apresentações virtuais.
Do outro lado, seguimos Rachel e sua irmã, Jack (Madison Davenport), tentando se comunicar depois da perda de sua mãe. Rachel tem apenas Ashley Too como companhia, enquanto Jack tenta ao máximo se isolar de todos. Os dois núcleos convergem quando a consciência de Ashley O vai parar na boneca de Rachel e agora as duas irmãs precisam ajudar a cantora a retornar ao seu corpo.
O roteiro de Brooker é bem mais leve neste episódio, com uma jornada divertida envolvendo duas adolescentes arranjando maneiras absurdas de ajudar uma boneca senciente. E quando eu digo “leve” é porque mesmo que haja uma corrida contra o tempo para salvar a estrela da música em coma, fica difícil sentir qualquer peso na maneira como a história foi executada, tendo uma mistura de comédia e drama que nunca chegou a combinar organicamente.
A direção ficou nas mãos de Anne Sewitsly, que carrega uma filmografia pequena mas quase sempre carregando um elenco predominantemente feminino, então faz sentido ela estar responsável pelo episódio. Sua habilidade guiando as atrizes é o ponto alto aqui, com algumas sequências engraçadas com as personagens, bem interpretadas por Rice e Davenport.
Quando se fala de Miley Cyrus alguns torcem o nariz, o que considero um exagero porque ela se esforça para trazer uma personagem atraente, seja nos palcos ou fora dele. É claro que não é nada impressionante, mas é o suficiente para que sua imagem fora da série não influencie o espectador — se bem que ela interpreta uma cantora pop, então não há muito problema nisso. O que realmente me impressionou foi ver Cyrus cantando versões mais chiclete das músicas Head Like a Hole e Right Where It Belongs, da banda Nine Inch Nails, que tem um som que vai na direção oposta a tudo que a cantora já fez na carreira (terminar o episódio com Ashley e Jack no palco foi um pouco cafona, mas o episódio já tinha descambado para uma comédia adolescente mesmo, então é melhor abraçar logo o ridículo).
Rachel, Jack and Ashley Too tem uma abordagem bem diferente em tom do que a série está acostumada — até mesmo o humor foi sempre utilizado de maneira ácida e trágica em outras temporadas — e isso acaba afetando negativamente o formato da série. Não é um episódio que deve ser descartado, é claro, mas ainda assim perde seu sentido no meio dos outros.
Ficha Técnica: Black Mirror, S05E03 Criada por Charlie Brooker Direção de Anne Sewitsly Roteiro de Charlie Brooker
Para seu quinto ano, Black Mirror finalmente retorna ao formato original de três episódios, o que indica roteiros escritos com mais calma e atenção aos detalhes, principalmente porque todos são responsabilidade de Charlie Brooker, o criador da série. Smithereens é o segundo episódio desta nova temporada, um que se passa em grande parte no interior de um carro mas ao mesmo tempo atravessa o mundo para revelar uma narrativa sobre grandes corporações e a manipulação através das redes sociais.
Todos os dias Chris (Andrew Scott) para seu carro na frente de uma grande empresa de comunicação, a Smithereens. Usando um aplicativo de transporte, finalmente consegue ter alguém da empresa em seu carro, mas descobre que é apenas um estagiário. Ainda assim, Chris o amarra no banco de trás e aponta uma arma para sua cabeça. Enquanto a polícia tenta resolver o problema, o motorista tem apenas uma demanda: conseguir entrar em contato com Billy Bauer (Topher Grace), o grande visionário responsável por uma das maiores redes sociais do mundo.
O episódio é dirigido por James Hawes, o mesmo de Hated in The Nation, outro onde a rede social é essencial para a trama. O que ele tenta aqui é construir uma atmosfera de tensão do início ao fim, o que ele consegue através de um bom ritmo, alternando entre as sequências no interior do carro com todo o alvoroço causado pelo protagonista. E se não fosse por conta de Andrew Scott, esse episódio poderia ser um desastre. Scott tem a responsabilidade de carregar a trama e tentar entregar cada linha de diálogo com convicção, o que foi uma tarefa árdua por conta de algumas partes do roteiro onde fica visível a necessidade de confrontar as questões morais do episódio.
Scott usa tudo que aprendeu em Sherlock, interpretando o excelente Moriarty, para apresentar um personagem que pode explodir a qualquer momento. Seu comportamento beira o exagero, mas o ator é bom o suficiente para evitar que o episódio caia em um território mais cômico. Isso também acontece com Topher Grace, que experimenta uma versão mais caricata de um presidente de alguma grande companhia de tecnologia, lembrando um pouco um dos criadores do Twitter, Jack Dorsey, com seu discurso calmo e comportamento descontraído. Todo o desenrolar da trama que resulta na revelação do retiro de silêncio é uma grande piada com Dorsey.
Além de Scott e Grace, temos Damson Idris como Jaden, o pobre estagiário refém. Idris também esteve este ano no episódio Replay, do revival de Além da Imaginação. Aos poucos ele constrói um currículo com atuações sólidas e estou interessado no que ele pode fazer no futuro.
O terceiro ato caminha para o clássico “não use o celular no volante”, o que acabou sendo uma revelação menos impactante do que o esperado, considerando a habilidade da série em entregar reviravoltas que fazem o público debater até hoje, e como a presença de Billy Bauer parecia tremendamente importante para a confissão catártica de Chris. Por conta de uma execução afetada por um roteiro mais contido, Smithereens pode perder um pouco do seu charme ao ser assistido uma segunda vez, mas você acaba ficando mesmo por conta das performances e toda a construção da tensão até aquele ponto.
Não sei quanto às intenções do episódio em referenciar os trabalhos de David Fincher, mas ficou difícil não imaginar todo o clímax do filme Seven quando a câmera escolhe um plano aberto e revela o local onde o carro de Chris foi parar, no meio do mato perto de vários postes de energia e a polícia cercando o incidente. Também há uma estrutura narrativa que lembra Zodíaco, mas isso está ligado exclusivamente ao jeito que o roteiro mostra os vários obstáculos para fazer com que uma simples mensagem seja recebida. Aqui temos uma trama envolvendo o criador de uma rede social que conecta milhões, mas é uma das pessoas mais difíceis de se encontrar no mundo.
Smithereens pode não se aproveitar muito bem do formato da série, deixando de lado toda a premissa que envolve a ameaça da tecnologia, mas ainda assim tem seus méritos, como as ótimas atuações e a experiência de angústia durante todo o processo.
Ficha Técnica: Black Mirror, S05E02 Criada por Charlie Brooker Direção de James Hawes Roteiro de Charlie Brooker
Para sua quinta temporada, Black Mirror finalmente retorna ao formato original de três episódios, o que indica roteiros escritos com mais calma e atenção aos detalhes, principalmente considerando que todos são responsabilidade de Charlie Brooker, o criador da série.
Danny e Karl não se vêem há anos, mas isso muda depois de um reencontro no aniversário de Danny, que não parece completamente satisfeito com sua vida, já casado e entediado com as pessoas em volta. Karl tem o presente perfeito, uma nova edição de Striking Vipers, o jogo favorito deles na juventude, agora com uma tecnologia inovadora de realidade virtual. O que começa como uma forma de diversão logo se transforma em um drama sobre descobertas e a complexidade de nossas relações, seja com os outros ou nós mesmos.
Anthony Mackie e Yahya Abdul-Mateen II interpretam Danny e Karl, respectivamente. Foi bom termos dois atores competentes como eles para o episódio, que se dedicou em desenvolver o drama de cada personagem com cautela por conta dos temas que aborda. É um pouco difícil falar sobre essa temporada sem revelar informações importantes da trama, então indico que assista os episódios antes de ler.
Striking Vipers é dirigido por Owen Harris, o mesmo responsável por San Junipero, da terceira temporada, que também contava com um debate parecido e foi executado muito bem. Harris repete um pouco da sua estrutura narrativa (o que deve ser considerado mais um aspecto do roteiro de Brooker, mas ainda assim funciona), o que felizmente foi uma decisão inteligente. O episódio passa seu primeiro ato desenvolvendo os laços entre os personagens, explorando e construindo as dinâmicas antes da parte “tecnológica” fazer parte da história. Isso é necessário, estamos falando de uma narrativa onde um olhar cínico poderia estragar completamente a experiência.
Além da dupla principal, Nicole Beharie é Theo, a esposa de Danny. Mesmo sendo coadjuvante, tem sua própria relevância narrativa, lidando com as mudanças que podem afetar seu casamento. E como passamos algumas sequências dentro do mundo virtual do jogo, temos Pom Klementieff (Mantis, de Guardiões da Galáxia) como o avatar de Karl, Roxette; Ludi Lin faz Lance, o avatar de Danny. O jogo parece uma mistura de Street Fighters com Tekken, e os dois lutadores virtuais tem várias semelhanças com alguns personagens famosos como Chun Li ou Ken e Ryu, até mesmo em alguns golpes característicos, como os chutes consecutivos de um ou o “gancho voador” de outro.
Ainda que seja um episódio com ótimas referências visuais (placas neon com Game Over ou as composições que lembram os lugares remotos onde os lutadores se encontram nestes jogos), Striking Vipers se destaca pelos personagens e um ângulo pouco explorado em narrativas envolvendo relacionamentos como o de Danny, Karl e Theo.
Filmes como Moonlight ou Carol carregam uma identidade própria, uma direção mais delicada, onde a conversa sobre a descoberta sexual dos personagens revela muito sobre quem são. Black Mirror tem feito isso com cuidado, San Junipero foi uma das adições mais envolventes do catálogo da série, e agora Striking Vipers chega com sua abordagem mais parecida com o que foi feito em Moonlight, envolvendo homens negros e a representatividade da comunidade LGBTQ+. Pode não ser tão sutil na forma como a trama se desenrola, mas ainda assim abre uma conversa sobre um tema cada vez mais relevante.
Ficha Técnica: Black Mirror, S05 Criada por Charlie Brooker Direção de Owen Harris Roteiro de Charlie Brooker