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Watchmen | It’s Summer and We’re Running Out of Ice – S01E01

Com roteiro de Alan Moore e arte de Dave Gibbons, a graphic novel Watchmen é lançada em 1986, pela DC Comics, em doze volumes. Ela é um enorme sucesso, vendendo muito bem e sendo elogiada por todos. Duas décadas depois, a HQ é destacada como um dos melhores romances do século pela revista Time, fazendo com que a obra de Moore e Gibbons receba novo fôlego e atenção até daqueles não interessados na arte sequencial.

É 2009 e Hollywood consegue finalmente adaptar Watchmen para o cinema. Dirigido por Zack Snyder, o longa tem uma recepção mista da crítica, mas a bilheteria não impressiona. Ainda assim, todos parecem interessados em desenvolver suas próprias histórias se aproveitando das doze edições originais da HQ. A própria DC tenta uma prequel em quadrinhos, intitulada Antes de Watchmen, reunindo diversos artistas com o intuito de contextualizar um universo que, alguns diriam, não necessitava disso. Mesmo sem sucesso, a editora insiste em inserir os personagens em seu selo padrão, criando a saga Doomsday Clock.

Estamos em 2019: Damon Lindelof, co-criador de séries como Lost The Leftovers, decide liderar uma adaptação de Watchmen para a HBO. O primeiro episódio é lançado no dia 20 de Outubro. Hoje, eu escrevo a resenha.

É verão e estamos ficando sem gelo.

Watchmen Trailer Looking Glass

A primeira sequência do episódio talvez seja a mais importante para estabelecer o tema principal dessa série, que promete utilizar o contexto político e social dos quadrinhos para desenvolver uma crítica mais pertinente ao crescimento de grupos fascistas e supremacistas brancos nos EUA. Tudo começa em 1921, durante a rebelião racial de Tulsa, na qual a comunidade negra de Oklahoma é covardemente atacada por brancos intimidados com o crescimento de distritos como Greenwood, um dos mais ricos do estado, habitado por negros. No meio do tumulto e dos linchamentos, seguimos um casal tentando salvar seu filho o enviado em uma carruagem com uma mensagem no bolso.

Em seguida, somos introduzidos ao ano 2019 da série, que mesmo sendo uma versão alternativa do nosso, se passando no mesmo universo dos quadrinhos (aparentemente, o filme não será levado em conta), comenta a realidade fora da tela. Depois dos eventos do quadrinho, que termina com o personagem Rorschach entregando seu diário contendo os planos de Adrian Veidt, o Ozymandias, e todos os outros integrantes do grupo Watchmen, a série explora as sequelas da despedida do Dr. Manhattan, assim como a catastrófica solução de Veidt para trazer a paz mundial.

Talvez a decisão mais radical da série, ainda que faça total sentido (eu vou explicar na parte de spoilers), é transformar Rorschach em uma figura de resistência para um movimento de supremacistas brancos chamado Seventh Kavalry (seria apenas uma referência ao regimento dos EUA ativo em grandes guerras, ou uma ligação mais forte com um diálogo dos quadrinhos onde Veidt menciona a cavalaria como contraste para o apocalipse?). No 2019 de Watchmen, é a vez da polícia usar máscaras e se auto-intitular a vigilante máxima da sociedade, respondendo o questionamento em latim “Quis custodiet ipsos custodes”, traduzido por Alan Moore para “Quem vigia os vigilantes”. Mas ainda há obstáculos para a própria polícia, que precisa de códigos de segurança mais restritos quando envolve o uso de armas, que agora tem uma trava liberada apenas por autorização geral.

Entre os policiais, ainda há vigilantes encapuzados, como Angela Abar (Regina King) e Looking Glass (Tim Blake Nelson), que procuram trabalhar na margem da lei, mas dessa vez de maneira mais organizada.

Além de uma boa construção de mundo e um ótimo elenco (Regina King e Jeremy Iron prometem ser a maior força dramática da série), esse primeiro episódio, dirigido por Nicole Kassell, tem um excelente trabalho do departamento de direção de arte, com uma bela fotografia que apresenta a iconografia dos quadrinhos, com ovos que formam o rosto sorridente do bóton do Comediante ou a gota de sangue caindo no distintivo de um dos personagens, sem contar as composições que tentam replicar o formato de um relógio de bolso e seus ponteiros. Vale mencionar a composição musical da dupla Trent Reznor (da banda Nine Inch Nails) e Atticus Ross, responsáveis por filmes como A Rede Social e Garota Exemplar, aqui aumentando a força da narrativa com uma atmosfera mais sombria e tensa através do piano melancólico de Reznor.

It’s Summer and We’re Running Out of Ice é um ótimo começo para a série, estabelecendo muita coisa dos quadrinhos e desenvolvendo outras que prometem colocar o dedo na ferida. Alan Moore já abordou em Watchmen alguns tópicos relevantes do nosso 2019, como os direitos LGBTQ+ ou o risco de acreditar na carisma de figuras fascistas, mas a atenção da série ao debate racial pode ser um ângulo intrigante capaz de transformar a série em algo próprio, ao contrário de outros materiais que tentaram apenas recriar a sensação do quadrinho original.

Sob o Capuz: Referências e Teorias (SPOILERS)

Watchmen

Como é apenas o primeiro episódio da série, vou deixar apenas algumas das coisas curiosas que achei enquanto assistia o episódio.

  • O livro SOB O CAPUZ, a autobiografia de Hollis Mason (primeiro Coruja, do grupo Minutemen, os heróis que atuavam antes dos Watchmen), pode ser visto na mesa do escritório de Judd Crawford. E por falar em Crawford, o episódio dá alguns indícios de que ele possa ser o segundo Coruja, Dan Dreiberg, como sua caneca em formato de coruja ou o fato de utilizar a Arquimedes, nave do herói nos quadrinhos. É claro que ele poderia simplesmente estar usando um de seus nomes falsos depois dos eventos da HQ, mas depois da revelação final do episódio fica difícil continuar acreditando que ele seja o Coruja.
Watchmen Sob o capuz
  • A CHUVA DE LULA que acontece enquanto Angela Abar está trazendo seu filho da escola é uma clara referência ao clímax causado pro Adrian Veidt nos quadrinhos, na qual ele desenvolve uma lula mutante para aterrorizar a humanidade orquestrando um falso ataque alienígena. Isso deixa evidente que a série é uma sequencia da HQ e não do filme. Falando nisso, na cena anterior podemos ver um quadro com a imagem dos principais presidentes dos EUA, e um deles é Robert Redford, uma piada com a última página do quadrinho, onde brincam com a possibilidade de um ator na casa branca.
Watchmen Polvo
  • O personagem JUSTIÇA ENCAPUZADA tem bastante destaque na série, sendo o “rosto” principal nos anúncios do futuro documentário sobre os Minutemen, aparecendo em uma propaganda de ônibus e nos comerciais da TV. Na própria HQ, Hollis Mason diz em sua autobiografia que ninguém sabe a verdadeira identidade do Justiça Encapuzada, mas por conta de sua roupa, idealizada com uma corda em forma de forca no pescoço e um capuz roxo como máscara, a principal teoria é que seja um homem negro (possivelmente homossexual, isso de acordo com Hollis). Assistindo ao episódio não pude deixar de imaginar que o idoso da cadeira de rodas, que aparece lendo seu jornal e fazendo comentários aleatórios para Angela (e no fim revela-se o garoto com o bilhete da sequencia de abertura), é o verdadeiro Justiça Encapuzada. E isso faz total sentido, considerando a camisa roxa, a idade e as suposições de Hollis.
  • Uma das coisas que mais aguardo na série é o retorno de Adrian Veidt, que tem poucos minutos no episódio, mas já revela estar trabalhando em uma peça, uma tragédia em cinco atos — o que provavelmente será mais um de seus planos para trazer a paz mundial que tanto almeja. Um dos indícios de que Adrian pode estar mais uma vez por trás de uma grande conspiração é uma rápida tomada na qual podemos ver um jornal com a manchete que diz “Veidt é Oficialmente Declarado Morto”. Ou esse é o primeiro passo para seu esquema mirabolante, ou a série está experimentando com uma narrativa não-linear, o que não seria surpresa agora que tantas séries estão fazendo isso, como a própria Westworld, da HBO.
Watchmen Veidt Morto
  • Entre todos os nomes mencionados no episódio, o que achei mais curioso foi PIRATE JENNY, utilizado por uma vigilante trabalhando ao lado de Judd Crawford, pilotando a Arquimedes. Pirate Jenny é o título de uma música (macabra) da cantora Nina Simone, uma das favoritas de Alan Moore, tanto que ele utiliza a letra da canção como inspiração para os Contos do Cargueiro Negro, uma história dentro da história de Watchmen. Para ser mais exato, o Cargueiro Negro é um quadrinho sobre piratas que os jovens leem no universo de Watchmen, já que heróis encapuzados são uma realidade, quadrinhos como da Marvel e DC não fazem sentido. Um trecho da letra traduzida: “Há um navio, o Cargueiro Negro. Com uma caveira em seu mastro. Eles estão chegando”. Ouça a música.
Watchmen Pirate Jany
  • O aspecto mais polêmico do episodio envolve Rorschach e os Supremacistas Brancos. Eu entendo quem talvez tenha se incomodado com isso, mas eu considero um dos grandes acertos do episódio. Tirando o fato do grupo de supremacistas generalizar seu preconceito, se estendendo também aos policiais, a inspiração deles é em um personagem claramente preconceituoso — e não me entenda errado, adoro o personagem, mas posso gostar dele e não gostar de suas atitudes ao mesmo tempo (ponto para o roteiro de Alan Moore, como sempre). Nas HQs, Rorschach está constantemente fazendo comentários sexistas e homofóbicos sobre seus companheiros de trabalho, como chamar Veidt de homossexual, por exemplo. Isso sem contar que o personagem é um ávido leitor do jornal The New Frontiersman, direcionado ao público mais reacionário. Há várias outras menções na HQ, mas a mais gritante é quando uma das vizinhas de Rorschach o chama de “pervertido nazista”. Essa parte pode ser polêmica, mas não infundada.
The Watchman HBO
Watchmen Rorshach Mark Hill/HBO
  • Para fechar os meus destaques (há outros, mas não quero deixar isso muito grande e outros ainda precisam ser confirmados), é bom saber que algumas coisas nunca mudam e Alan Moore ainda não aceita ser creditado em nenhuma adaptação de suas obras, deixando todo o crédito para o artista Dave Gibbons.
Watchmen Final

Essas foram algumas das minhas considerações sobre o primeiro episódio da série de Watchmen, It’s Summer and We’re Running Out of Ice. Deixe nos comentários o que achou do episódio e das mudanças.

Nos vemos na próxima semana.

Tick, tock, tick tock.

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Cinema

Paprika | A porta entre sonho e realidade

Responsável por longas animados como Perfect Blue (Pâfekuto Burû, 1997)Tokyo Godfathers (Tôkyô Goddofâzâzu, 2003) e Millennium Actress (Sennen Joyû, 2001), Satoshi Kon é o meu diretor favorito quando se fala de animação japonesa.

É fundamental ressaltar a relevância de alguém como Hayao Miyazaki para a indústria, principalmente pela forma como popularizou o estúdio Ghibli, mas quando comecei a me interessar de verdade por cinema, o de Kon sempre falou mais comigo, considerando as premissas que envolvem temas complexos e absurdos, experimentando o formato de maneira única. O seu filme que melhor representa isso é Paprika (Papurika, 2006), o último longa que dirigiu, considerado por muitos a sua obra máxima.

Adaptado da obra literária homônima, lançada originalmente em 1993 por Yasutaka Tsutsui, Paprika é um filme cheio de conceitos instigantes, utilizando thriller, ação e ficção científica para contar a história da psicóloga Atsuko Chiba (dublada por Megumi Hayashibara), tentando ajudar seus pacientes, mesmo que ilegalmente, com uma máquina capaz de adentrar os seus sonhos. Para não ser reconhecida, Chiba cria um alter-ego chamado Paprika, uma figura capaz de caminhar pelo mundo subconsciente sem problema.

Paprika

Um de seus pacientes é o detetive Toshimi Konakawa (Akio Ôtsuka), que sofre de um pesadelo recorrente sobre um caso não resolvido. Realidade e sonho entram em colapso enquanto Chiba, Konakawa e o doutor Kohsaku Tokita (Tôru Furuya), parceiro de pesquisa de Atsuko, tentam deter uma recente ameaça cada vez mais poderosa.

Se a premissa parece familiar, é porque você provavelmente já assistiu A Origem (2010), de Christopher Nolan, com um conceito bem similar ao de Paprika, tendo até algumas sequências inspiradas no longa animado. Proposital ou não, podemos ver o excelente trabalho de Satoshi Kon na representação visual dos sonhos, e esse é apenas um dos aspectos que faz desse filme tão bom.

Paprika Quebrando Vidro

Como já foi salientado pelo finado (porém maravilhoso) canal do YoutubeEvery Frame a Painting, Kon é um mestre na edição, aproveitando o formato animado para executar cenas impossíveis em live action, com uma montagem dinâmica onde nossas concepções sobre a realidade são constantemente questionadas, seja pela experimentação com a perspectiva, a composição ou simplesmente nas representações mais oníricas do filme.

No ano de seu lançamento, Paprika recebeu mais elogios da crítica por seu apelo estético, mas há espaço para um bom desenvolvimento de personagens, revelando suas intimidades e maiores medos, o que podemos ver na “amizade” de Chiba com Tokita, ou na ansiedade do detetive Konakawa. É curioso ver como Chiba também interage com Paprika, por vezes parecendo que o alter ego adquiriu consciência própria, o que cria um questionamento sobre a verdadeira natureza de sua relação. Essa parte da obra chega perto de algo que Philip K Dick faria, o que faz sentido considerando que Satoshi Kon era um grande fã do escritor.

Outra coisa interessante, mais voltada para a animação em si, é a atenção aos detalhes de Kon, atribuindo pequenos maneirismos em seus personagens, como as expressões de Paprika e o jeito como Konakawa imita o diretor Akira Kurosawa enquanto conversa com a protagonista em uma sala de cinema — essa parte é uma das minhas favoritas.

Eu estava constantemente tentando me aprofundar no meu subconsciente, o que é bem difícil quando você está completamente consciente (Satoshi Kon)

Paprika

Além de todos os elogios ao trabalho visual de Kon, não posso deixar de mencionar a belíssima composição musical pop e techno de Susumu Hirasawa, que combina muito bem com a explosão de cores e elementos inseridos na tela (em certo ponto, temos eletrodomésticos e brinquedos antropomórficos desfilando no meio da rua enquanto executivos engravatados saltam de prédios com um sorriso no rosto e a protagonista sobrevoa observando tudo isso de sua nuvem — parece bizarro, e é).

O roteiro pode não se destacar por seus debates políticos e sociais, que estão lá na superfície mas nunca chegam a ser parte essencial da trama (obviamente, o roteiro não tinha essa obrigação ou intenção), talvez por estar mais envolvido em inserir elementos misteriosos para que o público possa interpretar assistindo o filme mais de uma vez, como as borboletas azuis presentes ao longo da obra.

Paprika é, acima de tudo, uma experiência espetacular, de impacto visual como poucos filmes conseguem, e mesmo que seu enredo não seja tão claro em alguns aspectos, assistir a jornada de Chiba e sua equipe é algo que todo fã de cinema e animação precisa fazer. Muitos cineastas já tentaram interpretar o real e o sonho em sua própria maneira, como David Lynch, Christopher Nolan ou Terry Gilliam, mas nenhum deles parece ter se divertido tanto com as possibilidades da sétima arte como Satoshi Kon, que se foi aos 48 anos, em 2010, com uma filmografia pequena, mas inesquecível.

Paprika
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Séries

Arquivo X | “Home”: O Episódio mais arriscado da série.

A televisão da década de 1990 foi o começo do que alguns consideram uma revolução para o formato, com o surgimento de clássicos como Twin Peaks, co-produzida por David Lynch, um (excelente) diretor de cinema que decidiu investir em séries, ou Os Sopranos, criada por David Chase, que fechou a década transformando a HBO em uma das produtoras de conteúdo mais renomadas do mercado e inspirando gerações de roteiristas com o drama familiar de Tony Soprano, um chefe da máfia que acabou inspirando outros personagens como o próprio Walter White, de Breaking Bad. Mas a TV também não seria a mesma sem a presença da dupla de agentes do FBI, Mulder e Scully, de Arquivo X.

Toda semana, Arquivo X prometia trazer algo novo e bizarros para o público. Com uma premissa envolvendo dois agentes responsáveis por investigar os casos mais inexplicáveis da humanidade, temos o contraste perfeito nos protagonistas Fox Mulder e Dana Scully, interpretados respectivamente por David Duchovny e Gilliam Anderson.

Enquanto Mulder liga a maioria dos casos à atividades extraterrestres, isso porque acredita ter presenciado a abdução de sua irmã mais nova, Samantha, ainda na infância; do outro lado, temos Scully, uma agente mais cética que confia apenas no que a ciência pode explicar. Foi a interação entre os personagens e suas tentativas em resolver casos cada vez mais perigosos que fez dessa série um marco da televisão, rendendo onze temporada (até o momento) e dois filmes, um em 1998 e depois em 2008. 

Ainda que explore diversos temas por conta de elementos como alienígenas, distorções temporais, conspirações corporativas e muito mais, é curioso notar como um dos episódios mais aclamados da série se passa quase inteiramente dentro e na varanda de uma casa, no segundo episódio da quarta temporada, intitulado Home

Arquivo X

No episódio, Mulder e Scully investigam a descoberta de um cadáver enquanto um grupo de crianças jogava basebol. O que deixa o mistério ainda mais intrigante é que o cadáver foi enterrado vivo, e era um bebê. Os principais suspeitos são a família Peacock, constituída de irmãos com severa deformação genética, que mora na casa decrépita próxima a cena do crime.

Home marca o retorno dos roteiristas Glen Morgan e James Wong, que saíram da série na segunda temporada para desenvolver seu próprio programa. O que eles fizeram é considerado até hoje um dos episódios mais brutais e arriscados da história da TV, não só pela violência gráfica, mas pelos temas abordados, como incesto e estupro.

Talvez uma das maiores inspirações para o roteiro seja o documentário Brother´s Keeper, de 1992, que traça algumas similaridades com os eventos do episódio, envolvendo uma personagem desfigurada e um misterioso assassinato. Home também busca referências no cinema de terror slasher da década de 70, com uma ambientação similar a de filmes como O Massacre da Serra Elétrica, de 1874. Os elementos de terror, junto do excelente trabalho da equipe de direção de arte, recriando uma casa antiga da Guerra Civil, fizeram desse episódio um dos mais memoráveis da série. 

Home é um marco na história da TV, chegando a ser banido e ter sua reprise retirada da programação pela própria emissora por conta de seu teor violento, mas os debates que abre através dos questionamentos sobre maternidade de Scully, do sarcasmo de Mulder para mascarar o horror do que o ser humano é capaz ou até a maneira como a câmera foca em fechaduras e maçanetas para mostrar que o mundo não é o lugar seguro e belo como alguns imaginam, provam que o episódio é mais do que apenas um banho de sangue. 

Arquivo X é uma das séries mais criativas da ficção científica, sempre procurando por respostas e mostrando que talvez as maiores ameaças (ou monstros da semana) já estejam entre nós, não precisamos procurar a verdade lá fora. 

Arquivo X
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Literatura

Ubik | Entre a vida, morte e a realidade

“Eu tenho vida”

Philip K Dick talvez seja meu autor favorito, o que não o isenta de ressalvas, como a maneira que costuma negligenciar o desenvolvimento de alguns personagens ou simplesmente os transforma em um narrador sem personalidade. Mas eu não comecei essa resenha com uma afirmação tão positiva sobre ele para deixar de mencionar o que fez para merecê-la. Os textos de Dick se apoiam em conceitos únicos, vindos de uma mente pouco convencional, e o que ele faz melhor é explorar temas complexos de maneira objetiva, criando um debate como poucos conseguem.

Romances como Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? ou O Homem do Castelo Alto conseguem se desvencilhar dos problemas que mencionei no parágrafo anterior, trazendo personagens mais envolventes e ativos, e depois de ler Ubik, tenho mais um exemplo de como o autor nem sempre cai na mesma armadilha. Lançado originalmente em 1969, no ano da eleição de Nixon e em meio à primeira retirada do exército Norte-Americano da Guerra do Vietnã, Philip K Dick decide conceber uma obra sobre o que entende melhor: questionamentos sobre a nossa realidade e espionagem corporativa, sem contar um pouco de religião e poderes mentais.

A obra se situa em uma Nova York de 1992 habitada por humanos que desenvolveram habilidades psíquicas ou conseguem se relacionar com o tempo de maneira diferente (eles tecnicamente não viajam no tempo, então prefiro deixar a definição dessa maneira). Em um mundo onde poderes como esse podem ser utilizados para manipular a realidade de seus adversários, muitas vezes com propósitos corporativos, algumas empresas oferecem um serviço de proteção, que contrata humanos capazes de neutralizar a ameaça original. Glen Runciter é um dos homens mais poderosos do mundo, responsável por uma dessas empresas, mas há um mistério a ser resolvido, envolvendo o desaparecimento de seus funcionários. Para ajudá-lo, o técnico Joe Chip parte em uma investigação que pode alterar toda a realidade.

Além da premissa mais “policial” do livro, PKD também explora temas de religião e até vida após a morte através de um conceito de meia-vida no qual a consciência de pessoas que já faleceram pode ser preservada para que seus contatos possam se comunicar, isso por conta de um serviço oferecido, novamente, por uma empresa. Fica clara a intenção do autor em comentar o avanço de grandes conglomerados e o impacto da propaganda no cotidiano, tanto que cada capítulo é apresentado com um texto publicitário sobre algum produto inovador, todos com o mesmo nome: Ubik.

Capa Ubik

Mors certa et hora certa

Há muito mais elementos apresentados no romance, como uma viagem à lua (talvez a promessa do homem na lua tenha o influenciado nesse aspecto) ou a esposa em meia-vida de Runciter, mas é Joe Chip o verdadeiro protagonista, correndo contra o tempo para descobrir o que está acontecendo, sem certeza sequer de que seu mundo continua real. Essa é uma das brincadeiras favoritas de PKD, alternando entre tempo e espaço e experimentando com a percepção do leitor, que nunca sabe se pode confiar no que está escrito.

Também podemos encontrar referências diretas com outros textos do autor, como a presença de precogs, aqui extremamente relevantes para o enredo, mesmo que indiretamente. Os precogs são humanos com habilidades mentais avançadas, capazes de observar o futuro, o que cria uma das sequências mais criativas do livro, envolvendo uma conversa entre Joe e Runciter através de um anúncio na TV. São momentos como esse que evidenciam a escrita quase cinematográfica de Dick, descrevendo ações como uma voz fora de sintonia com o movimento da boca ou um corpo tentando fugir da realidade.

Alguns leitores podem pegar uma obra como essa e considerar sua proposta desconfortável, isso porque o autor não faz questão de entregar uma narrativa comum, nem mesmo se importa em construir tramas incontestáveis, nos deixando com um exercício mental sobre o que consideramos real ou não. Terminamos o livro com mais questionamentos que antes, e esse pode ser o verdadeiro objetivo de Philip K Dick, abrir nossas mentes para tudo o que pode ser. Isso é apenas o começo.

Ubik

Ficha Técnica:
Título Original: Ubik
Editora Aleph, 2019
Tradução de Ludimila Hashimoto
Arte de Rafael Coutinho e Giovana Cianelli
240 Páginas.

Compre o livro no link do Primeiro Contato: https://amzn.to/2ofpiAA

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Cinema

Ad Astra: Rumo às Estrelas | Humanidade no espaço

A ficção científica tem a vantagem de utilizar sua ambientação, aproveitando o vazio do espaço, para executar sequências de introspecção e/ou catarse emocional dos seus personagens. Em Ad Astra, seguimos o astronauta Roy McBride (Brad Pitt) em uma missão secreta envolvendo o desaparecimento de seu pai, H. Clifford McBride (Tommy Lee Jones), considerado um herói por seus projetos em busca de novas formas de vida em outros planetas. 

Pouco pode ser dito sobre a proposta da obra sem entregar detalhes relevantes da trama, que apresenta sequências de ação impressionantes ao lado de um ritmo mais vagaroso. Isso pode soar como um contraste capaz de colocar a experiência do filme em risco, mas por conta da tensão e os obstáculos envolvendo as leis da física fora de nosso planeta, algo como um carro saindo do curso em uma atmosfera diferente ou um capacete quebrado podem ser o seu fim. É claro que há circunstâncias onde o diretor precisa brincar um pouco com as regras para que a trama siga um caminho mais envolvente, mas isso pode ser perdoado, já que esse é um filme sobre a procura de nossa própria humanidade, e James Gray, diretor do longa, também responsável por obras como Z: A Cidade Perdida, acerta em cheio na execução. 

Seguindo uma trajetória diferente do que se espera de um filme grande como esse no atual contexto das salas de cinema, Ad Astra se distancia completamente de sucessos como Interestelar, de Christopher Nolan, e tem mais interesse em uma condução que ecoa melhor os longa-metragens de ficção científica do diretor russo Andrei Tarkovski, como Solaris ou Stalker, mas não nas tomadas que destacam a beleza da natureza (ainda que a fotografia mais transparente de Ad Astra seja belíssima, feita por Hoyte Van Hoytema – talvez a maior semelhança de Gray com Nolan, já que ambos trabalharam com Hoyte para capturar o visual de seus filmes), e sim em sua composição e temas, abordando a solidão e o vazio existencial do protagonista.

Esse debate existencial talvez seja a maior força do filme, onde até o que parece mais absurdo, como piratas espaciais ou uma sequência envolvendo primatas raivosos, funciona perfeitamente para contribuir com o desenvolvimento do protagonista, que começa a obra agindo de maneira fria e pouco expressiva (resultado de um rigoroso treinamento e avaliações psicológicas), mas aos poucos revela suas verdadeiras intenções, medos e arrependimentos. 

Ad Astra: Rumo às Estrelas

O comportamento de Roy McBride, papel muito bem desempenhado por Pitt, um ator ótimo para personagens mais contidos, é um estudo sobre a nossa tendência em manter a distância dos outros. Em certo ponto do filme, assistimos um flashback do astronauta sendo deixado por sua esposa, interpretada por Liv Tyler, o que pode ser lido como uma simples entrega de informação desnecessária, mas aqui se transforma em uma das peças que contribui para um complexo quebra-cabeça sobre as nossas emoções, mais uma vez servindo mais a favor dos temas da obra do que apenas da trama. 

Além de Tyler, o elenco conta com Donald Sutherland e Ruth Negga, dois atores de peso, infelizmente com pouco tempo em tela e papéis que, nesse caso, acabam tendo a responsabilidade de avançar a trama, que em momento algum promete focar em alguém além de Roy. Tommy Lee Jones retorna, depois de ter atuado em 2017 na péssima comédia Apenas o Começo; e mesmo que por vezes esteja presente em forma de gravações deixadas para trás pelo personagem, sua imagem é essencial para o crescimento do protagonista e o grande comentário final da obra. 

Ainda que o roteiro possua alguns diálogos pouco impressionantes, considerando a importância da narração de Pitt ao longo do filme, a obra se destaca por seus temas, boas atuações, excelente direção e impecável música de Max Richter (compositor da magestral On The Nature Of Daylight). James Gray se arrisca questionando nossa história e introduzindo alguns elementos bastante pontuais sobre religião que representam um pouco do possível futuro no qual nos encontraremos e na relação do ser humano com seus ídolos, seja ele a imagem de Deus ou um pai ausente, aproximando o divino e o paterno.  

Ad Astra é uma experiência diferente, a jornada solitária de um homem com um dilema universal. Aqui podemos ver como a humanidade conquistou a lua e até Marte, mas continua olhando para o céu na esperança de nova vida, esquecendo a que já possui.

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Séries

Undone | Experimentando com a realidade

Após terem escrito o sucesso Bojack Horseman, da Netflix, os roteiristas Kate Purdy e Raphael Bob-Waksberg (também showrunner da série), decidiram desenvolver uma nova produção, com um formato diferente e para outro serviço de streaming, dessa vez a Amazon Prime Video. A minissérie Undone é um drama peculiar em sua apresentação, envolvido em elementos de ficção científica.

Alma Winograd-Diaz (Rosa Salazar, de Alita: Anjo de Combate) está insatisfeita com a sua vida e não aguenta mais a rotina, até que um dia sofre um acidente de carro, causado por uma visão de seu falecido pai, Jacob (Bob Odenkirk), que descobriu uma maneira de manipular o tempo e mudar os eventos do dia de sua morte, mas vai precisar da ajuda de sua filha para que o plano dê certo.

Em oposição à Bojack HorsemanUndone utiliza um método de animação chamado rotoscopia, onde as filmagens com atores são aproveitadas para que novos quadros sejam desenhados “por cima delas”, criando um visual distinto que, de acordo com Kate Purdy, pode “brincar com a flexibilidade da realidade”.

Essa não é uma técnica nova, na verdade é bastante conhecida, presente no cinema e na TV há décadas, mas tem sido abordada de uma maneira ainda mais direta, onde há uma unidade maior entre as filmagens e a animação, o que pôde ser visto em filmes como O Homem Duplo ou Acordar Para a Vida (aquele com o “monólogo” sobre as formigas), ambos de Richard Linklater. Ainda assim, foi por conta do filme Cobain: A Montage of Heck, que Undone encontrou seu animador e diretor, Hisko Hulsing.

Undone

Com algumas sequências impressionantes, principalmente quando a série nos leva ao subconsciente dos personagens, onde carros congelam no tempo durante um diálogo ou a realidade é moldada num estalar de dedos, a narrativa se beneficia do formato e alterna entre diferentes linhas temporais, o que faz a alegria de qualquer fã de Philip K Dick (autor da obra que deu origem ao filme O Homem Duplo) e ficção científica em geral. Mas a série não se apoia apenas em apelo visual, tendo um roteiro inteligente, onde debates sobre identidade e o próprio conceito de realidade ficam em primeiro plano.

Por conta da ascendência mexicana de Alma, a série aborda também temas sobre preconceito racial, como a dificuldade da protagonista em se conectar com o noivo de sua irmã ou os comentários sarcásticos que ela faz sobre o passado que os EUA tenta apagar. A representatividade em Undone é bastante orgânica, como a figura de Sam (Siddharth Dhananjay), o namorado indiano de Alma, que chega a fazer uma piada sobre isso. Os diálogos também soam naturais, mesmo quando tentam brincar um pouco com as palavras, fazendo um trocadilho ou outro.

Essa é uma série curta, tendo apenas oito episódio, mas de ritmo lento, passando a maior parte do tempo desenvolvendo os laços familiares e explicando as regras da “viagem para o passado”. A ficção científica fica no banco de trás na maior parte do tempo, servindo mais para justificar a premissa, deixando o drama no volante, felizmente bem interpretado por um ótimo elenco.

O que Undone faz é entregar uma experiência arriscada, capaz de distrair e distanciar alguns não acostumados ou satisfeitos com a técnica (o que não é o meu caso), mas que ainda funciona muito bem como a jornada de uma jovem descobrindo sua própria identidade enquanto encara o desafio da aceitação.

Agora imagine uma adaptação da HQ Promethea nessa estilo!
Agora imagine uma adaptação da HQ Promethea nessa estilo!
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Cinema Literatura

O Planeta dos Macacos | O que é uma civilização?

“O que caracteriza uma civilização?

Será o gênio excepcional?

Não; é a vida rotineira”

O francês Pierre Boulle pode não ser um dos escritores mais conhecidos pelos leitores de ficção científica, principalmente por não se considerar um autor do gênero, mas seu trabalho merece reconhecimento, não só em âmbito literário, mas cinematográfico. Ele é responsável pelo roteiro do aclamado filme A Ponte do Rio Kwai, baseada em seu próprio romance de mesmo nome, mas é claro que nada chamou tanto a atenção quando seu trabalho em O Planeta dos Macacos. Com propostas e desenvolvimento de trama similares, não há grandes diferenças entre as versões das páginas e a das telas, com exceção, claro, da grande reviravolta final.

Talvez a maior diferença na abordagem narrativa entre os dois seja a sua estrutura. Enquanto o filme parte direto para a jornada do protagonista, o livro primeiro nos introduz a dois viajantes espaciais, um casal em lua de mel, que encontra uma garrafa à deriva na escuridão do espaço, mas dentro dela há uma mensagem, um diário escrito pelo jornalista Ulysse Mérou. Assim, nos situamos na narrativa principal, lendo os relatórios de Ulysse sobre uma aventura a trezentos anos-luz da Terra, a caminho da estrela Betelgeuse, em um planeta bastante similar ao nosso, com exceção de seus habitantes, uma sociedade constituída de macacos que podem falar como nós. O curioso é que neste planeta, também encontramos humanos, mas que regrediram de alguma forma e assumem o papel de animais daquele planeta.

O texto de Boulle é dinâmico e constrói os personagens, assim como suas intrigas políticas, eximiamente. A sagacidade dos diálogos e o desenvolvimento orgânico da trama faz a leitura da obra uma experiência agradável. Quando Ulysse Mérou e seus companheiros de viagem, o cientista Antelle e o jovem físico Arthur Levain, descem para a superfície de Soror, como decidiram chamar o planeta por conta de uma semelhança geográfica com a Terra, Boulle narra o primeiro contato com paciência, revelando aos poucos as informações que logo chocariam os personagens. Antelle e Arthur logo deixariam a história, o que nos deixa com os símios, principalmente o casal de cientistas Zira e Cornelius, e o respeitado ministro da ciência, Dr. Zaius. Logo, também acompanhamos de maneira pontual a humana Nova, incapaz de comunicação verbal, mas interesse romântico de Ulysse.

O Planeta dos macacos

Na contramão de sua primeira adaptação cinematográfica, em 1968, na qual Zaius torna-se o antagonista principal e os comentários sobre armamento nuclear são o tópico mais relevante para a conjuntura da época, a obra literária tem mais interesse em evidenciar nossa arrogância, com a proposta de refletir sobre o ciclo da humanidade, principalmente na forma como as sociedades acabam obsoletas.

Os símios do livro são o reflexo mais cristalino de nossa própria realidade, não importa em qual planeta ou ano, o que alguns podem ler como uma interpretação mais pessimista do autor. Ulysse encontra-se constantemente espantado ao confrontar as coincidências daquele mundo com o seu, observando a hierarquia entre os primatas e como eles se separam em gêneros, com os gorilas, orangotangos e chimpanzé tendo diferentes funções e responsabilidades na comunidade.

“O planeta inteiro é governado por um conselho de ministros, à frente do qual está um triunvirato, compreendendo um gorila, um orangotango e um chimpanzé […] Não se misturam à massa; não são vistos nas manifestações populares, mas são eles que dirigem a maioria das grandes empresas.”

Lançado originalmente em 1963, a obra de Boulle continua atual, isso se pudermos relevar a representação feminina quase previsível pela mídia da década, onde as mulheres por vezes serviam mais como um prêmio pelos feitos heróicos do protagonista ou apenas um interesse amoroso sem personalidade. No livro temos Nova, a “parceira” de Ulysse, incumbida da exclusiva tarefa de reagir aos estímulos do protagonista. É intrigante como, em contraste, a cientista símia Zira, tenha um papel bem mais ativo e chegue a ser talvez minha personagem favorita da versão literária.

É óbvio que eu não deixaria de falar das reviravoltas encontradas no livro e no filme, completamente diferentes. Se no filme temos Charlton Heston (George Taylor, protagonista com um nome norte-americano, ao contrário do francês Ulysse) na praia, berrando e amaldiçoando a humanidade depois do que acabou de presenciar, o livro não fica atrás e entrega duas incríveis revelações que transformam a leitura de quem já assistiu o filme em uma nova experiência. Por mais que Rod Serling, um dos roteiristas da versão cinematográfica, tenha feito um trabalho impecável de adaptação, fica fácil entender quem prefira a saída mais irônica de Boulle.

“Estou cansado de viver preso, mesmo na mais confortável das jaulas, mesmo aos seus cuidados.”

O Planeta dos macacos

Como mencionei a distinção entre o nome dos protagonistas, também vale mencionar como os dois possuem personalidades nem um pouco parecidas. De um lado, Ulysse é um jornalista arrogante e ocasionalmente hipócrita, enxergando o pedantismo de Zeius, mas não o seu, à medida que George Taylor configura a imagem do homem musculoso e carismático com um charuto sempre acesso, isso até o momento em que os perde, junto de suas roupas.

O Planeta dos Macacos é uma das leituras mais envolventes para qualquer um interessado em ficção científica ou apenas uma boa aventura, com personagens marcantes e um enredo excepcional. Entra para a lista de clássicos indispensáveis do gênero.

Capa O Planeta dos Macacos

Ficha Técnica:
Título Original: La planète des singes
Editora Aleph, 2015
Tradução de André Telles
Arte de Pedro Inoue
216 Páginas, Posfácio de Bráulio Tavares e entrevista com o autor.

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Séries

O Problema de The I-Land e os originais Netflix

The I-Land é uma das piores séries que eu já assisti.
Essa afirmação pode parecer hiperbólica, mas em apenas alguns episódios podemos ver como a nova série da Netflix não apenas possui uma total falta de noção na execução da narrativa, como sequer se deu ao trabalho de procurar por uma premissa original. Neste texto pretendo falar um pouco sobre essa série desastrosa e alguns outros lançamentos “originais” do serviço de streaming para o público amante de ficção científica. A maioria desses, no mínimo, decepcionante.

Em The I-Land (o título desnecessariamente estilizado já é um indício do que podemos esperar), um grupo se encontra perdido e sem memória em uma ilha misteriosa, eles não lembram seus próprios nomes mas precisam se unir para descobrir uma maneira de voltar para casa. Se você já ouviu essa premissa antes é porque provavelmente assistiu Lost, mas não se engane, ao contrário da aclamada série produzida por J.J. Abrams, Jeffrey Lieber e Damon Lindelof, The I-Land tem um enorme diferencial: pouquíssimos dos elementos apresentado funcionam de verdade.

Não faltam produções com propostas similares, e ter um conceito batido não seria ruim se a série ao mesmos soubesse executá-lo. Nos primeiros minutos há uma clara falta de organização, talvez culpa de um roteiro mal elaborado, o que poderia ser salvo pela direção, mas tirando as tomadas competentes que estabelecem o ambiente, e o CGI bem feito, o que The I-Land tenta fazer na maior parte do tempo é fornecer cenários cada vez mais forçados para tentar instalar tensão e desenvolver o drama entre os personagens.

The I-Land
The I-Land

Em vários momentos eles se deparam com alguma pista claramente colocada em seu campo de visão propositalmente, mas o grupo ignora cada uma delas e se prontifica a retornar para suas intrigas mal elaboradas. Isso, somado ao péssimo desempenho dos atores, travados e sem dimensão alguma (por vezes caracterizados por apenas um traço de personalidade, já que tudo o que precisam ser é apenas uma máquina de informação conveniente), deixa a experiência de assistir essa série uma das mais desconfortáveis desse ano.

Voltando ao roteiro e as formas óbvias na qual se manifesta, preciso falar da estrutura narrativa, o que realmente me deixou incomodado (até o momento, achava essa série apenas uma piada). O uso de números espalhado pela ilha para criar paranoia, a corporação misteriosa e os flashbacks que revelam, aos poucos, o passado dos personagens, são traços da história claramente influenciados por Lost. A falta de interesse da série em ao menos se distanciar disso revela como The I-Land é preguiçosa.

Além disso, os esforços para se apoiar no núcleo dramático dos personagens é uma aula de como não escrever um roteiro. Se há uma placa no meio da ilha que claramente os alerta de que algo maior está acontecendo, o que eles fazem é começar um debate sem sentido, o que na cabeça do roteirista talvez seja considerado “desenvolvimento de personagem”, mas o resultado é vergonhoso. Não há uma cena onde um diálogo acontece sem que algum tipo de intriga ou desentendimento aconteça, tirando da série qualquer respiro do enredo, isso faz com que o fascínio pelo lugar e o envolvimento do público com a história seja comprometido.

Infelizmente, esses problemas são só alguns dos que vem me incomodado bastante em algumas produções “originais” da Netflix — para deixar claro, eu sempre coloco assim porque a maior parte do conteúdo que o streaming considera original, ele apenas distribui. Se focarmos apenas nas produções de ficção científica, temos esses mesmos pontos negativos em séries como Outra Vida (estrelada por uma Katee Sackhoff em modo de piloto automático), onde temos igualmente um grupo que vive se desentendendo, sem mencionar algumas reviravoltas similares como a morte de um membro que causa comoção e animosidade entre a protagonista e o resto dos personagens.

Agora, se formos para o lado dos filmes, a realidade é ainda mais triste, com várias produções superficiais e estereotipadas, como IOExtinçãoPróxima Parada: ApocalipseO SilêncioTauSpectral ou ARQ, para mencionar alguns, que utilizam elementos batidos de subgêneros FC mas não sabem o que fazer com eles, vide The I-Land. É claro que há exceções, por exemplo, o filme I am Mother ou a excelente série The OA, sem contar os não-originais da Netflix, tais como Riqueza Tóxica ou Terra à Deriva.

Terra à Deriva
Terra à Deriva

Com a ascensão de serviços de streaming como Prime VideoHBO GO e Hulu (esse último apenas nos EUA), sem contar a poderosa Disney+, cada vez mais próxima, a Netflix produz e compra paulatinamente mais conteúdo para manter uma programação própria, mas ela tem um sério problema na hora de escolher esse conteúdo, muitas vezes pegando uma enxurrada de produtos mais baratos e de qualidade “duvidosa”, sem contar sua forma quase desleixada de divulgar novos filmes e séries, dando atenção apenas ao que já é aclamado, sem tentativa alguma de prestigiar material relevante para os próprios assinantes, no caso, os fãs de ficção científica que muitas vezes recebem por outras fontes a notícia de que filmes como Terra à Deriva estavam no catálogo.

Eu sei que o streaming não tem obrigação alguma em divulgar o que não interessa a ele, mas assim algumas oportunidades acabam sendo perdidas e a sua credibilidade com uma parcela do público pode ser afetada. Continuando com Terra à Deriva como exemplo, esse foi um filme que marcou a história do cinema chinês e do mercado cinematográfico asiático, batendo recordes de bilheteria que superaram até filmes da Disney / Marvel (eu falo mais sobre isso na minha crítica do filme), então seria mais do que justo utilizar informações como essa para instigar o público, muitas vezes parado por horas na frente da TV sem saber o que escolher para assistir.

É uma pena ver mais uma série Sci-Fi chegando na netflix e ter um resultado tão negativo, mas esse parece ser o caminho que a Netflix decidiu seguir quando se trata de produções do gênero. Espero que seja passageiro e as coisas melhores, até lá continuamos caçando coisas boas no catálogo.

¯\_(ツ)_/¯

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Literatura

A Curva do Sonho | A vida não pode ser segura

George Orr é uma figura peculiar. Com exceção de seu talento para os desenhos, poderia ser apenas um homem simples de rotina calma, mas tem abusado do seu medicamento porque acredita possuir a habilidade de mudar a realidade através de seus sonhos, então permanecer consciente parece ser a melhor opção para evitar qualquer possível catástrofe, já que não é apenas a sua realidade que muda, mas a de todos. Se Orr vivesse em ignorância, talvez tivesse uma vida mais fácil (considerando as circunstâncias), no entanto, ele mantém sua memória e lembra de todas as vezes em que seus sonhos moldaram a existência.

Isso faz com que ele seja “convidado” a atender sessões de terapia com o doutor William Haber, um psiquiatra e pesquisador sobre as condições de sono que acredita no infortúnio de Orr e passa a utilizar seu intelecto e recursos para propósitos pessoais, tentando assim se transformar em um dos homens mais poderosos do mundo. Quando os sonhos do paciente provam-se efetivos, Orr e Haber começam um esquema arriscado onde não apenas a realidade, mas suas mentes, são manipuladas.

Escrito por Ursula K Le Guin, A Curva do Sonho é um romance curto, mas de grande impacto, mais uma vez salientando como a autora trata temas relevantes e perenes de forma inteligente, principalmente considerando que a obra foi publicada originalmente em 1971, apenas dois anos depois do seu clássico A Mão Esquerda da Escuridão.

A humanidade enfrenta a superpopulação e os desastres das mudanças climáticas. Temos um drama ambientado no “nosso mundo”, em Portland, no Oregon, e esse é um elemento importante para entender alguns aspectos da obra, como a pintura do Monte Hood, no consultório de Haber, tornando-se parte da trama. Mas esse é apenas um detalhe quando percebemos que a verdadeira força da história está na maneira como os sonhos se concretizam, com sucesso ou não em sua premissa, apresentando cenários aparentemente utópicos, mas que logo revelam-se cheios de falhas, como quando Orr sonha com um mundo livre da superpopulação, mas para resolver isso acaba inventando uma praga que dizimou parte da população.

A Curva do Sonho

É através da execução dos sonhos que Ursula nos apresenta alguns dos principais temas da obra, com debates filosóficos sobre determinismo e a nossa necessidade de livre-arbítrio. Cada capítulo é anunciado com citações sobre o assunto, a maioria envolvendo algum pensamento de tradição taoista, onde é atribuída uma força poderosa e invisível por toda existência. Além disso, uma das comparações mais óbvias que podemos fazer é com as obras de Philip K Dick, por conta das experiências envolvendo realidades alternativas, mas Le Guin não deixa de trazer sua própria voz, abordando mais uma vez um debate sobre individualidade e racismo, como quando Orr sonha em acabar com a desigualdade racial, mas as coisas não saem do melhor jeito.

“Eliminamos o problema de cor, de ódio racial. Eliminamos a guerra. Eliminamos o risco de deterioração da espécie e o estímulo a linhagens com genes deletérios. Eliminamos… não, digamos que estamos em processo de eliminação… a pobreza, a desigualdade, a guerra de classes, em todo mundo. O que mais?”

Em uma leitura mais rápida como essa, ainda assim temos um excelente desenvolvimento de personagens, mostrando a evolução do passivo Orr, aceitando tudo que lhe é mandado, e do inteligente e malicioso doutor Haber. Logo cedo, também somos introduzidos a Heather Lelache, uma advogada pela qual Orr acaba se apaixonando. Temos uma narrativa que intercala entre núcleos dramáticos, e essa é talvez a parte mais envolvente da obra, que infelizmente sofre um pequeno tropeço em sua segunda metade, quando tenta introduzir eventos cada vez mais absurdos e impactantes, mas acaba ironicamente perdendo um pouco da sua força, antes concentrada em seus personagens e uma premissa consistente. Não é algo que chega a estragar a leitura, mas pode distrair alguns da proposta original do livro.

A Curva do Sonho é mais uma tentativa de Ursula K Le Guin em nos mostrar o potencial humano, seja ele para o bem ou não. Os dilemas de George Orr, por mais que cobertos por algumas camadas de ficção científica, são universais, mostrando como não somos donos de nosso destino e talvez seja melhor assim.

Capa A Curva do Sonho

Ficha Técnica
Título Original: The Lathe of Heaven,
de Ursula K Le Guin
Editora Morro Branco, 224 Páginas
Arte (que brilha no escuro!) de Paula Cruz
Tradução de Heci Regina Candiani

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Quadrinhos

SAGA – Vol. 1: Magia, Espadas e Recém-Nascidos

Poucas HQs foram tão aclamadas pelo público e crítica quanto Saga. Com argumento de Brian K. Vaughan (Y: O Último Homem) e arte de Fiona Staples (Archie), a revista, publicada pela Image Comics, é uma das space opera mais criativas que você vai ler. Em um mundo onde humanoides com uma televisão no lugar da cabeça comandam um exército e felinos podem detectar se uma afirmação é verdadeira ou falsa, seguimos Alana e Marko, um casal fugindo das autoridades por terem concebido uma criança em período de guerra entre as suas duas raças. Alana vem de Aterro (Landfall, no original), o maior planeta da galáxia, mais militarizado e acostumado ao uso de tecnologia. Marko, por outro lado, vem de Grinalda (Wreath), a lua natural de Aterro, onde seus habitantes tem bastante conhecimento no uso de magia.

Uma das coisas mais curiosas da série, logo de cara, é a sua estrutura. A história é narrada pelo bebê do casal, Hazel, mas de um período não determinado no futuro. Ainda que ela sirva como um narrador onisciente (e presente), o leitor não se restringe ao núcleo dramático de sua família, fazendo assim com que as conversas e conspirações entre os governos possam ser observadas com cautela, e a jornada de O Querer (The Will), um caçador de recompensas de Grinalda, encarregado de deter o casal e capturar a criança, possa se desenvolver com bastante tensão.

As seis primeiras edições, compiladas no primeiro encadernado da série, tem a tarefa de apresentar os personagens e pelo menos uma parcela de seu universo – o que não é fácil, considerando a quantidade de elementos e temas que Brian K. Vaughan promete explorar (aqui eu me atenho apenas ao que é introduzido no primeiro encadernado), com debates sobre a natureza da guerra e da perversão humana, um tópico que fica evidente quando assistimos a missão de O Querer terminar com uma revelação chocante envolvendo escravidão sexual.

SAGA - Vol. 1: Magia, Espadas e Recém-Nascidos

O mundo de Saga é rico em detalhes, mas não são apenas as informações sobre magia e figuras importantes que chama a atenção, mas a maneira como o cotidiano é retratado com uma naturalidade incomum nos quadrinhos, revelando como o casal principal tem mais problema enfrentando os desafios da parentalidade e as discussões da relação ao invés das ameaças armadas que surgem em cada esquina (mesmo quando não há uma). Isso faz com que o público compreenda com mais facilidade os personagens, sem contar que todos possuem um certo charme e sabem divertir, mesmo tendo um papel mais antagônico.

O roteiro de Vaughan tem um ritmo excelente, sabendo mesclar com sucesso a comédia, o drama, o terror e a violência; e mesmo que os diálogos não sejam um grande destaque, contribuem para a construção dos personagens e resumem bem os pontos mais importantes da trama. Através deles, podemos compreender o comportamento mais pacifista de Marko, a atitude sarcástica de Alana, a fachada intimidadora de O Querer, ou o descontrole emocional do Príncipe Robô IV (aquele humanoide com uma TV na cabeça que mencionei anteriormente).

Mas se o roteiro de Vaughan mantém o interesse do leitor é por causa da arte de Fiona Staples. A canadense começou sua carreira com pequenos projetos e participações pontuais em alguns materiais, como a antologia de horror Contos do Dia das Bruxas, adaptação do filme de mesmo nome. Staples consegue um desenho expressivo e de enorme impacto visual, não importa o quão violenta ou inocente seja a proposta da página.

Tenho lido várias comparações da HQ com produções como Star Wars, Game of Thrones ou até a tragédia de Shakespeare, Romeu e Julieta, mas ainda que a intenção seja boa, nenhum desses exemplos realmente representa o que Saga faz, um debate relevante através de uma interpretação introspectiva das suas space opera favoritas, o que prova porque ela tem chamado tanta atenção.

SAGA - Vol. 1: Magia, Espadas e Recém-Nascidos