Produções independentes de ficção científica sempre chamam a minha atenção pelo potencial do que pode ser feito com um orçamento reduzido, e na maioria das vezes são surpresas positivas, compensando efeitos visuais com um enredo e personagens bem construídos. É claro que existem casos onde, mesmo com pouco dinheiro, um filme consegue realizar efeitos visuais de qualidade, afinal o que importa não é só ter a ferramenta, mas saber usá-la (já falei de vários por aqui, como Riqueza Tóxica, A Vastidão da Noite ou I am Mother).
Distribuída pela Netflix, Capitã Nova (Captain Nova) é uma produção holandesa dirigida por Maurice Trouwborst, com uma premissa conhecida entre os fãs de ficção científica. Em um futuro devastado por desastres ambientais, a astronauta Nova (Anniek Pheifer) volta no tempo para alertar a humanidade sobre os eventos catastróficos, mas um efeito colateral da viagem faz com que a astronauta volte à ser uma pré-adolescente, o que faz com que ninguém leve a sério sua mensagem. Com a ajuda de Nas (Marouane Meftah), um garoto que a salva depois de um pouso forçado, Nova (agora interpretada por Kika van de Vijver) parte em sua missão.
Antes de tudo, o que é bom. Sempre aprecio o esforço da equipe responsável pelos equipamentos e efeitos práticos em produções independentes como essa. Aqui as armas “futuristas” plásticas podem entregar um pouco sua artificialidade por conta de uma iluminação ruim nas tomadas que se passam de dia (aí é mais culpa da direção de arte mesmo), mas há dois elementos que recebem mais atenção, a nave e o robô assistente de Nova. O robô, ADD (dublado por Sander Van de Pavert) serve como alívio cômico, e mesmo que não seja engraçado, foi um bom trabalho da equipe, incluindo circuitos para fazê-lo piscar e realizar pequenos movimentos, mesmo limitado a ficar nos ombros de Nova. Quanto à nave, excelente trabalho com a textura e a pintura, e acredito que a própria equipe ficou bastante orgulhosa com o resultado, considerando como adoram deixar a câmera nela, rendendo até uma sequência em que uma personagem encontra a nave e temos um ângulo completo dela.
Elogiar componentes aparentemente simples como uma nave e um robô podem parecer algo supérfluo para o público atual, acostumado com efeitos visuais mais avançados, mas devo dar crédito onde ele merece ser dado, e um filme de orçamento limitado como esse deve receber o elogio pelo bom trabalho de efeitos práticos. Contudo, assim como a obra recebe ser parabéns, tem seus pontos baixos, os maiores deles sendo o enredo e as atuações.
Capitã Nova tem uma promessa clara de crítica ambiental, mas é incapaz de cumpri-la por conta de um enredo remendado por conveniências e uma trama previsível, e muito disso se dá por conta das personagens e suas ações “questionáveis”. É quase cômico como personagens estão constantemente fazendo as piores decisões possíveis e sendo completamente incompetentes em suas ações. Isso parece exagero, mas é frustrante assistir duas crianças invadindo casas e até uma base militar sem qualquer obstáculo, nem uma câmera de segurança ou porta trancada, mas quando assistimos o núcleo dramático da detetive Clair (Hannah van Lunteren), ela está rodeada por homens armados, prontos para atirar em duas crianças que estão apenas com uma arma que paralisa os oponentes e um robô que não sabe fazer piadas.
Outro enorme incômodo são as personagens principais, sem qualquer desenvolvimento além de suas características básicas (Nova é a astronauta séria e Nas é o jovem rebelde o filme inteiro), tanto que até o antagonista principal, com apenas dez minutos de tela, tem um drama pessoal mais elaborado, envolvendo a relação com um pai abusivo. Sendo bem honesto, a personagem de Nas é a mais desnecessária do filme porque ele só segue Nova durante toda sua jornada, mas como ela já conhece a Terra e sabe com quem falar e onde ir, ele não serve sequer para introduzir algum elemento para ela ou o espectador, é apenas uma criança sem expressão. Tudo piora quando uma das revelações da trama envolve a relação de Nova com Nas, fazendo parecer que ele está no filme com um único propósito: servir de interesse amoroso para a versão adulta de Nova (o roteiro é previsível nesse nível).
Algumas pessoas podem dizer que não posso ser tão rígido com a atuação de uma criança, mas algumas das melhores atuações da história do cinema vieram de papéis infantis (Spielberg basicamente fez sua carreira em cima disso), e Marouane Meftah esbanja uma falta de carisma inacreditável, tentando manter a mesma cara séria por mais de uma hora de duração do longa. Kika van de Vijver também não se salva da crítica porque tenta emular a seriedade da versão adulta de Nova, mas sem qualquer emoção, parece um cosplay do Juiz Dredd, mas sem capacete, ou graça alguma. Tudo bem, brincadeiras à parte, as atuações não estão inspiradas, e isso afeta personagens que também não são bem escritos.
Capitã Nova é uma produção independente com orçamento o suficiente para efeitos práticos decentes e uma direção de arte competente (mais em tomadas noturnas, porque as de dia não são tão boas assim), mas parece não ter se importado com o que realmente faz obras do tipo se destacarem, trazendo personagens fracos e um roteiro preguiçoso.
Capitã Nova (Captain Nova, 2021 – Países Baixos)
Direção de Maurice Trouwborst
Roteiro de Lotte Tabbers e Maurice Trouwborst
Atuações de Kika van de Vijver, Marouane Meftah, Anniek Pheifer, Joep Vermolen, Steef Cuijpers, Sander Van de Pavert
Duração: 1h 26min