Mike Cahill é um daqueles diretores com poucos trabalhos no currículo, isso porque ele costuma ter uma visão bem definida do que pretende colocar em seus filmes, a maioria deles sendo narrativas com elementos de ficção científica, mas indo além disso, com uma atenção maior para o componente humano. Seu primeiro longa, A Outra Terra (Another Earth, 2011), uma produção independente com conceitos criativos envolvendo o surgimento de um novo planeta idêntico ao nosso, e um enredo com temas bem estabelecidos sobre redenção. Cahill continuou sua combinação de ficção científica carregada de drama e debates íntimos sobre a condição humana em O Universo no Olhar (I, Origin 2014), onde trouxe um elenco maior e uma proposta mais ambiciosa, sem contar que repetiu a sua parceria com a excelente Brit Marling, atriz que também ficou conhecida por seu trabalho escrevendo o roteiro da série The OA (cancelada cedo demais após apenas duas temporadas).
Então, para aumentar ainda mais a escala, o diretor trouxe Bliss: Em Busca da Felicidade (apenas Bliss no original), com um elenco principal de rostos conhecidos e uma narrativa sobre… bem, sobre tópicos familiares para os fãs de ficção científica, mas que podem ser considerados spoilers pesados. Então, para essa crítica, deixarei os spoilers separados em uma categoria própria, assim você pode ler antes e depois de assistir ao filme. Vamos ao que interessa:
Greg Wittle e seus pensamentos
Preso em um trabalho monótono e sem saída, Greg Wittle (Owen Wilson) passa a maior parte de seu tempo desenhando e imaginando novos mundos onde pode descansar sua mente e não precisa lidar com seu recente divórcio ou a dificuldade para se conectar com os filhos. Mas depois de ser demitido, ou quase, Greg conhece Isabel Clemens (Salma Hayek), uma mulher misteriosa e convencida de que o mundo à sua volta não passa de uma simulação. Mesmo relutante, ele decide ouvir a mulher e ver até onde ela acredita em sua teoria, mas não demora para que Greg comece a perceber padrões e coincidências na conspiração que Isabel criou sobre sua realidade.
Antes mesmo de assistir ao filme, a primeira coisa que me pareceu estranha foi a decisão de ter Owen Wilson e Salma Hayek como os personagens principais. São dois atores competentes, cada um já teve sua parcela de ótimos filmes (Owen com Meia Noite em Paris e Salma com Frida) e alguns desastres (Owen em Gênios do Crime e Salma em Gente Grande), mas nunca os imaginei protagonizando um filme desses. E talvez eu nunca tenha pensado nisso por um motivo, porque a dupla não consegue oferecer tudo que seus personagens precisam em algumas partes.
Salma até consegue um bom trabalho alternando entre uma pessoa extravagante e intimidadora, indo para uma personagem mais contida; mas Wilson mantém seu tom ao longo do filme, e não é como se ele estivesse apenas mantendo a consistência de um personagem com ansiedade. Ele é constantemente bombardeado por novas revelações e, mesmo quando chega em um ponto de completa realização pessoal, nunca parece deixar isso claro. Mas há a chance de tudo isso estar ligado à temática da obra, o que eu não descarto, mas ainda assim não vejo como uma justificativa forte o suficiente.
O que Cahill faz é entregar uma ambiguidade entre realidade e fantasia, revelando sequências absurdas, mas ao mesmo tempo contrabalanceando com pequenos momentos capazes de estabelecer de forma “objetiva” o que estamos vendo, e mesmo assim, não há certeza (talvez consistência seja uma palavra melhor) em qualquer uma das duas perspectivas. Em certo ponto, assistimos Greg se livrar de um grupo de criminosos de uma forma que literalmente desafia as leis da física, mas o próprio enredo do longa estabelece que isso pôde ser realizado por conta de um produto que, aparentemente, Isabel é uma das poucas pessoas capazes de conseguir. Ao mesmo tempo que o filme define uma regra para seus eventos mais absurdos, ele também apresenta uma terceira camada, quase como uma incerteza causada pela própria regra que estabeleceu.
Esse é o tipo de abordagem que eu espero de um diretor como Shane Carruth (do independentíssimo Primer; e o menos independente, mas também menos conhecido Upstream Color), que também adora se aproveitar de narrativas especulativas ou fantasiosas para criar um drama maior através de metáforas e símbolos (falarei deles mais pra frente). Mas enquanto Carruth abraça completamente o abstrato, o que talvez fizesse mais sentido para a ambiguidade que Bliss tenta propor, Cahill chega a flertar com sequências oníricas e jogos de câmera que tentam representar a confusão dos personagens, mas a tentativa de conciliar o drama do protagonista com a dúvida causada pela trama deixa a verdadeira proposta do filme mais óbvia do que o necessário, e em certo ponto surge a sensação de estarmos assistindo um truque de mágica longo demais porque, em algum momento no meio do caminho, acabamos descobrindo como o truque é feito.
Ao Regresso Infinito: Os Temas e as Referências de Bliss
(Spoilers, pule para a Conclusão se quiser evitá-los)
Por mais que na superfície a proposta caminhe em um território fantasioso, não demora para ficar claro que estamos lidando com um roteiro que utiliza a ficção científica de forma simbólica, um pano de fundo para debater tópicos mais delicados, nesse caso, o vício. Na primeira cena podemos ver Greg tomando pílulas controladas, e pelo que seu diálogo indica, elas acabaram. Além disso, o protagonista sofre ao tentar manter-se limpo das drogas, mas acaba tendo uma recaída ao encontrar Isabel, que o induz a tomar cristais capazes de fazê-lo “acordar da falsa realidade em que vive”.
Por mais que o filme aparente criar uma certa estabilidade na forma como suas sequências mais surreais são apresentadas, o diretor nunca nos deixa sozinhos tempo o suficiente com nossos pensamentos. A intenção é clara e tudo com o que ficamos é a incerteza sobre as regras daquele mundo e a percepção de realidade do protagonista, mas quando essa dúvida é rapidamente deixada de lado (logo na cena em que os dois são liberados da prisão, podemos ver a entrada para um centro de reabilitação), o filme continua com sua estrutura de procurar nos deixar (desnecessariamente) em uma área mais nebulosa, alternando entre a jornada de Greg e o desespero de sua filha em ajudá-lo.
Outro tema bastante explorado por Bliss é o argumento da regressão infinita, envolvendo uma batalha entre nosso conhecimento e crenças, e assim Greg está constantemente questionando sua realidade, mas ao mesmo tempo, tentando justificá-la. Em uma cena-chave temos uma personagem interpretada pelo divulgador científico Bill Nye, que menciona a expressão “Turtles all the way down”, que é basicamente uma das principais representações desse conceito, envolvendo uma tartaruga apoiada no casco de outra tartaruga, e depois outra, e por aí vai. Essa ideia do constante retorno, da tentativa de justificar algo com um argumento que apenas dificulta a compreensão do que foi estabelecido originalmente é uma que já foi interpretada em outras mídias, como em It: A Coisa, de Stephen King, ou os livros da série Discworld, de Terry Pratchett.
E já que estou mencionando participações especiais (Bill Nye interpreta uma personagem, mas é basicamente ele), uma que me pegou de surpresa foi a do filósofo Slavoj Zizek, que aqui está em um de seus monólogos sobre ideologia social, mas como um holograma na “verdadeira realidade” apresentada por Isabel. Na cena, ele menciona como talvez o conceito de inferno não seja tão ruim quanto dizem, e continua com seus maneirismos, o que foi bem divertido de ver, sem contar que ele não poderia fazer uma ponta no filme sem mandar um de seus “And so on”.
Conclusão
O envolvimento de Cahill no projeto me deixou animado para o que esse filme pudesse ser, e o fato de ele estar por trás do roteiro fez com que tudo parecesse ainda mais seguro. Por mais que os temas sejam genuinamente interessantes, é a forma como o filme trabalha seus símbolos que realmente me fez considerar esse um de seus trabalhos mais fracos. Ainda há muito o que ser aproveitado aqui, como a trama principal da filha de Greg o procurando pela cidade, ou a perseguição nos minutos finais, mas a tentativa de transformar uma narrativa especulativa em uma metáfora para assuntos mais delicados não terminou bem, e ficamos com uma execução rasa e previsível para o que poderia ser um estudo de personagem bem mais envolvente.
Não desistirei de Mike Cahill tão fácil, mas talvez seja hora dele lembrar porque seus filmes menores foram tão queridos, e não foi pelo elenco mais famoso ou um maior orçamento, mas pela forma inteligente com que conduzia seu enredo.
“Bliss: Em Busca da Felicidade” está disponível na Amazon Prime Video
Convenhamos que o ano 2020 foi um desastre em quase todos os aspectos. Além de toda a tragédia das vidas perdidas por conta do vírus COVID-19, a indústria do audiovisual também teve suas baixas, principalmente as salas de cinema, que não puderam receber os espectadores e ficaram fechadas por meses, dando bastante prejuízo para os exibidores. Mas o que é entretenimento e comércio perto de vidas humanas?
Esse pode ter sido o pior ano da indústria cinematográfica (nem mesmo em tempos de guerra tivemos uma reação em cadeia tão grande de salas sendo fechadas), mas a TV e os serviços de streaming conseguiram manter suas séries em dia, isso porque a maioria já tinha sido filmada e só precisou passar pelo tratamento na pós produção. E por mais que eu queira indicar séries pouco reconhecidas, comoTruth Seekers(disponível no Amazon Prime Video), o meu compromisso aqui é com ficção científica, e não há elementos o suficiente para poder estabelecer essa série como algo do gênero, mas fica a dica mesmo assim.
Agora vamos para as regras:
1. Nos anos anteriores, as retrospectivas têm seguido um formato um pouco diferente, no qual listo e faço pequenos comentários sobre cada produção que merece um destaque naquele ano. Mas por destacar apenas as que eu gostei, deixei de fora outras séries que, por mais que eu não considere essenciais, podem acabar agradando alguém. Por isso, esse ano decidi desenvolver a retrospectiva em forma de lista, indo da pior para a melhor.
2. Entram na lista apenas as séries que tiveram exibição em 2020, e para alguns casos, eu incluí produções que tiveram início no ano anterior, mas terminaram em 2020, assim como produções que tiveram início em 2020 e terminarão em 2021. Pelo menos metade da temporada precisa ter sido exibida durante o ano da retrospectiva.
3. Infelizmente, como sou apenas uma pessoa, não fui capaz de assistir TUDO que foi lançado no ano, mas acredito que o número de produções mencionadas nesse texto será satisfatório. Séries como Doctor Who, Stranger Things, Agents of S.H.I.E.L.D e Future Man acabaram sendo deixados como MENÇÃO HONROSA simplesmente porque (ainda) não assisti as novas temporadas, mas deixo aqui como indicação já que nunca chegaram a decepcionar, então merecem ao menos esse pequeno reconhecimento. E perdão aos fãs de Lovecraft Country, porque ainda não terminei a temporada, mas até onde vi, estava muito boa, então… menção honrosa também.
4. Obviamente, a ordem da lista segue minha opinião completamente subjetiva, já que gosto é gosto, mas a principal função desse texto é lembrar, criticar e indicar o que saiu de melhor (e pior) na ficção científica de 2020.
Agora, vamos ao que interessa: O ranking das 21 séries de ficção científica de 2020, da pior para a melhor.
21º Lugar | AWAY (2020)
Desenvolvida por Andrew Hinderaker Disponível na Netflix
Com um elenco mais do que competente, nem mesmo as atuações da premiada Hilary Swank e Josh Charles conseguem salvar o melodrama original da Netflix, que vem tentando emplacar mais produções de ficção especulativa nos últimos anos, mas com sua política de prezar por quantidade no lugar da qualidade, o catálogo do serviço de streaming acaba trazendo séries como Outra Vida ou The I-Land, e esse ano com Away.
A astronauta Emma Green (Swank) está prestes a embarcar em uma missão arriscada com uma equipe internacional, mas não está pronta para deixar seu marido e filha sozinhos na Terra. A proposta de desenvolver um drama mais íntimo é boa, e a série chegou a ser uma das mais assistidas em sua semana de lançamento, mas o enredo fraco e repetitivo fez com que o público perdesse o interesse rapidamente, e como a Netflix baseia suas renovações de série quase exclusivamente em “audiência”, Away foi cancelada.
Hilary Swank esteve no elenco de um dos melhores filmes FC de 2019, o thriller independente I am Mother. Depois de ter entregado uma atuação tão boa e o filme ter recebido certo reconhecimento entre os fãs do gênero, é uma pena ver que Away não foi a melhor escolha para aproveitá-la. Não foi uma série ruim, mas facilmente a mais esquecível da lista (uma grande parte já sumiu da minha memória).
20º Lugar | UTOPIA (2020)
Desenvolvida por Gillian Flynn Disponível na Amazon Prime Video
Em 2013, Dennis Kelly foi responsável por uma das séries mais loucas da TV britânica. Utopia é protagonizada por um grupo de de amigos virtuais que acabam se encontrando para debater sua teoria da conspiração favorita, uma revista em quadrinhos que aparentemente contém informações capazes de revelar um enorme segredo envolvendo futuras ameaças, como sabotagem corporativa ou até mesmo uma pandemia. Durante sua exibição original, a série não atraiu tanto o público quando merecia, mas ao longo dos anos passou a ser reconhecida como uma produção bastante cultuada por quem é apaixonado por ficção científica.
Mas como toda boa obra lançada em qualquer parte do mundo, chega o momento em que algum estúdio decide adaptar a história para o público norte-americano. Só que dessa vez, tínhamos os nomes de David Fincher e Gillian Flynn no comando, os mesmos responsáveis pelo excelente filme Garota Exemplar, então talvez dessa vez a versão estadunidense pudesse trazer algo de novo, ainda mais considerando toda a premissa absurda e o contexto de um 2020 tomado por uma pandemia.
Para a tristeza de alguns, David Fincher acabou saindo do projeto para se dedicar ao seu próximo longa-metragem, o drama Mank. Ainda assim, Flynn é uma realizadora inteligente, o que acalmou o público. Mas depois de lançar sua primeira temporada, a versão norte-americana de Utopia se mostrou apenas uma colagem dos melhores momentos da série original, mas sem o mesmo impacto visual das cores e movimentos de câmera criativos, ou a forma como a trama era muito bem executada, dando igual atenção para cada núcleo dramático. Mesmo com um ótimo elenco, que inclui Rainn Wilson e John Cusack, Utopia tentou respeitar o material original, mas esqueceu que toda boa adaptação precisa de mudanças, então ficamos com uma temporada cheia de bons efeitos visuais e atuações, mas sem charme algum.
19º Lugar | ADMIRÁVEL MUNDO NOVO (2020)
Desenvolvida por Grant Morrison, Brian Taylor e David Wiener Sem distribuição no Brasil. Disponível no streaming Peacock.
Adaptar o clássico de Aldous Huxley, Admirável Mundo Novo, não é tarefa fácil. Por isso, o estreante serviço de streaming Peacock decidiu trazer três showrunners para desenvolver a série. De primeira, fiquei curioso com o envolvimento de Grant Morrison, um quadrinista que adoro e sempre tem idéias bem mirabolantes para suas histórias. Por um lado, ele realmente colaborou para uma construção de mundo mais contemporânea, utilizando elementos do livro original para formar um comentário intrigante sobre entretenimento, mídia e excesso. Mas ao mesmo tempo que sua visão diferente cria um tom único para a série, também a compromete por não dar a mesma atenção aos personagens.
Ao contrário de Utopia, Admirável Mundo Novo soube adaptar o material e transformá-lo em algo novo, mas o drama e enredo fraco fizeram com que tudo isso fosse uma grande oportunidade desperdiçada, tanto que a série foi cancelada antes do ano acabar.
18º Lugar | DARK (2017-2020)
Desenvolvida por Baran Bo Odar e Jantje Friese Disponível na Netflix
Foi apenas esse ano que finalmente decidi maratonar a aclamada série alemã, Dark, o drama que conta a história de quatro famílias na pequena cidade de Winden. Cheia de segredos entre seus habitantes, a cidade também esconde um mistério envolvendo o desaparecimento de suas crianças em datas diferentes, mas circunstâncias similares.
Em uma jornada envolvendo viagem temporal e realidades alternativas, o público ficou fascinado pela forma que a série trabalhou seus temas nas duas primeiras temporadas, e por isso havia uma grande expectativa pela sua terceira e última.
Com tantos personagens, conceitos e elementos complexos, Dark teve dificuldade ao tentar equilibrá-los, o que resultou em uma temporada final mais inconsistente e apressada, que precisou dar tanta atenção para explicar seus conceitos, mas acabou esquecendo de desenvolver o que fez dela um sucesso em primeiro lugar: o drama dos personagens.
17º Lugar | WESTWORLD (2016- )
Desenvolvida por Jonathan Nolan e Lisa Joy Exibido pela HBO e disponível na HBO GO
Adaptação seriada do clássico Westworld: Onde Ninguém tem Alma, de 1973, Westworld tem sido uma das minhas séries favoritas desde sua estréia, com uma primeira temporada impressionante, não só em escala por conta do investimento nos efeitos visuais, mas no ótimo enredo, com uma narrativa inventiva e cheia de diálogos impecáveis, ainda mais quando interpretados por alguém do calibre de Anthony Hopkins. Mas ele não é o único destaque, já que o elenco é um dos pontos altos da obra, com nomes como Evan Rachel Wood e Ed Harris.
Mas como uma série tão incrível foi parar em uma posição tão desfavorecida quanto essa? Infelizmente, depois de uma segunda temporada menos impactante do que a primeira, a terceira procurou por revelações e tramas ainda mais impressionantes. O problema é que ela tentou demais ao ponto de ter desenvolvido sua narrativa inteira em volta de reviravoltas, muitas delas previsíveis e desnecessárias, que simplesmente davam em nada, com subtramas abandonadas aleatoriamente. Nem mesmo incluir Aaron Paul no elenco ajudou, e Westworld foi da série mais criativa da HBO para uma ficção científica voltada para um cyberpunk quase sem identidade.
16º Lugar | RAISED BY WOLVES (2020-)
Desenvolvida por Aaron Guzikowski Sem distribuição nacional. Disponível apenas no streaming HBO MAX.
Uma série sobre androides cuidando das últimas crianças humanas depois de uma guerra na Terra? Quero! Produzida por Ridley Scott? QUERO MESMO! E por mais que eu tenha me animado bastante com os visuais incríveis e boas atuações, Raised By Wolves cai na mesma armadilha de Westworld e Dark, e parece se enroscar no emaranhado de símbolos e metáforas religiosas que tenta conciliar com elementos de ficção científica.
Não é a primeira vez, e não será a última, que Ridley Scott se aproveita de conceitos existenciais e religiosos para desenvolver um comentário sobre a moralidade humana. Os temas e os mistérios são intrigantes, há muitas ideias boas na proposta, mas a execução peca ao tratá-las de forma superficial, criando conclusões sem muito peso para o drama dos personagens. Com exceção de uma direção de arte belíssima, Raised by Wolves se beneficiaria ainda mais de um roteiro menos carregado.
Ainda assim, que final foi aquele? Conte comigo para a segunda temporada!
15º Lugar | SNOWPIERCER (2020-)
Desenvolvida por Josh Friedman e Graeme Manson Disponível na Netflix
Adaptação de um quadrinho de mesmo nome, o filme Snowpiercer (Expresso do Amanhã) foi lançado em 2013, e pode não ter recebido tanta atenção na época, mas começou a ganhar fôlego com o passar dos anos, principalmente pelo conceito de transformar um trem em uma alegoria para a batalha de classes, com cada vagão servindo como uma representação de alguma casta social. E a popularidade pode ter aumentado ainda mais por conta de seu diretor, Bong Joon Ho, que venceu o Oscar 2020 com seu filme Parasita.
Como (quase) tudo que faz sucesso no cinema, Snowpiercer recebeu uma versão seriada, estrelada pelo carismático Daveed Diggs. Mas para que a narrativa funcione em um formato episódico, a saída foi transformar a alegoria política do filme em um thriller policial, com um protagonista que, ao invés de apenas tentar mudar o sistema, agora precisa usar suas habilidades como detetive para resolver um caso de assassinato.
Com um bom elenco e um enredo competente, Snowpiercer não chega a ter todo o impacto visual do longa de 2013, mas é uma boa pedida para quem procura uma série policial em um futuro pós-apocalíptico.
14º Lugar | STAR TREK: PICARD (2020-)
De Alex Kurtzman, Akiva Goldsman, Michael Chabon e Kirsten Beyer. Disponível na Amazon Prime Video
Nada me deixou tão ansioso quanto o retorno de Jean-Luc Picard, um dos capitães mais adorados da franquia e protagonista da série Jornada nas Estrelas:A Nova Geração (The Next Generation), interpretado por Patrick Stewart. Essa foi uma série que tinha diversos obstáculos em seu caminho, como ter que agradar o público da série original e conquistar novos espectadores.
O resultado é um híbrido entre a ação rápida da timeline Kelvin e da série Discovery, com toques de A Nova Geração, dando espaço para pequenos momentos de reflexão e silêncio (pequenos mesmo, infelizmente). Talvez nem todos concordem com essa decisão, mas particularmente considero um compromisso necessário, desde que tenhamos um enredo e personagens consistentes.
Mas infelizmente, para cada acerto, a temporada também cometeu erros enormes. Além de toda a violência gratuita e as subtramas mal construídas, Picard parece um coadjuvante em sua própria série, dando espaço para personagens bem menos interessantes.
13º Lugar | UPLOAD (2020-)
Desenvolvida por Greg Daniels Disponível na Amazon Prime Video
Nathan é um jovem programador procurando por investidores, mas depois de sofrer um acidente de carro, recebe a chance de ser integrado a uma realidade virtual onde você pode salvar a sua consciência antes de morrer e continuar sua segunda vida em um paraíso chamado Lakeview.
Mesmo relutante, acaba aceitando a oferta de sua namorada, mas agora vive em uma realidade controlada por computadores. Mesmo tendo um avatar físico e outras consciências com quem conversar, Nathan se sente mais sozinho do que nunca; mas as coisas mudam quando ele conhece Nora, uma das atendentes trabalhando para manter Lakeview e seus clientes satisfeitos.
Upload têm problemas, alguns deles podem te tirar completamente da série, mas essa primeira temporada tem seus momentos e sabe se divertir com as regras do seu mundo. Pode não ser imperdível, mas pode te entreter com boas piadas e um roteiro mais consistente do que imaginei que seria, principalmente considerando a premissa e todos os conceitos apresentados.
12º Lugar | STAR TREK: LOWER DECKS (2020-)
Desenvolvida por Mike McMahan Sem distribuição nacional. Disponível no streaming CBS ALL ACCESS.
Voltando para o universo de Jornada nas Estrelas, Lower Decks é uma série que foca na parte menos glamurosa das naves da Federação, seguindo a equipe de oficiais de baixa patente, que fazem todo tipo de trabalho servindo de assistentes para a tripulação principal. Eles tem que consertar replicadores de comida, fazer catalogações de novas espécies, limpeza geral, manutenção dos holodecks e toda aquela coisa que ninguém gosta de fazer.
Seguindo o mesmo estilo de animação e o humor de séries como Rick and Morty, Lower Decks tem boas idéias, e se dá bem quando quer faz algo original e engraçado, mas um enorme problema é a dependência dos roteiristas em nostalgia, o que faz com que os roteiros sejam cheios de referências vazias que, por mais obscuras que sejam, não servem propósito algum. Quando não foca nisso, Lower Decks fica bem melhor.
11º Lugar | STAR TREK: DISCOVERY (2017-)
Desenvolvida por Bryan Fuller e Alex Kurtzman Disponível na Netflix.
Depois de duas temporadas sem parecer saber qual seu propósito, Discovery finalmenteencontrou uma solução para poder desenvolver uma narrativa própria. Ao transportar a história de Burnham e companhia para um futuro distante, a série conseguiu se livrar da obrigatoriedade em tentar equilibrar uma tecnologia mais avançada com a estética mais “clássica” da linha temporal. Não é como se eles já estivessem fazendo um bom trabalho nesse departamento, mas com essa desculpa narrativa Discovery pode explorar a mitologia de Jornada sem se preocupar tanto com anacronismos.
Mantendo os efeitos visuais de qualidade, introduzindo novos personagens interessantes e subtramas mais envolventes, vamos torcer para que não tenhamos mais mudanças inesperadas nos bastidores que causem a bagunça que foi a temporada anterior.
10º Lugar | SOLAR OPPOSITES (2020-)
Desenvolvida por Mike McMahan e Justin Roiland Ainda não tem distribuição nacional. Disponível no streaming Hulu
Em Solar Opposites seguimos o cotidiano de uma família alienígena que precisou fugir de Schlorp, seu planeta-natal utópico que acabou atingido por um asteroide. Mas na procura por um novo lar, sua nave cai na Terra, onde eles agora vivem e reclamam dos costumes e rituais humanos. Os aliens Korvo e Terry são os guardiões de dois replicantes infantis, Yumyulack e Jesse. Juntos, eles tentam se adequar aos costumes terráqueos.
Solar Opposites pode ter seus defeitos, mas é quando explora o caos do cotidiano que realmente brilha, e isso porque o comediante e dublador Justin Roiland é excelente em humor improvisado. Terminamos a temporada com algumas pontas soltas, e por mais que essa não tenha sido uma das animações mais marcantes do ano, talvez eu volte para mais no futuro. São apenas oito episódios e eles passam voando.
Desenvolvida por Pedro Aguilera Disponível na Netflix.
Nina Peixoto (Carla Salle) trabalha para uma enorme empresa de vigilância, e as coisas parecem ir bem até o dia em que seu pai é assassinado misteriosamente e o sistema que acredita ser infalível não é capaz de revelar um culpado. Assim, Nina procura uma maneira de descobrir o responsável enquanto tenta burlar o sistema e as câmeras em sua volta.
Produção nacional, Onisciente não se limita às referências do gênero, como Asimov e Philip K Dick, e cria um universo próprio, com personagens e regras bem estabelecidas. Essa série é mais um passo para o avanço de produções de gênero no mercado nacional, um que ainda pode ser bastante influenciado por material norte-americano, mas carrega uma voz cada vez mais forte.
Eu admito não ser o maior fã de Star Wars, mas The Mandalorian conseguiu me conquistar pelas narrativas contidas e a estrutura de western que aquece meu coração. Os efeitos especiais são impressionantes, com um orçamento gigantesco, que acaba se justificando com sequências de ação maravilhosas. Além disso, personagens carismáticos e diretores convidados de alto calibre, como Taika Waititi e Robert Rodriguez.
A primeira temporada foi facilmente a melhor produção no universo de Star Wars em décadas, e por mais que a segunda temporada não tenha me conquistado do mesmo jeito, por conta das conveniências do roteiro e o excesso de fan service nostálgico desnecessário (a conclusão da segunda temporada não me emocionou, não deu), ainda assim foi uma das mais divertidas do ano, com aventuras que não perdem o fôlego e enriquecem o universo da série cada vez mais.
7º Lugar | RICK AND MORTY (2013-)
Desenvolvida por Dan Harmon e Justin Roiland Disponível na Netflix.
Rick and Morty é uma das animações mais aclamadas da TV. Mesmo não sendo reconhecida em seus primeiros anos, começou a ganhar enorme atenção no Brasil assim que teve seus episódios disponibilizados pelo serviço de streaming Netflix. Depois das duas primeiras temporadas, a série parece ter perdido um pouco de fôlego, mas com a estréia da quarta temporada, sinto que eles estão voltando aos trilhos.
Eu nem preciso falar demais dessa série porque, convenhamos, ela está popular em um nível de uma parcela dos fãs ter se tornado insuportável. Alguns acreditam que a animação perdeu toda a graça, mas ainda vejo muito material que pode ser explorado no futuro.
6º Lugar | MOONBASE 8 (2020-)
De Fred Armisen, Tim Heidecker, John C. Reilly e Jonathan Krisel Sem distribuição nacional. Disponível na SHOWTIME.
Antes mencionei a série Away, que pode não ter elementos de ficção científica o suficiente, mas ainda assim traz uma narrativa de exploração espacial e, convenhamos, todo fã do gênero adora uma história envolvendo astronautas. Em 2020 tivemos duas comédias que focam nos bastidores da NASA, a primeira sendo Space Force, estrelada por Steve Carell; a segunda foi uma bem menos popular, Moonbase 8. A diferença entre as duas é que Space Force parece apenas uma grande sátira feita às pressas para brincar com uma força tarefa espacial proposta por Donald Trump (nenhuma surpresa), enquanto Moonbase 8 tem uma escala bem menor e aproveita seu elenco para criar situações hilárias.
Estrelada por Fred Armisen, Tim Heidecker e John C. Reilly, a série segue três astronautas em uma base de testes, onde eles treinam para uma futura missão lunar. Ao longo de oito episódios assistimos os três comediantes improvisando diálogos e protagonizando situações ridículas por conta do seu comprometimento com a missão. Como se os três não fossem o suficiente, o espectador começa a questionar como a NASA decidiu contratar pessoas tão incompetentes, o que cria uma linha narrativa curiosa. É uma das séries menos conhecidas dessa lista, mas vale muito a pena para quem procura uma comédia bem feita.
5º Lugar | AVENUE 5 (2020-)
Desenvolvida por Armando Iannucci Disponível na HBO GO.
Eu demorei para assistir a primeira temporada de Avenue 5 por conta das diversas críticas negativas, mas quando comecei a assistir percebi que a maioria delas envolvia o humor da série, idealizada por Armando Iannucci, mais conhecido por seu trabalho em comédias como Veep. E talvez esse seja o problema, o humor de Iannucci é muito específico, sem punchlines ou nada que te faça gargalhar, mas é o tipo de comédia na qual os diálogos entregam mensagens conflitantes e o espectador precisa questionar o quanto daquilo é real, e o quanto é baboseira. Sim, é um humor muito específico, mas se ele não te pegar, a série com certeza não funciona.
A história gira em torno dos tripulantes de um cruzeiro espacial de luxo, que depois de um acidente tem o seu curso alterado, fazendo com que todos fiquem presos lá por bem mais tempo do que imaginavam. Além de lidar com as notícias ruins, os clientes precisam aturar o capitão e sua equipe, que são fazem idéia do que fazer.
A temporada passa a pegar mais fôlego e ficar mais dinâmica com o decorrer dos episódios, mas até lá, muitas pessoas já abandonaram, o que é uma pena porque a série tem ótimas atuações de Hugh Laurie e Zach Woods, além de efeitos especiais de qualidade (orçamento HBO). Para quem não gosta do humor, essa série vai ser um desastre, mas para quem procura uma comédia mais sutil, vai adorar tanto quanto eu.
4º Lugar | THE MIDNIGHT GOSPEL (2020-)
Desenvolvida por Duncan Trussell Disponível na Netflix.
Clancy comanda um podcast espacial chamado The Midnight Gospel, onde entrevista seres diversos de planetas em extinção. Com um simulador de multiversos, ele pode enviar um avatar com a sua consciência para estes planetas e gravar longas conversas, que podem ir de um simples questionamento sobre a legalização da maconha até uma viagem através dos sentidos, com debates sobre ética existencial e identidade.
Não se deixe enganar por elementos como barcos carregados pela energia positiva de gatos ou unicórnios que vomitam sorvete, The Midnight Gospel é uma experiência única através do espaço e da alma.
Desenvolvida por Nathaniel Halpern Disponível na Amazon Prime Video
Inspirado nos livros de Simon Stålenhag, que participa da série como roteirista e produtor executivo, Tales From The Loop segue a rotina dos habitantes de uma pequena cidade localizada acima de uma instalação de pesquisa, onde se encontra uma máquina chamada The Loop, capaz de explorar diversos mistérios do universo. Isso acaba afetando os habitantes, que experienciam situações inusitadas envolvendo inconsistências temporais, forças que desafiam as leis da física e outras coisas que poderiam ter saído de alguma obra de ficção científica.
Tales From The Loop é uma série que segue os moldes de outros grandes sucessos, mas se destaca na execução, apresentando mundos e personagens diversos sem depender de suas referências, explorando o que há de mais complexo na ficção científica, o ser humano.
Desenvolvida por Alex Garland Disponível na FOX Premium
Alex Garland fez sua carreira com a ficção científica, como os filmes Ex_Machina e Aniquilação, o que atraiu os fãs do gênero, mas assustou os estúdios por conta do orçamento gasto com efeitos visuais, e roteiros que não seguem uma linha narrativa tão tradicional. Então, quando decidiu desenvolver uma história sobre uma instalação de pesquisa capaz de visitar o passado e observar o futuro, o formato seriado foi o mais apropriado.
DEVS foi produzida pelo canal FX, e em oito episódios consegue trazer um espetáculo visual impressionante, tão bom que não fica devendo aos seus filmes. Mas além dos visuais e da trilha musical assustadora, há também um enredo complexo e intrigante, e um drama construído para casar perfeitamente com os temas da série. Nem todas as atuações são impecáveis como a parte técnica, mas os pontos altos conseguem apagar completamente os defeitos da temporada. Amito que ela não seja para todos por causa do ritmo lento e a direção quase experimenta em alguns episódios, mas para quem procura algo totalmente diferente, DEVS é uma experiência única.
1º Lugar | THE EXPANSE (2015-)
Desenvolvida por Daniel Abraham, Mark Fergus, Ty Franch e Hawk Ostby Disponível na Amazon Prime Video.
E como já era esperado, mais uma vez The Expanse é a série essencial para todo fã de ficção científica. Efeitos visuais de qualidade, conceitos originais, tramas emocionantes e uma abordagem mais realista de exploração espacial e política nas narrativas especulativas, essa série tem de tudo. Ela pode ter uma primeira temporada lenta, que demora estabelecendo as regras do mundo, mas quando passa a focar nos personagens e nas missões, The Expanse é o que o gênero tem de melhor para oferecer.
A tripulação da nave Rocinante continua sua jornada em busca de respostas para os eventos misteriosos que acabara de presenciar, enquanto precisam se envolver em um longo conflito entre a Terra, Marte e os membros do cinturão de asteroides de Ceres. Em 2020 tivemos a estréia de sua quinta temporada (felizmente, depois de ser cancelada pelo canal SYFY, a Amazon comprou os direitos da série), e por mais que seja a série mais avançada em episódios dessa lista, é uma das que mais vale a pena, se não for a melhor. E é por isso que ela continua no topo.
Então é isso! Sentiu falta de alguma série?
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